O primeiro brasileiro a ganhar um grande torneio internacional de pôker

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O primeiro brasileiro a ganhar um grande torneio internacional de pôker
Ele apostou todas as fichas-e venceu.
Alexandre Gomes, o primeiro brasileiro a ganhar um grande torneio internacional, é o herói de uma geração que aprendeu a jogar pôquer na internet.
A K. Ás e rei. Essas eram as cartas que Alexandre Gomes segurava quando Marco “Crazy” Johnson apostou todas as fichas – o que é conhecido como all-in na gíria do pôquer. Os dois estavam na final de um dos 55 torneios que compõem o World Series of Poker (WSOP), uma espécie de olimpíada anual do pôquer, em julho de 2008, em Las Vegas. Após três dias de competição, sobraram apenas Alexandre e Johnson de um total de 2.317 inscritos. O prêmio para o campeão: US$ 770 mil e um bracelete de ouro cravejado de diamantes. O jogo em questão: o Texas Hold’em No Limit (sem limite de apostas), a modalidade do pôquer mais popular.
Alexandre pagou, sem hesitar, a aposta do americano, que abriu as cartas: JQ, valete e dama. Os dois competidores já estavam “de all-in”. Faltava apenas que o crupiê virasse as “cartas comunitárias” para definir o ganhador (no Texas Hold’em, vence o jogador cujas duas cartas pessoais formam a melhor combinação com as cinco cartas da mesa).
O crupiê abriu 2-3-4-A-4. Alexandre tinha um par de ases vencedor. Restou, então, a Crazy Johnson assistir a festa dos brasileiros, que pulavam aos gritos de “Aha, uhu, o bracelete é nosso!” Com a vitória, o curitibano de 26 anos, que largara poucos meses antes a carreira de advogado para viver do baralho, tornou-se o primeiro brasileiro a vencer um torneio de prestígio internacional.
Alexandre faz parte de uma nova geração de jogadores criada no universo on-line. No bolso, leva um adesivo do site PokerStars, seu patrocinador desde a conquista em Las Vegas, para grudá-lo na roupa caso vá jogar baralho, ou tirar uma foto.
O Texas Hold’em entrou na vida de Alexandre aos 22 anos, de uma maneira convencional: pelos amigos. Um dia, por insistência de um dos colegas, decidiu experimentar o pôquer on-line. Foi quando fez seu primeiro – e único – depósito no PokerStars, de US$ 100. Com o apelido Allimgomes, só jogava de madrugada. Já na primeira semana, em um torneio cuja inscrição custara US$ 3, ficou em terceiro lugar e faturou US$ 1.500.
Animado com o resultado, sacou US$ 1.000 e deixou US$ 600 para continuar jogando. Foi logo “fatiado”, como se diz nas casas de pôquer quando alguém perde muitas fichas. Sua conta ficou reduzida a US$ 50. “Naquele momento, percebeu que o Texas Hold’em não era tão fácil quanto imaginava”. Alexandre passou a estudar o jogo em blogs, revistas, livros e fóruns de discussão.
Em pouco tempo Allimgomes reencontrou o caminho da vitória. Num torneio de US$ 11 a inscrição, chegou, as 6 horas da manhã, a mesa final, depois de passar a madrugada inteira na frente do computador. Embolsou US$ 13.500 pelo título.
Alexandre está na categoria Bomba no site PokerListings, que classifica os jogadores de acordo com sua postura a mesa. Na descrição do site, “bomba” é “um jogador agressivo e temido pelos adversários”, que “ganha muitas jogadas no blefe”. Há outras categorias, como a dos “maníacos”, que são “extremamente agressivos e estão sempre apostando alto”.
O PokerListings tem também um ranking dos maiores vencedores e perdedores da internet. Na lista vermaleha, o líder é Lady Marmelade, com US$ 2,7 milhões negativos em 2008. Não se sabe ao certo quem é Lady Marmelade, mas tudo sugere que seja o canadense Guy Laliberte, o bilionário fundador do Cirque Du Soleil. Laliberte se tornou um mito do pôquer – não pelo talento, mas pelas perdas astronômicas. Já o maior ganhador do ano é Durrrr, com quase US$ 2,3 milhões positivos. Seu nome é Tom Dwan. Ele tem 22 anos.
Uma máxima do pôquer diz que o Texas Hold’em leva um minuto para aprender e a vida inteira para dominar. A nova geração de jogadores on-line tem tudo para aposentar o ditado. Na internet, eles tem tudo para aposentar o ditado. Na internet, eles têm acesso a fóruns de discussão, onde debatem jogadas e táticas de jogo, e a blogs de profissionais consagrados, que compartilham seus conhecimentos com os visitantes. Essa plataforma de informações, aliada a possibilidade de jogar a qualquer hora do dia e da noite, permite que os adeptos do pôquer on-line desenvolvam suas habilidades de maneira extremamente rápida. Um bom exemplo foi um caso ocorrido em setembro de 2007. Na final de um torneio europeu, sobraram uma garota de 19 anos, Annette Obrestad, e o lendário Doyle Brunson, um texano de 75 anos que há mais de cinco décadas marca presença nas principais mesas de Las Vegas. Annette_15, como é conhecida na internet, derrotou o caubói e levou para casa, na Noruega, 1 milhão de libras. Annette, que desde os 15 anos joga pôquer on-line (daí o número em seu apelido), já ganhara mais de US$ 800 mil em sites de pôquer.
