Robert McNamara, o primeiro civil a comandar o Pentágono
O SENHOR GUERRA FRIA
Robert McNamara, o homem que foi como poucos a sua própria circunstância
FUNCIONÁRIO FIEL
Kennedy e McNamara: um entrou para a história pelo portão dourado; o outro, pela porta de trás
Em 1960, quando foi convidado pelo então presidente eleito John Kennedy para ser secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert Strange McNamara, ex-professor de administração da Universidade Harvard, especialista em análise de sistemas e recém-empossado presidente da Ford, respondeu: “Mas eu não sou qualificado!”. Kennedy retrucou: “E você acha que existe curso para presidente?”. McNamara, primeiro civil a comandar o Pentágono, permaneceria no cargo até 1968. Kennedy morreria assassinado em 1963. O primeiro, ainda em vida, entrou para a história pela porta de trás, apontado como o grande responsável pelo desastre militar americano no Vietnã. O segundo, belo, sedutor e, qualidade das qualidades, beneficiário daquele efeito político que viria a ser conhecido como “teflon” (nada de ruim grudava nele), atravessou os umbrais da história pelo seu portão mais dourado, eternizando-se como mito. Quem disse que a vida é justa?
McNamara morreu no último dia 6, aos 93 anos, em Washington, enquanto dormia. Causas naturais, anunciaram, fornecendo, assim, uma moldura tranquila para a morte de um homem atormentado pela culpa. Qual seria a imagem que ela, a culpa, assumia na mente de McNamara? É mau jornalismo traduzir o que vai pela cabeça de alguém, mas se permita, aqui, um exercício de imaginação: a imagem da menina vietnamita em fuga, nua e em prantos, de um bombardeio de napalm. Nada mais pungente, nada mais emblemático, nada mais acusador contra os americanos e, em especial, contra McNamara.
Se o homem é sua circunstância, poucos se moldaram à sua própria mais do que o secretário de defesa de Kennedy e Lyndon Johnson. Como voluntário durante a II Guerra Mundial, ele utilizou seu conhecimento e habilidades matemáticas para aumentar a eficiência dos bombardeios de cidades japonesas. No poder, foi um dos arautos da estratégia de dissuasão nuclear em relação à União Soviética, que aceleraria a corrida armamentista entre as duas superpotências. McNamara era um falcão, mas não era louco. Seus antecessores imaginavam até um ataque atômico preventivo ao inimigo, plano descartado por ele.
Mas sua circunstância definidora foi mesmo o Vietnã. O assassinato de Kennedy entronizou-o no panteão dos intocáveis. Sobrou para McNamara o ônus da aventura militar no Sudeste Asiático. Duas distorções levaram a que o conflito em que morreram 3 milhões de pessoas ficasse conhecido como “a guerra de McNamara”, e não como “a guerra de Kennedy”, como de fato foi. A primeira é que o atoleiro no Vietnã teria começado no governo de Lyndon Johnson, sob os auspícios de McNamara. Na verdade, ele começou a ser cavado bem antes. Quando Kennedy chegou à Casa Branca, em 1961, havia apenas 500 militares americanos no Vietnã. Dois anos depois, já eram 16 000, incluindo Boinas Verdes empenhados na contrainsurgência em evitar que o Vietnã do Sul fosse derrotado pelos vietcongues, os guerrilheiros internos mancomunados com o regime comunista do Vietnã do Norte. A segunda distorção é que McNamara tenha manipulado Kennedy para enfiar-se no Vietnã. Vivia-se, então, o auge da Guerra Fria, e a teoria do efeito dominó a crença de que, depois de instalado num país, o comunismo se espalharia por toda a região ao redor era uma convicção do establishment americano. Kennedy, que não precisava de McNamara para se convencer disso, enxergava no Vietnã também uma oportunidade para mostrar ao Terceiro Mundo que não permitiria o avanço do comunismo. “Nós estávamos errados”, resumiu McNamara nos anos 90, a respeito da guerra no Sudeste Asiático. Muitos criticaram o seu uso da primeira pessoa do plural. Mas ele estava certo. A culpa não foi apenas dele. Na história, ela nunca é de um só.
(Fonte: veja.abril.com.br/150709/senhor-guerra-fria – Edição 2121 – ANO 42 – N.° 28 – MEMÓRIA – 15 de julho de 2009 – Pág; 146)