Og Pozzoli, foi um dos colecionadores mais conceituados do mundo, um dos mitos entre os colecionadores de clássicos

0
Powered by Rock Convert

Og Pozzoli, lenda do antigomobilismo

 

Coleção de carros antigos de Og Pozzoli, em Sao Paulo Foto: Cláudio Teixeira/Estadão

Coleção de carros antigos de Og Pozzoli, em Sao Paulo (Foto: Cláudio Teixeira/Estadão)

 

UM DOS DEZ MELHORES COLECIONADORES DE CARRO DO MUNDO

A paixão pelo automóvel e suas histórias fizeram desse detentor de 200 veículos antigos um homem incomum

Og Pozzoli (Rio de Janeiro, Fluminense de Itaboraí, 1930 – 17 de novembro de 2017), empresário, foi um dos mais conceituados colecionadores de automóveis do mundo. Foi pioneiro na área ao adquirir seu primeiro automóvel colecionável em 1958, um Lincoln Continental.

Natural do Rio de Janeiro, Fluminense de Itaboraí, foi criado em Natal (RN) e radicado em São Paulo desde 1956, aos 26 anos. Em 1958, um Lincoln Continental 1948 inaugurou a coleção, que até a última contagem reunia 170 veículos. Seu acervo é considerado um dos 10 melhores do mundo graças a raridades como as duas Fiat Jardineira , uma de 1912 e outra de 1914. Esta última, única no mundo, despertou a cobiça de Gianni Agnelli (1921- 2013) quando, então presidente da Fiat, visitava o Brasil para a instalação da fabricante italiana por aqui. A fortuna oferecida pela Jardineira não convenceu Og, cujo amor pelos seus carros o impede de comercializá-los. 

Og abrigava em uma propriedade em Cotia, na Grande São Paulo, um acervo de cerca de 200 automóveis, os mais antigos duas Jardineiras Fiat, de 1912 e 1914, que ele se recusou a vender por US$ 1 milhão a Gianni Agnelli, presidente da Fiat.

Carros que serviram a papas, a presidentes da República de diversos países, exemplares únicos no mundo, veículos que começou a comprar em 1958, dois anos após chegar a São Paulo, vindo de Natal, ao volante de um Opel 1937, numa jornada por estradas precárias, de terra.

 

Og Pozzoli

O Chrysler Imperial 1928 tem carroceria de alumínio e já deu carona ao papa João Paulo II (Foto: Rafael Munhoz)

 

Og é economista de formação, empresário de profissão, mas a história é sua paixão e o carro, a desculpa para contá-la. Todos os veículos são originais e, muito bem cuidados, parecem ter saído da linha de montagem. Alguns são únicos no mundo, enquanto outros pertenceram a presidentes da República, governadores, industriais ou personalidades do século 20. Ele mesmo deu carona para o papa João Paulo II, para o atual imperador Akihito e a imperatriz Michiko, do Japão, e emprestou o Packard Limousine Imperator 1940 para O Beijo da Mulher Aranha, filme de Hector Babenco com Sonia Braga.

 

 

Um dos colecionadores mais conceituados do mundo, Og Pozzoli vivia em Cotia, na Grande São Paulo Foto: Márcio Fernandes/Estadão

Um dos colecionadores mais conceituados do mundo, Og Pozzoli vivia em Cotia, na Grande São Paulo (Foto: Márcio Fernandes/Estadão)

 

Independentemente da raridade e do valor da peça, ele conservava seus automóveis com zelo e carinho. Sabia descrever as características técnicas e mecânicas de cada um deles e fazia questão de dizer que todos estavam em condições de uso. Eram carros com uma história que se confundia com a dele, um dos fundadores do Veteran Car Clube, em 1968.

 

Ele era o sócio número 1.

 

Ao apresentar a coleção, Og não descreve só a mecânica dos carros, mas destaca curiosidades e passagens importantes que envolveram seus principais veículos, como o caríssimo baú Louis Vuitton que acompanha o Graham Paige de 1930. Ou o Packard Super 8 Limo 1940 que teria sido adquirido pelo proprietário somente para namorar no banco traseiro: “Há espaço de sobra para isso”, brinca Og. Tem ainda o Chevrolet 1932 enterrado pelo dono, que queria escondê-lo durante a Revolução de 32, temeroso de que o veículo fosse confiscado pelo governo do estado de São Paulo, fato corriqueiro no período.

 

Assim as histórias vão se sucedendo, de um galpão a outro. Como o modelo norte-americano Moon 1918, tipo 6-45 Piton, de Washington Luiz, que se tornaria presidente do Brasil de 1926 a 1930. O fabricante desapareceu, e esse Moon de Og é o único exemplar que sobreviveu e levou dois anos para ser restaurado. Um antigo anúncio de 1919 oferecia o carro, “essa maravilha de mecânica moderna”, por 16 contos e 500 mil réis, cerca de R$ 150 mil hoje.

