Nicolau II, o último Czar herdeiro do trono dos Romanov

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A noite do massacre

Nicolau II, o Último Czar

O massacre da família imperial

Em julho de 1918 o czar Nicolau II (São Petesburgo, Império Russo, 18 de maio de 1868 – Ekaterinburg, 17 de julho de 1918) tinha 50 anos de idade, já havia abdicado do trono dos Romanov e fora feito prisioneiro pelos bolcheviques de Lenin e Trotsky que, em 1917, assumiram o poder na Rússia.

Numa espaçosa residência em Ekaterinburg, a 1 400 quilômetros de Moscou, o ex-czar passava os dias lendo jornais e encenando peças de teatro com a mulher e os cinco filhos. Já não possuía amigos, palácios nem prestígio.

Nem mesmo seu primo George V, rei da Inglaterra, achara prudente desafiar o governo revolucionário pressionando por sua libertação.

Não faltava muito para a meia-noite do dia 16 de julho de 1918 quando Nicolau II, sua mulher, Alexandra, as filhas Anastacia, Maria, Olga e Tatiana e o herdeiro Aleksei foram acordados.

Também foram tirados da cama o médico da corte e três criados. Dali todos foram encaminhados para uma sala discreta, no porão da residência. A desculpa foi que, em função dos avanços das tropas inimigas, que se encontravam às portas da cidade, considerava-se mais adequado levá-los para um ambiente protegido. Nicolau pegou nos braços o filho de 13 anos, doente, e seguiu à frente. No porão, os prisioneiros foram orientados a se agrupar, como se fossem tirar uma fotografia.

A porta se abriu novamente. Apareceu um pelotão de fuzilamento. Um hierarca bolchevique que fez uma declaração: “Como seus parentes continuam a atacar a Rússia soviética, o Comitê Executivo decidiu executá-los”. Como uma pessoa que não conseguiu entender o que ouviu, o czar ainda pediu que ele repetisse. Foi atendido.

A chacina começou a seguir. Segundo uma testemunha, as balas pulavam “pela sala como granizo”. Com o corpo protegido por corpetes nos quais levavam, às escondidas, diamantes e outras joias de valor, as princesas demoraram a morrer. No chão, o menino estendeu o braço para proteger-se. Um pente inteiro de balas foi usado contra as moças e o garoto. Ainda com vida, uma dama de companhia se esvaía em sangue no chão. Veio a ordem para desferir sobre ela, e quem mais ainda estivesse vivo, violentos golpes de baioneta. A dama agarrou a lâmina. “Tiveram de acabar com ela com coronhadas de rifle.”

CONSPIRAÇÕES PERMANENTES – A Rússia de Nicolau II era um país com sinais contraditórios. Numa Europa de repúblicas e monarquias constitucionais, seu regime era uma autocracia sob a chefia de um monarca inseguro e indeciso, controlado pela mãe e depois pela mulher. O czar governava num ambiente de conspirações permanentes, com um aparato de repressão poderoso e incontrolável. Foi sua polícia secreta, a Okhrana, que produziu a grande fraude do anti-semitismo do século 20, o livro Protocolos dos Sábios de Sião, que descrevia uma suposta conspiração de judeus para controlar o mundo – e que servia de pogroms no interior do país.

Infiltrada na maioria das organizações de esquerda, a Okhrana chegou a preparar e promover atentados terroristas cometidos em sua maioria por outra organização extremista, os Socialistas Revolucionários. Num desses atentados, foi assassinado um primo de Nicolau II que, na condição de grão-duque, agia com um de seus conselheiros mais ouvidos. A bomba que o matou, fora confeccionada pela polícia do czar e o plano para eliminá-lo também foi concebido por um agente infiltrado. Apenas o militante encarregado de entrar com a mão-de-obra e arcar com as consequências – foi condenado à morte – não era um agente duplo.

Rússia pré-revolucionária

Alexandra, czarina neta da rainha Vitória, que impressionava os convidados por seu comportamento estranho. Vivia trêmula, sorria convulsivamente, mordia os lábios e estava sempre ofegante.

A influência cada vez maior do devasso Grigori Rasputin, mujique com fama de curandeiro, sobre a czarina e, através dela, nos negócios do governo.

As responsabilidades que levaram à decisão de executar a família imperial.

