Estadistas ou provincianos, visionários ou primitivos, belicosos ou pacifistas, todos ajudaram o poder americano indo embora no fim do mandato.
A guerra é a continuação da política por outros meios e Barack Obama é a continuação da busca pela manutenção da hegemonia mundial americana por meio de uma personalidade menos tóxica e desfocada do que George W. Bush. Engana a si próprio quem espera que os interesses nacionais dos Estados Unidos sejam esquecidos em favor da manutenção por todo o mandato de Obama da onda de simpatia planetária criada por sua eleição. Os antepassados paternos de Obama são da costa oeste da África, não muito longe de onde os analistas da política de Theodore Roosevelt, presidente americano de 1901 a 1909, buscaram inspiração para resumir sua política externa the big stick, o grande porrete. O ditado africano original diz: Caminhe mansamente, mas carregue um grande porrete. E o que era essa política? A afirmação do direito de os Estados Unidos se contraporem pela força a qualquer intromissão européia nos interesses americanos no hemisfério ocidental e de intervirem militar e economicamente nos países vizinhos incapazes de, por conta própria, manter a paz e sua soberania.
Obama é tão americano quanto Bush, cujas origens na América podem ser traçadas até a sexta geração e o mandato que ele recebeu nas urnas é o mesmo dos que o precederam: defender a Constituição e os interesses dos Estados Unidos.
O erro está em imaginar que a alternância de poder que acaba de se processar de modo notável enfraquece os Estados Unidos. Ao contrário, a alternância é a fonte de perpetuação do poder americano. O pardtido de Obama, o Democrata, recrutou entre seus quadros aquele com melhor chance de quebrar o domínio do partido de Bush, o Republicano. Funciona assim desde 1800, quando Thomas Jefferson, do partido democrata-republicano, interrompeu o poder dos federalistas, que deram os dois primeiros mandatérios americanos, George Washington e John Adams. Ninguém melhor do que John Kennedy percebeu e expôs as razões e as regras não escritas da alternância de poder.
Em seu discurso de aceitação da indicação de seu nome pelo Partido Democrata como candidato à Presidência, Kennedy disse que os Estados Unidos não poderiam tolerar o luxo da manutenção das políticas do presidente Dwight Eisenhower, que já estava havia oito anos no poder e queria emplacara seu vice, Richard Nixon, para pelo menos mais quatro. Kennedy avançou seu raciocínio pela história depois de (James) Buchana, essa nação precisava de (Abraham) Lincoln depois de (William) Taft precisávamos de (Woodrow) Wilson, da mesma forma que depois de (Herbert) Hoover precisamos de Franklin Roosevelt. Ele via a alternância como a fonte de energia criativa e de renovação dos Estados Unidos.
Por essa razão, o país suportou quando o primeiro presidente americano a se eleger como um homem do povo, Andrew Jackson, em 1828, se revelou mesmo um populista, um clientelista e um racista adepto da hegemonia branca. Em 1860, Abraham Lincoln chegou ao poder com apenas 40% dos votos com uma plataforma abolicionista. Lincoln será para sempre lembrado como o presidente que garantiu a integridade territorial dos Estados Unidos ao derrotar militarmente os estados separatistas do sul. A vitória veio ao custo de quase 500 000 vidas dos dois lados, naquela que foi de longe a guerra que mais matou americanos. Quando os canhões silenciaram, os Estados Unidos estavam assentados sobre dimensões continentais e os escravos, livres. Seu libertador, porém, sustentava que o homem branco não tinha o direito moral de escravizar a si próprio ou as outras raças, mas era inegavelmente superior ao negro. Lincoln temia os distúrbios que os escravos libertos poderiam produzir e apoiou a criação de programas para incentivá-los a emigrar para o México e outros países do continente. Em 1964, o texano Lyndon Johnson, vice de John Kennedy, assassinado no ano anterior, decidiu se engrandecer pela tentativa de colocar todo o peso do governo na eliminação da pobreza e da injustiça racial. Johnson construiu, assim, mais um degrau da escada que, no início de novembro de 2008, conduziu Barack Obama à Casa Branca, a qual, sendo bom ou mau presidente, ele desocupará no máximo em 2017 para que a alternância siga fazendo sua mágica.
O PODER DA ALTERNÂNCIA
1789 George Washington. O general foi eleito e reeleito sem contestação, abafando disputas que podiam destruir o país no berço.
1797 John Adams.
1801 Thomas Jefferson. Foi o primeiro a derrotar um candidate do continuísmo e a mostrar o poder da alternância.
1809 James Madison.
1817 James Monroe.
1825 John Quincy Adams.
1829 Andrew Jackson. O primeiro presidente a se vender como homem do povo foi populista e racista.
1837 Martin van Buren.
1841 William Henry Harrison.
1841 John Tyler.
1845 James Polk.
1849 Zachary Taylor.
1850 Millard Fillmore.
1853 Franklin Pierce.
1857 James Buchanan.
1861 Abraham Lincoln. Ganhou a primeira eleição em que um tema, a abolição dos escravos, dividiu o país ao meio.
1865 Andrew Johnson.
1869 Ulysses S. Grant.
1877 Rutherford B. Hayes.
1881 James Garfield.
1881 Chester Arthur.
1885 Grover Cleveland.
1889 Benjamin Harrison.
1893 Grover Cleveland.
1897 William McLinley. O primeiro a se eleger com a promessa de conter os gastos do governo.
1901 Theodore Roosevelt.
1909 William H. Taft. O primeiro a se eleger com a promessa de conter o poder das grandes empresas.
1913 Woodrow Wilson.
1921 Warren Harding.
1923 Calvin Coolidge.
1929 Herbert Hoover.
1933 Franklin D. Roosevelt. O único a ser eleito para quarto mandates e o primeiro a vencer uma recessão e uma guerra mundial.
1945 Harry Truman.
1953 Dwight Eisenhower.
1961 John F. Kennedy.
1963 Lyndon Johnson. Pai da Grande Sociedade, abriu os cofres como nenhum outro para debelar a pobreza.
1969 Richard Nixon.
1974 Gerald Ford.
1977 Jimmy Carter.
1981 Ronald Reagan. Primeiro monetarista puro-sangue, ganhou a Guerra Fria, matou a inflação e fez a direita popular.
1989 George H. W. Bush.
1993 William J. Clinton.
2001 – George W. Bush. Teve a eleição mais contestada e sairá da Casa Branca com a pior avaliação da história.
2009 Barack Obama. O primeiro negro a ser eleito presidente dos Estados Unidos.
(Fonte: Veja, 12 de novembro, 2008 nº 45 ano 41 edição 2086 Especial/ Vilma Gryzinski – Pág; 98/99)