Octávio Malta (Pernambuco, 1902 – Rio de Janeiro, 25 de abril de 1984), jornalista e historiador pernambucano, autor do livro Os Tenentes na Revolução Brasileira. Foi um dos fundadores juntamente com Samuel Wainer do jornal Última Hora e da revista Diretrizes. Preso depois da Intentona Comunista de 1935, transformou-se em personagem das Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. Octávio Malta faleceu dia 25 de abril de 1984, aos 82 anos, de edema pulmonar, no Rio de Janeiro.
(Fonte: Veja, 2 de maio de 1984 Edição n° 817 DATAS Pág; 75)
Assim era Octavio Malta: claro e simples, objetivo, ousado, corajoso, determinado, amigo, generoso, teimoso, batalhador, irônico, otimista, engraçado, descobridor, respeitado.
No final dos anos 30, quando Samuel Wainer o conheceu, ele já era um pouco o guru da imprensa brasileira. Dorival Caymmi diz que Malta, pessoa do meu coração, sempre se dizia a boca pequena que ele era o melhor secretário de jornal que existia. Um riso adorável, uma calma e, para o trabalho que fazia, um milagreiro.
Augusto Nunes foi quem escreveu, a pedido de Pink Wainer, as memórias de Samuel: “Minha Razão de Viver”. Quando ele chegou ao final das 57 fitas que Samuel deixou gravadas, Nunes confidenciou-me: O depoimento é impressionante. Samuel detona todo mundo. Inclusive ele próprio. O único que fica bem na história, e durante toda a vida, é Octavio Malta.
Malta sempre ficou bem. Pode-se pegar qualquer livro de memórias de intelectuais de sua época. Não importa de quem sejam as lembranças. De Darci Ribeiro a Nélson Rodrigues, ou mesmo historiadores estrangeiros como John W.F. Dulles. E isso desde o tempo de Graciliano Ramos, que o incluiu em suas Memórias do Cárcere.
Pernambucano de Nossa Senhora do Ó, distrito de Nazaré, Malta nasceu em 1902 e aos 17 anos foi trabalhar como revisor, depois como redator, no Diário de Pernambuco. Mas aos 23 anos foi obrigado a sair do Recife, juntamente com Osório Borba. Os dois criticavam o Governador Sérgio Loreto, que pedia insistentemente suas cabeças, o que acabou impedindo-os de continuar trabalhando em jornal.
No Rio de Janeiro, Malta teve alguns meses de boca incerta época em que trabalhava em A Folha, vespertino decadente de Medeiros e Albuquerque, que funcionava num prédio em frente à antiga sede do Jornal do Brasil. Em 1926, foi redator da Tribuna, o vermelhinho que servia de acústica para a oposição revoltada.
Após um período na Bahia, Malta voltou ao Rio, sempre trabalhando em folhas oposicionistas de grande influência na época, a começar por A Esquerda, de Pedro Mota Lima, além de A Batalha e do Diário da Noite.
Secretário-geral do Socorro Vermelho, organização de solidariedade do Partido Comunista, em 1935 foi preso na Casa de Detenção, no Rio. Lá, recebia os jornais diários e escrevia um resumo do noticiário que, nas galerias da Frei Caneca, era ouvido pelos demais presidiários através do médico Campos da Paz, que lia, em voz alta, o que havia sido redigido pelo amigo de cela. Marta, como o chamavam os mais íntimos ele tinha dificuldade em pronunciar os eles , era o Matoso na época, mas meu nome legá é Octavio Malta, brincavam os amigos.
Paulo Francis escreveu em 1984 que Malta foi um polemista de esquerda e uma doce criatura: Pouca gente sabe que ele salvou a vida de Samuel,quando teve tuberculose e desistiu da vida. Malta o internou e cuidou dele.
Samuel achava que o Partido tirava a independência do articulista, lembra Francis. Não concordo. Malta foi exemplo disso. Para grande irritação minha, ele começou a elogiar Jânio Quadros em 1960. Nós todos éramos pró-Lott. Toda a esquerda. Mas Malta se encantou com alguns discursos de Jânio no Nordeste. Era um homem aberto as ideias.
O primeiro sucesso de Samuel foi Diretrizes, que teve Malta como braço direito. Era ele quem escrevia os editoriais. Vinte anos depois Samuel soube que o amigo havia sido mandado pelo PCB para controlar o jornal-revista, mas a miopia política de Samuel tinha causas facilmente identificáveis:
Eu estava deslumbrado com a constatação de que tivera acesso ao clube dos intelectuais de esquerda. Subitamente, surpreendera-me amigo de intelectuais como Jorge Amado, Zé Lins, Graciliano, Rachel de Queiroz, José Américo de Almeida, Érico Veríssimo. Sentia-me honradíssimo por tantos privilégios. Ter a companhia de Octavio Malta assim era um motivo de orgulho suficientemente poderoso para fechar-me a vista a certas evidências. Malta era uma figura extraordinária, sempre seríamos amigos.