Logo depois da tomada do poder, os dois principais líderes bolcheviques, Lenin e Trotsky, eram favoráveis a submeter o czar a julgamento. O próprio Trotsky imaginava uma cerimônia pública na qual, como mais respeitado orador do partido, lhe caberia o papel de promotor. Como a família imperial já se encontrava aprisionada na Sibéria, chegou-se mesmo a elaborar um plano para trazê-la de volta a Moscou. Não se sabe, oficialmente, quando nem por que esse projeto foi alterado.

É certo que a guerra civil endureceu e que boa parte dos projetos iniciais dos bolcheviques virou poeira diante do risco de um naufrágio. Trotsky encontrava-se numa frente de batalha quando o massacre ocorreu.

A execução do czar e de sua família foi necessária não apenas para assustar, horrorizar e despojar o inimigo de toda esperança, mas também para sacudir as próprias fileiras, mostra-lhes que não havia mais retorno e que à frente se estendia completa vitória ou total ruína.

Depois da chacina, Lenin dispensou à maioria dos envolvidos um tratamento respeitoso. Tiveram uma vida confortável até a aposentadoria, alguns se tornaram altos burocratas. Também eram convidados a dar palestras para escoteiros contando como havia sido aquela noite.

Um mês antes da execução, tem início, nas fileiras da Cheka, o porão soviético da época, um plano astucioso: levantar o fantasma de uma hipotética conspiração para libertar o czar como pretexto para matá-lo. Forjou-se até uma carta enviada a Nicolau II, assinada por suposto oficial envolvido num plano para resgatá-lo. A senha era bisonha: “Esperem por um assobio. Será o sinal”, dizia o texto. Com base em provas falsificadas, não foi difícil arrancar, na Sibéria, resoluções e mais resoluções em assembleias populares controladas pelos bolcheviques, os sovietes, condenando o czar à morte. Logo apareceram mãos para fazer o serviço.

Os assassinos

O mais graduado, encarregado de ler a sentença de morte, chamava-se Yakov Yurovsky. Tinha nove irmaõs, começou a trabalhar com 10 anos de idade numa relojoaria e, nessa época, não sabia “o que era comer até matar a fome”.

Despedido após uma greve, foi proibido de arrumar emprego em outras joalherias e relojoarias, entrando para o Partido bolchevique. A partir daí, passou a viver como relojoeiro enriquecido e fotógrafo de sucesso, apenas como cobertura para suas atividades políticas. Outro era Filipp Goloshchekin, que estudou para dentista mas nunca exerceu a profissão. Um terceiro era Peter Ermakov, responsável militar pela região, um ex-operário.

EMBRIAGADO – Na condição de soldado, estava presente um húngaro que na época tinha 22 anos. Era Imre Nagy. O mesmo que seria morto enfrentando tanques soviéticos que invadiram seu país para sufocar a rebelião de 1956, na qual se aliou ao povo para democratizar o regime. Muitos desses homens preferiram nunca mais tocar no assunto. Já Yurovsky e Ermakov passaram anos travando uma autêntica disputa histórica e de vaidades para saber quem havia disparado o primeiro tiro e deixado “sua marca na História”.

Conclusões apontam que Ermakov não podia lembrar-se do que ocorreu porque se encontrava embriagado naquela noite e que Yurovsky era um grande falastrão. O mais provável autor do disparo inicial foi Mikhail Medvedev-Kudrin, ex-marinheiro, pai do futuro historiador – e dissidente – M.M. Medvedev.

o czar executado em Ekaterinburg não teve um destino diferente do de outros monarcas e ditadores. O julgamento que enviou Luís XVI para a guilhotina em 1793 foi um jogo de cartas marcadas na Revolução Francesa. Em 1989, o romeno Nicolae Ceaucescu e sua mulher foram enviados para o pelotão de fuzilamento sem maiores formalidades.

Nicolau II era um czar desastrado e impopular. A população o chamava de Nicolau, o Sanguinário. Mesmo levando em conta que nem sempre as revoluções se produzem de acordo com um manual de boas maneiras democráticas, não há como negar que ocorreu um crime repugnante maior em Ekaterinburg. As balas dos bolcheviques que executaram mulheres e crianças.

Nicolau II morreu solitário e impopular. Ele, sua mulher e seus cinco filhos foram executados de madrugada. Seus corpos foram enterrados clandestinamente e só quase oitenta anos depois, quando o regime criado em 1917 (Revolução Bolchevique) veio abaixo e se realizaram testes de DNA para a identificação dos ossos, é que se pôde saber exatamente o que aconteceu.

(Fonte: Veja, 27 de abril de 1994 – ANO 27 – N° 17 – Edição n° 1 337 – LIVROS/ Por RINALDO GAMA – Pág; 114)

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