A diretora de Brasil Animado, Mariana Caltabiano, relata os desafios que enfrentou para fazer a primeira animação brasileira em 3D e diz que não tem medo da concorrência.
Ela não tem medo de briga: a diretora paulistana Mariana Caltabiano, 38 anos, lançou dia 21 de janeiro de 2011, em mais de 200 salas de cinema do país, o primeiro longa-metragem de animação brasileiro a ser captado e exibido em 3D. A brigar com seu Brasil Animado pela preferência dos espectadores estarão os célebres ursos criados por Hanna Barbera: Zé Colmeia _ O Filme estreia no mesmo dia do concorrente nacional, com a vantagem de ter um personagem conhecido por várias gerações, misturando animação e live action. A animação brasileira, contudo, tem a seu favor o emprego de uma técnica diferenciada, utilizada no clássico Uma Cilada Para Roger Rabbit: os personagens animados transitam em cenários reais, passeando por pontos turísticos brasileiros como a Praia de Copacabana e o Cristo Redentor, além de paradisíacas praias nordestinas, como Canoa Quebrada e Jericoacoara, no Ceará.
A reação de Mariana a esse enfrentamento mostra uma diretora mais identificada com Relax do que com Stress, os dois simpáticos cachorros que estrelam o filme, em busca do jequitibá rosa. ao comentar os concorrentes estrangeiros neste janeiro de férias (em cartaz estão ainda a animação em 3D Enrolados e o filme As Viagens de Gulliver), ela diz apenas: Fico feliz que o confronto maior seja com Zé Colmeia e não com Toy Story 3. Se fosse com Toy Story, aí eu estaria em maus lençóis. Vi o filme e acho que eles se superaram. Consegue ser melhor que os dois anteriores, que são ótimos, avalia.
Dona de um currículo que reúne três longas-metragens de animação, dois médias-metragens, um seriado no Cartoon Network com os bichos Gui e Estopa e a produção de três livros para crianças, a diretora fala nesta entrevista ao site da Veja das limitações dos diretores de animação brasileiros na comparação com os colegas americanos; declara sua admiração pelo carioca Carlos Saldanha, diretor de A Era do Gelo 3, que fez carreira no exterior e estreia o aguardado Rio dia 8 de abril e relata o atípico processo de trabalho, com histórias curiosas na captação das cenas documentais.
Estrear no mesmo dia de um potencial blockbuster de férias, como Zé Colmeia, tendo ainda a concorrência de As Viagens de Gulliver e Enrolados foi uma infeliz coincidência?
De fato, quando escolhemos a data, não sabíamos que teríamos pela frente, logo de cara, a concorrência do Zé Colmeia. Mas a disputa faz parte do jogo e temos nossos trunfos. Brasil Animado faz um retrato muito simpático do país e dos brasileiros, algo que não costumo ver em animações. Claro que é chato dividir a bilheteria logo de cara, mas o que posso dizer ao público é que nosso filme tem a vantagem de permitir que o espectador conheça o Brasil, que é enorme e possui várias maravilhas, no conforto de uma sala de cinema. É como se pais e filhos embarcassem numa gostosa viagem, com direito a muita informação.
Com a viagem dos personagens Brasil afora marcada por ensinamentos de Geografia e História a cada nova parada, fica clara a ideia de entreter e ensinar, na mesma medida. Houve uma preocupação para que o resultado final não ficasse chato?
Sim. Quando se faz uma opção como esta, o desafio é sempre maior. Mas é aí que entra o humor para manter a criançada na sala de cinema. Stress e Relax são personagens divertidos e carismáticos. Conjugar informação e entretenimento é uma preocupação minha que vem de trabalhos anteriores, como A Turma da Garrafinha, exibida pela TV Globo.
O filme tem uso limitado do 3D. Você teve dificuldades?
Sim. Filmar em 3D é mais complicado, porque tudo fica dobrado: foram duas câmeras, trazidas dos Estados Unidos, além de um equipamento chamado Rig, que serve para sustentá-las. É claro que eu gostaria que as imagens pulassem mais para fora da tela, mas não foi possível. Foi tudo muito novo, um aprendizado mesmo. A ideia de fazer o filme em 3D partiu da direção da Globo Filmes, que achou que seria bom comercialmente.
Quais as limitações enfrentadas pelos diretores de filmes de animação no Brasil, na comparação com o mercado americano? Teve um orçamento modesto para fazer o filme?
Brasil Animado custou R$ 3 milhões, valor muitíssimo abaixo do de mercado. Temos muito menos dinheiro pra fazer e, para correr por fora, é fundamental encontrar soluções criativas. No nosso caso, a solução foi a inserção de cenas documentais, os cenários reais brasileiros pelos quais passeiam os personagens. Isso representou economia de tempo e dinheiro. Fizemos nosso filme em apenas três anos. Um A Era do Gelo leva no mínimo uns quatro para ficar pronto (o número 2 da franquia de sucesso custou, a título de comparação, 85 milhões de dólares). Cheguei a fazer testes para ver se optava por computação gráfica, mas não me agradaram. Aí optei pela animação tradicional, com os personagens bidimensionais. Cresci vendo Pica-pau, Pernalonga, personagens que meus filhos (de 8 e 11 anos) gostam, mesmo hoje em dia.
As cenas reais do filme renderam histórias curiosas de bastidores?
Sim. A senhorinha que se enfia no meio da roda de capoeira na Bahia fez isso por contra própria, era uma turista brasileira. Achei um barato ela ter percebido a alegria deste momento. O senhor que toma picolé no bairro da Liberdade, em São Paulo, e dá uma paradinha para espiar a câmera, também foi espontâneo. São coisas que você não vai ver num filme da Pixar. É um olhar nosso, brasileiro. Quis que o filme fosse atemporal, por isso estão lá Tom Jobim, Tiradentes e tantos outros nomes célebres de nossa cultura e história. Durante o processo, fui descobrindo informações que eu mesma desconhecia. Pais e filhos vão curtir aprender.
O que a levou a inserir personagens como o cineasta Fernando Meirelles, a ginasta Daiane dos Santos, o tenista Gustavo Kuerten e a modelo Gisele Bundchen, brasileiros de destaque no exterior? Já estava de olho no mercado de fora?
Coloquei-os ou citei-os pois são brasileiros que não deixaram que a concorrência internacional os intimidasse, exatamente como eu. Isso me motiva muito. Fomos convidados para o festival de animação Annecy, na França, para onde vamos em junho.
Quem são seus ídolos no mundo da animação?
O brasileiro Carlos Saldanha, claro, e Maurício de Souza, pois por causa dele entrei neste universo. Quando eu era pequena, no meu clubinho de revistas em quadrinhos, as da Turma da Mônica valiam mais que as da Disney. Temos um longo caminho a percorrer, mas com inspirações como a do Maurício tenho certeza de que tudo só tende a melhorar.
(Fonte: www.veja.abril.com.br – Celebridades – Cinema/ Por André Gomes – 21/01/2011)