Apesar das histórias de sucesso de Annette e Alexandre, nem sempre os jogadores que tem sucesso na internet conseguem bons resultados ao vivo (e vice-versa). “É como futebol de campo e de salão, são estilos de jogo diferentes”. O americano Phil Hellmuth, por exemplo, recordista do WSOP, com 11 braceletes conquistados, tem fama de ser um “pato” no pôquer virtual. Alexandre encontrou Hellmuth certa vez no cassino Bellagio. “Depois de apresentá-lo a um amigo da mesa, Phil começou a reclamar da internet, dizendo que não agüentava mais perder tanto dinheiro lá.”
Na temporada de 2007, Alexandre estava conseguindo bons resultados tanto no pôquer on-line quanto ao vivo. O sucesso criou um dilema em sua vida. Recém-formado em Direito, sócio de um pequeno escritório de advocacia, ele se empolgou com a possibilidade de fazer carreira com as cartas. A dúvida acabou quando ganhou, no começo de 2008, US$ 65 mil em um único dia.
O bracelete do World Series of Poker foi o grande salto na carreira de Alexandre. Além do reconhecimento e, é claro, dos milhares de dólares, vários sites lhe ofereceram patrocínio. Alexandre assinou com um deles – o mesmo de André Akkari, outro importante jogador brasileiro – e, de lá para cá, viaja sem parar para disputar os maiores torneios do mundo.
Da mesma maneira que atletas são procurados por empresas como Nike e Adidas, os sites de pôquer disputam as estrelas do Texas Hold’em. As transmissões televisivas deram status de celebridade aos jogadores. Tê-los usando suas logomarcas traz credibilidade e visibilidade aos sites e atrai novos apostadores. Nos EUA, o pôquer é o terceiro esporte (seus praticantes afirmam que deve ser considerado um esporte) mais visto na TV a cabo, a frente até do basquete profissional da NBA.
Uma das personalidades criadas por esse fenômeno é o canadense Daniel Negreanu. Kid Poker – apelido que faz a referência a sua fisionomia de adolescente – é conhecido pela sua simpatia, pelo bom humor e pela destreza fora de série com as cartas. Apenas em um campeonato ao vivo, Negreanu já faturou mais de US$ 10 milhões. Ele é um dos principais personagens do reality show High Stakes Poker. Em cada episódio do programa, dez jogadores se sentam a mesa com US$ 100 mil ou mais cada um. Não raro, os “potes” disputados chegam a US$ 500 mil.
Estima-se que, no planeta, 140 milhões a 180 milhões de pessoas joguem pôquer regularmente. Em torno do Texas Hold’em, criou-se uma indústria bilionária. Na internet, os sites de apostas virtuais faturaram cerca de US$ 15 bilhões em 2006, tendo o pôquer como carro-chefe. Nos torneios de cassinos, tem crescido o número de inscritos, e, conseqüentemente, o valor dos prêmios. Em 2003, o evento principal do World Series of Poker (cuja inscrição custa US$ 10 mil) reuniu 839 pessoas. Chris Moneymaker, o vencedor, levou US$ 2,5 milhões. Em 2008, o total de competidores subiu para 6.844. O campeão, um garoto dinamarquês de 22 anos chamado Peter Eastgate, ganhou US$ 9,1 milhões.
No Brasil, há uma polêmica sobre a legalidade do pôquer. Os jogos de azar são proibidos no país. Discute-se se o pôquer se enquadra nessa categoria. Isso porque, nele, a habilidade é tão ou mais importante que a sorte. Prevalece a técnica dos jogadores. Nos últimos anos, diversas casas voltadas para o Texas Hold’em foram abertas em São Paulo e outras cidades brasileiras. Devido ao impasse legal, elas são fechadas e reabertas constantemente. Enquanto não chega-se a uma definição, o Hold’em cresce. Em maio de 2008, o Rio de Janeiro recebeu um torneio internacional organizado pelo site PokerStars. Cada um dos 314 competidores pagou US$ 2.500 para participar. O título e o prêmio de US$ 223 mil ficaram para o holandês Julien Nuijten.

(Fonte: Época – N° 549 – 24 de novembro 2008 – Editora Globo – Sociedade / Jogos/Por Pedro Nogueira – Pág; 158/161)

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