LP “Coisas”, de Moacir Santos lançado em 1965 e hoje objeto de colecionadores, o álbum do compositor pernambucano
Mesmo antes de o arranjador, maestro e instrumentista morrer aos 80 anos, em 2006, sua obra já era resgatada.
O início da “reapresentação” de Moacir ao público brasileiro se deu em 2002, quando Mario Adnet e Zé Nogueira produziram e arranjaram o CD duplo “Ouro Negro”, interpretando o repertório do músico que se mudara para os EUA em 1967.
Moacir, o compositor que não foi um só, foi tantos, como lhe eternizou Vinicius de Moraes no clássico “Samba da Bênção”, de 1963.
A “bênção” de Vinicius de Moraes a Moacir Santos foi imortalizada nos versos do samba com Baden Powell. No cotidiano, a devoção do poeta minguou em 1964.
Moacir não gostara da letra de Vinicius, “sensualizada demais”, para aquela que se tornaria sua música mais conhecida, “Nanã (Coisa nº 5)”. A parceria coube, então, a Mário Telles.
A negativa de Moacir a Vinicius é uma das passagens contadas no trabalho “Moacir Santos, ou os Caminhos de um Música Brasileiro”, resultado da tese de doutorado defendida por Andrea Ernest Dias em 2010 na Universidade Federal da Bahia.
O volume, escrito pela flautista que tocou nos discos que reintroduziram Moacir ao Brasil, “Ouro Negro” e “Choros e Alegria”, ajuda a entender quem é essa figura cultuada no meio musical brasileiro e americano, já que o maestro morou nos EUA de 1947 a 2006, ano de sua morte.
Chamada por Moacir de “afilhada” e “Odettinha” -em referência a sua mãe, a também flautista Odette Ernest Dias, que conviveu com o maestro na Rádio Nacional-, Andrea teve acesso ao material deixado por Moacir, no acervo guardado por seu único filho, Moacir Santos Jr., 63, na Califórnia.
“O Moacir Jr. foi generoso. Era vontade do pai dele ter uma biografia, anotava muitas coisas, tinha essa preocupação”, diz a autora.
Com análises musicais, a pesquisa trata dos estudos de Moacir com Guerra-Peixe e Joachim Hans Koellreutter, da herança recebida de Pixinguinha e de Abigail Moura, da Orquestra Afro-Brasileira.
Sem esquecer do Moacir como formador, professor de Baden Powell, Sergio Mendes, Dori Caymmi, João Donato, Carlos Lyra, Roberto Menescal e Wilson das Neves.
Há também um capítulo destinado à trajetória do músico nos EUA, onde gravou três LPs pelo selo Blue Note.
CINEMA E NOVAS COISAS
A pesquisa trata ainda dos trabalhos de Moacir no cinema na década de 1960. O mais importante, a trilha de “Ganga Zumba”, de Cacá Diegues, embrião do disco mais cultuado de Moacir, “Coisas”.
A autora analisa a concepção das “coisas” e, com manuscritos, revela, por exemplo, que uma “Coisa nº 11” chegou a ser esboçada, mas não se desenvolveu.
Ainda no cinema, “Amor no Pacífico” abriu portas nos EUA para que o músico trabalhasse com Henri Mancini e Lalo Schifrin.
“Ele não dizia sim nem não, apenas ria”, diz Mario Adnet sobre o trabalho do maestro como ghost-writer de Schifrin na trilha de “Missão Impossível”. “Pode ser especulação, mas tem muita coisa com a cara do Moacir ali”, completa Zé Nogueira.
“MUACY”
Só em 1982, Moacir retornou a Flores do Pajeú (PE) em busca de suas origens. Nascido em 1926, ele tinha apenas 3 anos quando sua mãe morreu e seu pai o abandonou. Educado por uma família tradicional, aos 14 bateu perna pelo Nordeste e aprendeu a tocar diversos instrumentos.
No retorno a Flores, aos 66 anos, descobriu o registro de batismo com seu nome grafado como “Muacy”. Não à toa, este será o título do disco do Trio 3-63, de Andrea, que sai no primeiro semestre do ano que vem com as inéditas “Samba Tango”, “The Beautiful Life” e “Love Go Down”, de Moacir.
(Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1205762-
LUCAS NOBILE DE SÃO PAULO – 26/12/2012)