Depois veio Ultima Hora, e de novo Malta estava à frente: Ele era meu braço direito, meu velho companheiro, a quem vinha fazendo sucessivas consultas desde a conversa com Getulio em Petrópolis.
Samuel, ainda nas memórias, comemora o sucesso de UH: Os editoriais redigidos por Octavio Malta eu ainda não me sentia suficientemente seguro para escrevê-los tinham peso crescente.
Além de ser o redator-chefe do jornal, Malta durante duas décadas assinou a coluna Jornais e Problemas, a primeira do País a comentar a imprensa diária. Em Machado de Assis ele encontrou a inspiração para a coluna e diariamente repetia o mote que conheceu em Quincas Borba Não há vinho que embriague como a verdade.
Ali políticos e barões da imprensa sofreram com sua pena.
Mas os que não eram criticados deliciavam-se com seu sarcasmo.
Quando Kennedy foi assassinado e, em seguida, mataram o assassino, Magalhães Júnior assinou um artigo falando da dupla tragédia americana. E Malta perguntava: Por que dupla tragédia, ó Magalhães? Tragédia em teatro é uma peça de enredo violento e funesto em que figuram personalidades ilustres. Shakespeare escreveu várias tragédias ( ) Em Hamlet, ou na História Trágica de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, há vários assassinatos, mas tudo é uma só tragédia. Macbeth é, igualmente, uma tragédia; e não duas, ou mais. A execução de Carlos I chama-se a tragédia da Inglaterra, como o assassinato de Kennedy pode se chamar de a tragédia americana. Mas dupla tragédia é que não é, meu velho Magalhães Júnior. Você é Júnior, mas é velho pra chuchu e devia, sobretudo depois que vestiu o fardão verde da Casa de Machado de Assis, não escrever bobagem.
Ou então o simplório Ibrahim Sued, que escreveu: O Senador Afonso Arinos de Melo Franco perdeu mais uma oportunidade de ficar calado, quando este saudou San Tiago Dantas em um episódio referente a Cuba. E dizia Malta:
Ora, Afonso Arinos é uma dessas criaturas feitas para falar, porque fala sempre bonito. Pois o Ibrahim, logo o Ibrahim, que foi feito para não falar, diz que Arinos perdeu mais uma oportunidade de ficar calado
Não faz pena!
Isso para ficar em dois exemplos menores.
Durante anos seus principais alvos foram Carlos Lacerda e Roberto (Azul) Marinho e o seu The Globe. Esses nunca o perdoaram. Em abril de 1964, perseguido pela polícia de Lacerda e pelas tintas de Marinho, Malta foi obrigado a passar alguns meses na clandestinidade, mas sem abandonar a luta. Em UH assinava três dias na semana um artigo com o pseudônimo de Manoel Bispo (veja boxe na página ao lado), e na Folha da Semana, outro como Luiz da Silva, personagem de Graciliano Ramos em Angústia, nome sugerido pelo jovem amigo Maurício Azêdo.
Quando Ultima Hora foi vendida, em 1972, Malta não teve mais onde escrever na grande imprensa.
Paulo Francis lembra que todos respeitavam Malta e o amavam como símbolo de um radicalismo que hoje me parece atenuado ou reduzido a demagogia no Brasil: Ele não queria nada para ele.
Cuidava da família e vivia do salário de redator. A última vez que o vi, acho que em um café da Rio Branco, em 1969, perguntei a ele o que me dizia da nossa situação. Não me vendi. É a resposta.
Octavio Malta, autor do livro Os Tenentes na Revolução Brasileira, foi na segunda metade do século XX um dos mais importantes e influentes jornalistas do País. Quando faleceu foi saudado como um dos responsáveis pela remodelação da imprensa do Rio de Janeiro nos anos 50.
E morreu num dia de muita notícia: 25 de abril de 1984, data em que o Congresso enterrou as diretas. Na noite anterior, ele foi para a janela de seu apartamento, no Flamengo, bater panela como a maioria dos brasileiros que queriam votar pra Presidente. Pela manhã, esteve na ABI, onde foi pagar a mensalidade e ficar apto a votar na renovação de um terço do Conselho.
Rubem Braga foi com Oto Lara Resende ao enterro de Malta. Depois lamentou, em artigo, que ambos ficaram à sombra de uma árvore do Cemitério São João Batista, ao invés de fazer como os mais velhos que, enfrentando o calor forte e uma enorme escadaria, foram até à beira da sepultura, como foi o caso de Barbosa Lima Sobrinho e Luís Carlos Prestes. E ainda saíram dali, por volta das 5 da tarde, para subir em um palanque armado na Cinelândia, onde se realizava o último comício pró-diretas.