 

Og Pozzoli

Dono original comprou o Packard Super pelo espaço para namorar no banco de trás (Foto: Rafael Munhoz)

 

Na coleção também há o Oldsmobile 1926 do senador Rudge Ramos, o Buick 1940 do governo de São Paulo, usado por Fernando Costa, interventor federal (1941 a 1945), e no desfile de posse do governador Ademar de Barros em seu primeiro mandato (1947 a 1951). Buick também é a mais antiga marca de automóveis dos EUA, fundada em 1899 e que seria um dos pilares iniciais da GM. Tem o Packard 1946 semiblindado, que serviu ao presidente Eurico Gaspar Dutra (1946 a 1951), e o Cadillac 1951, batizado de rabo de peixe, de Lucas Nogueira Garcez, governador de São Paulo (1951 a 1955). A Cadillac, divisão da GM fundada em 1902,  com investimento em marketing e publicidade nas décadas de 1950 e 1960, tornou-se sinônimo de modelos luxuosos e assegurava status instantâneo. Mesmo Elvis Presley teve um, cor-de-rosa.

Tem ainda o Chrysler Imperial, que surgiu em 1926 para concorrer com o luxo de Cadillac e Lincoln. Antonio de Oliveira Salazar adquiriu vários, inclusive um blindado, após uma tentativa de assassinato pelos anarquistas em 1937. Salazar foi ditador em Portugal por 41 anos e morreu em 1970, mas um dos Chrysler Imperial 1939, carroceria Graber, já em sua quarta geração e usado por ele, está com Og. Há ainda o Lincoln V12 de 1938, primeiro carro produzido especialmente para uso presidencial. Dos cinco feitos, sobraram dois. O que serviu a Franklin Delano Roosevelt, presidente dos EUA (1933 a 1945), está no Museu da Casa Branca, em Washington. Outro, nem precisaria dizer, está com Og.

 

O detalhado painel em nogueira de um Lincoln V12 1938 (Foto: Leo Cavallini)

Neste mesmo Lincoln, Getúlio Vargas desfilou na inauguração do túnel e avenida Nove de Julho, em São Paulo, em 1938. E os presidentes Craveiro Lopes (Portugal), Giovanni Gronchi (Itália) e Charles de Gaulle (França) em visitas ao Brasil entre 1950 e 60. A rainha Elizabeth II também deu uma volta, em 1968, ao lado do marido, o príncipe Philip, quando inaugurou a atual sede do Masp em São Paulo.

E foi com ele que Og levou João Paulo II na primeira de suas três visitas ao Brasil, em 1980. O papa ainda viajou 81 km de Aparecida a São José dos Campos no Chrysler Imperial 1928, “um modelo fora de série, com carroceria de alumínio”, destaca Og. Já o ainda príncipe Akihito, em sua segunda visita ao Brasil, em 1978, nas comemorações dos 70 anos da imigração japonesa, desfilou num Mercedes Conversível 1952, no estádio do Pacaembu, para 70 mil pessoas, ao lado do general Ernesto Geisel. Atrás, num Chrysler Imperial 1937, seguia parte da segurança e, fechando o desfile, Og dirigia o Chrysler Imperial 1928, com a então princesa Michiko Shoda, primeira plebeia a se casar com um membro da família imperial. Os carros todos, claro, de Og.

 

 

Austin J40 foi lançado em 1950 e já tinha buzinas funcionais (Foto: Leo Cavallini)

Na coleção há, entre dezenas de outros, o Studebacker 1925 que pertenceu ao presidente Venceslau Brás (1914 a 1918). “O carro veio de Brasópolis, onde nasceu o mineiro Venceslau, e tem a placa da época”, diz Og, que conhece detalhadamente cada exemplar. “Tenho uma biblioteca na qual posso pesquisar antes de iniciar uma restauração.”

Nascido em Itaborai (RJ), em 27 de outubro de 1930, e criado em Natal (RN), chegou a São Paulo em 1956. E veio em seu primeiro carro, um Opel P4 1937. “Foram 17 dias e 3.400 km, dos quais 3 mil em terra.” Ao chegar, teve de vendê-lo e nunca o recuperou, apesar de intensa busca feita depois. Em 1958, adquiriu o luxuoso Lincoln Continental 1948, primeiro veículo de seu acervo. “Era barato, mas os pobres não queriam porque manutenção e consumo eram altos, e os ricos o achavam ultrapassado.”

 

 

Perfil: Og Pozzoli, o colecionador de 170 carros antigos (Foto: Leo Cavallini)

Em 1959 comprou um Fusca, “sonho do brasileiro na época”, diz Og. Depois, um Ford A 1929 para o Carnaval de 1960. “Naquele tempo era comum usar carro no Carnaval de rua”. Mas o Fordinho quebrou e Og foi com o Lincoln “brincar em Santos”. E com ele conheceu Maria Lúcia, com quem teve quatro filhos e está casado desde 1963:  “Nunca mais nós três nos separamos”, brinca.