No caixão, Malta certamente se deliciou com o gesto. Ele sabia muito bem que a luta continua.
Em 3 de abril de 1958, Malta dedicou seu artigo aos 50 anos da ABI, que ele conheceu não nas salas estreitas da Avenida 13 de Maio, nem no sobrado da Rua do Rosário, e nem na Rua do Passeio. Ele era do tempo da Rua Primeiro de Março, quando a Associação Brasileira de Imprensa era apenas um posto de escuta para a reportagem de polícia.
Disse Malta sobre a ABI:
Agora, trata-se somente de comemorarmos a Casa de todos nós, homens de imprensa, de uma imprensa cuja atuação na vida do País tem sido, cada ano, mais arrojada e mais decisiva. Nunca a imprensa jogou um papel tão influente, nem desenvolveu uma ação tão direta no processo, e mesmo na dramatização da vida brasileira como em nossa época. A ABI deve compreender isso para, hoje que não é mais um sonho de modestos repórteres, mas uma bonita realidade associativa dos homens de jornal, ter um comportamento adequado ao ritmo da nossa evolução social e política.
É isso. A luta continua.
Um artigo de Malta logo após o golpe, com coragem e ironia
Quando Octavio Malta morreu, aos 82 anos, seu velho companheiro Moacir Werneck de Castro escreveu um artigo no qual falava de sua criatividade, espírito crítico e risonho sarcasmo:
Secretário, diretor de redação, editor, repórter político, comentarista e editorialista, seu trabalho refletiu momentos decisivos da história contemporânea. O golpe de 64 o encontrou ainda na trincheira da UH. E foi nos meses imediatamente subseqüentes que ele escreveu, burlando a censura armada, algumas de suas melhores páginas de sátira, com o pseudônimo Manoel Bispo.
Um exemplo disso é o artigo abaixo,intitulado A Liberdade é o Cérebro Eletrônico, publicado menos de 40 dias após o golpe, em plena vigência do Ato Institucional.
A notícia saiu no Caderno B do Jornal do Brasil:
Se for bem sucedido, dentro de 10 anos um cérebro eletrônico irá editar os jornais. E acrescentava-se que o maior trabalho na redação seria do contínuo que todas as noites teria de colocar óleo no redator-chefe.
Os nossos revolucionários da extrema direita ficaram encantados. O diabo é que a coisa só poderá acontecer daqui a dez anos. Terão eles que esperar até lá, mas anima-os a certeza de que, ao voltar os que tiveram seus direitos políticos suspensos exatamente por dez anos, encontrarão tudo mudado. As fofocas terão se acabado.
Os jornais estarão revolucionados pela pressão do cérebro eletrônico.
Então, a polícia não mais perseguirá o redator, que usou a liberdade de imprensa para defender uma reivindicação, ou um direito, ou uma ideia.
Perseguirá uma máquina: o cérebro eletrônico.
Os teóricos das liberdades modernas consideram, todavia, o uso da liberdade de imprensa em nossos dias ainda uma boa ação social. Por isso empenham-se na defesa intransigente dessa liberdade. Mas a verdade que essa boa ação social custa-nos, às vezes, expiar no cárcere dias e meses de solidão, desconforto e aporrinhação. É uma ameaça que, no Brasil, paira na cabeça de todos ou quase todos os jornalistas, nessa hora incerta.
Antes já houvesse vindo o cérebro eletrônico, dizem alguns.
Quem não se conforma com isso são os velhos homens de imprensa, habituados a liberdade. Há dezenove anos a imprensa brasileira voltou a ser livre: a lição de dez anos de censura, de opressão, de vindita foi demasiado amarga para nos deixar molemente envolver outra vez nas sombras de uma ditadura semelhante. E não creio que o Governo do honrado Presidente Castelo Branco deseje isso. Sem a liberdade de crítica, sem jornais livres, sem a influencia da imprensa aconteceria, no seu Governo, como na ditadura, as mesmas prevaricações, as mesmas enormidades oficiais, as mais odiosas injustiças, os desaforos mais torpes, os mesmos sórdidos sintomas da imoralidade. Rui dizia que governo sem liberdade de imprensa é governo clandestino: É da sua essência a clandestinidade que só tem por corretivo a independência da imprensa. Luis Bonaparte abafou a imprensa e pelo silêncio da imprensa pareceu, aos olhos dos franceses, desonrado. Governo que sente dificuldade em viver sob a fiscalização diária da imprensa cheira mal
(Fonte: www.daciomalta.com.br – 13 julho 2010)