Nem o fascínio parou: “Os carros correm atrás de mim”, diz Og. Sobre cavaletes, protegidos dos efeitos do tempo, sempre estão prontos para rodar, e perfeitamente. Com o Chevrolet 1941, foi de São Paulo a Valparaiso, no Chile, para um rali de antigos: “9.600 km, ida e volta, e só um pneu furado.”

Og não esconde a preferência por carros dos EUA, entre eles o Cadillac. Um deles, o De Ville 1953, não foi restaurado. No hodômetro: 20 mil km originais. “Por um tempo, o Brasil ficou conhecido como o país dos Cadillacs, porque muitos deputados da então capital Rio de Janeiro os traziam”, diz.

 

 

O Cadillac De Ville 1953 nunca foi restaurado e rodou apenas 20 mil km em mais de 60 anos (Foto: Leo Cavallini)

Os modelos mais antigos da coleção são duas jardineiras Fiat, de 1912 e 1914, esta única no mundo. Para recuperá-las comprou quatro unidades e usou suas peças. Elas estavam em Araraquara (SP), para onde foram após o fim da Primeira Guerra Mundial. Os exemplares encantaram Gianni Agnelli, então presidente da Fiat. Em uma das suas viagens ao Brasil, para a instalação da empresa em Betim (MG), teria oferecido US$ 1 milhão para levá-las ao Centro Histórico Fiat, no Museu do Automóvel de Turim. Og recusou. Agnelli quis saber o motivo.

Eu disse: “Sou um homem realizado. Se aceitar esse um milhão, vou continuar morando na mesma casa, casado com a mesma esposa, bebendo o mesmo vinho, o mesmo uísque e sem minhas jardineiras.” Agnelli sorriu e disparou: “O senhor é um filósofo”.

 

 

O antigo chefão da Fiat Gianni Agnelli tentou comprar as jardineiras por US$ 1 milhão: não conseguiu (Foto: Leo Cavallini)

Com 11 amigos, entre eles Roberto Lee, Eduardo Matarazzo e Angelo Martinelli Bonomi, Og atuou na fundação do primeiro clube, em 1968, no Rio, o Veteran Car Clube, do qual é sócio número um. O Brasil tem cerca de 80 clubes e 21 mil carros cadastrados. Og, que ganhou esse nome quando seu pai fazia palavras cruzadas, soube que foi uma homenagem ao seu antigo xará, o rei de Basan, cidade situada do lado oriental do rio Jordão. Era um gigante.
A coleção abriga ainda a primeira habilitação expedida em 1904 pela prefeitura de São Paulo, onde havia só 83 veículos. Era de Menotti Falchi, um dos donos da extinta fábrica de chocolates Falchi. “A de Santos Dumont foi emitida na França”, justifica Og.

Antes de encerrar o passeio, Og conta por que prefere os carros antigos. “Eram feitos na prancheta, não por computador. Por isso, você olha para um carro japonês, alemão ou norte-americano e são todos praticamente iguais. Os antigos têm mais autenticidade, têm seu DNA muito específico.”

Agora, luta para transformar a paixão em museu aberto para que mais pessoas possam ver essa história, feita com “apoio” de muita gente que achava que as velharias ocupavam espaço na garagem. E as vendia como ferro-velho. E Og comprava, pesquisava, restaurava e guardava. Por amor ao carro e à história.

 

Mercedes-Benz 300 Adenauer 1952 é apenas um dos clássicos europeus (Foto: Leo Cavallini)

 

Nos últimos meses, mesmo fisicamente debilitado, Og comparecia aos principais encontros de carros, como o do primeiro domingo do mês na Estação da Luz, no centro de São Paulo. Sempre ao seu lado, e ao volante de um carro clássico, estava a mulher, Maria Lúcia, com quem era casado desde 1963 e teve quatro filhos.

Pozzoli morreu em 17 de novembro, três semanas após completar 87 anos de idade. Og lutava há tempos contra um câncer.

Em setembro, já fisicamente debilitado, ele não pôde comparecer a cerimônia na Assembleia Legislativa onde foi homenageado pela Associação de Proprietários de Veículos Antigos do Estado de São Paulo. A filha Teresa o representou.

(Fonte: Zero Hora – Ano 54 – N° 18.958 – 12 de dezembro de 2017 – TRIBUTO / MEMÓRIA – Pág: 34)

(Fonte: https://revistaautoesporte.globo.com/Noticias/noticia/2014/08 – AUTO ESPORTE / por DÉCIO VIOTO – 17/08/2014)

(Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/geral – NOTÍCIAS – GERAL / Por Roberto Bascchera, O Estado de S.Paulo – 18 Novembro 2017)

Powered by Rock Convert
Share.