Foi o primeiro cantor a ser dono de um programa de rádio no Brasil
Orlando: um cantor emocionado
Carinhosamente
Orlando Silva (Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1915 – Rio de Janeiro, 7 de agosto de 1978), foi o mais perfeito cantor popular do Brasil, o cantor das multidões.
Por que será que ninguém tem o direito de envelhecer neste país?, costumava perguntar Orlando Garcia da Silva nos últimos dez, vinte anos. Desabafo, decepção e tristez de um velho ídolo decadente? Justificativas de um antigo cantor que parou no tempo? Ou simplesmente uma verdade com a qual o ex Cantor das Multidões foi obrigado a conviver.
Já se passaram algumas décadas desde que Orlando Silva foi respeitosamente incluído na galeria dos imortais da música popular brasileira e seus passeios pelas ruas do Rio de Janeiro em nada mais lhe faziam recordar os tempos prósperos do sucesso, o frenético assédio das fãs. O corpo franzino a bengala suportando a perna esquerda defeituosa era um adversário forte demais para que Orlando Silva soltasse a voz que tumultuou o país desde sua primeira gravação, em 1936.
Em um temporário envolvimento com drogas e bebidas, uma carreira de quase 44 anos, um poder de carregar atrás de si multidões axaltadas, mais de 1 400 músicas gravadas, duas praças com seu nome – uma no Rio de Janeiro e outra em Sergipe – e o mérito de ter inaugurado um estilo próprio de cantar, Orlando Silva – com ou sem o direito que tanto o preocupava – envelheceu. Fato que seguramente o tirou das paradas de sucessos e dos contratos mas não contava para as 1 500 pessoas que seguiram seu corpo dia 8 de agosto, andando os 6 quilômetros que separam a sede do Flamengo – seu time – até o Cemitério São João Batista. Ele foi enterrado com a bandeira do Flamengo e ao som de “Carinhoso”, “Jardineira”, “Adeus”, “Malmequer”, suas canções preferidas, “puxadas” ao violão pelo professor Tainara, acompanhante oficial de Orlando em todas as suas apresentações.
Ultimamente, sem forças para cantar, Orlando Silva vivia numa casa modesta na Ilha do Governador ao lado da mulher Lurdes, com quem viveu 31 anos – e se casou oficialmente há três. Seus discos vendiam muito pouco e quase não eram executados nas rádios. Seu último LP, gravado em 1973, foi a tentativa final de Orlando em acompanhar os novos tempos. O disco, “Orlando Silva Hoje”, trazia composições de Caetano Veloso (“Clarice”), Gilberto Gil (“Mancada”), Chico Buarque (“Carolina”) e conseguiu vender uma média de 3 000 cópias por semana, principalmente no interior, mais pela fidelidade de seu público que pela força de sua interpretação. Na verdade, Orlando Silva jamais conseguiu se desligar do repertório que o consagrou nos anos 30 e 40.
ESTAFETA E TROCADOR – O estouro “Orlando Silva” começou junto com a primeira gravação do novo cantor. Carioca de Engenho de Dentro, filho de um operário da Central do Brasil e ex-violonista do grupo Oito Batutas, de Pixinguinha, Orlando tentou de tudo, antes de conseguir uma oportunidade na rádio. Trabalhou como estafeta da extinta Western, operário da Cerâmica Trajano de Medeiros, entregador de uma loja de tecidos na rua do Ouvidor e – depois que foi atropelado por um bonde, que lhe custou parte do pé esquerdo – trocador de ônibus. O irmão mais velho, Edmundo, foi quem marcou uma audiência para Orlando na Rádio Cajuti no bairro da Tijuca (o nome da estação era o do bairro escrito ao contrário). Por três dias Orlando tentou, em vão, que alguém se emocionasse com sua voz profunda e grave. Mas foi o compositor Bororó quem resolveu apresentá-lo ao então grande ídolo da época, Francisco Alves.
NO PONTIAC GRENÁ – “Foi no carro de Chico Alves que eu fiz o teste”, ele contava, “um Pontiac grená, de pára-lamas pretos, chapa 46-78.” Detalhe importante demais para Orlando se esquecer, pois foi Chico Alves quem o levou de volta à Rádio Cajuti onde desta vez passou no teste cantando Malandro Sofredor, com o pseudônimo de Orlando Navarro. Ele tinha 17 anos e exatamente no dia 23 de junho de 1934 iniciava a careira mais rápida e retumbante de todos os cantores populares do Brasil. Depois do carnaval de 1935, gravou seu primeiro disco para a gravadora RCA Lágrimas e Última Estrofe, de Cândido das Neves. Com este disco ganhei um contrato na gravadora e conheci, garoto, um sucesso imediato, recordava ele.
O que se seguiu foi uma apoteose: Ao soar o carrilhão dando onze badaladas, ao escutar os ponteiros na metade do dia, os ouvintes da Rádio Nacional se encontrarão também com Orlando Silva. Durante catorze anos (de 1952 a 1966), a locutora Lúcia Helena apresentava assim Orlando Silva aos ouvintes da nacional, rádio aliás que ele inaugurou em 12 de setembro de 1936 e onde ele foi também o primeiro cantor a ser dono de um programa todos os domingos, das 18 às 18h30, até 1943. Com o poder da emissora e seus sucessos nos discos, Orlando abafava. Em 1937, quando se apresentou pela primeira vez em São Paulo, uma multidão lotou a praça Patriarca e o viaduto do Chá, o que lhe valeu o slogan de Cantor das Multidões, dado pelo locutor Oduvaldo Cozzi, da Nacional. Em pouco tempo, Orlando caiu no gosto do povo. Seus tocos de cigarro ele fumava sem parar eram disputados avidamente, caminhar da calçada da praça Mauá até o elevador do edifício da Rádio Nacional era uma aventura. Suas fãs tiravam pedaços de sua gravata, botões de seu paletó. Nunca, até então, um cantor brasileiro tinha despertado tamanha euforia.
O PREPARO FÍSICO Mas apesar dos boatos que sempre o identificaram como um boêmio, chegado a serestas, bebidas e mulheres. Orlando Silva fazia questão de deixar claro: Sempre fui um boêmio tranqüilo. Gostava de me vestir bem, ter um carrinho. Não fazia o gênero doidão. Mesmo porque, ele costumava lembrar sempre, nunca tive preparo físico por causa do acidente com a perna.
A fase fértil de Orlando Silva rendeu quase 800 discos em 78 rotações e tantos e incontáveis LPs que nem mesmo ele sabia precisar quantos. Seu maior sucesso, Carinhoso, na verdade, nasceu por insistência do próprio Orlando. Em 1937, ele ouviu a melodia pela primeira vez, quando Pixinguinha estava se apresentando no Dancing Eldorado. Ficou com a música na cabeça e três dias depois encontrou João de Barro, o Braguinha, e lhe pediu para colocar a letra. Em menos de uma semana Orlando gravava a canção que seria sempre obrigado a cantar, onde quer que se apresentasse, pelo resto de sua vida.
Mesmo sendo um cantor do gênero romântico, nunca deixou de participar do carnaval: durante 35 anos seguidos sempre lançou pelo menos um sucesso. No carnaval de 1939, por exemplo, foi Jardineira e Meu Consolo É Você, e, na semana seguinte, O Homem sem Mulher Não Vale Nada e História Antiga.
A rapidez com que suas músicas chegavam ao público era realmente surpreendente. Tentando aproveitar a onda, Orlando também participou de dois filmes Banana da Terra (em 1938, onde cantou a própria Jardineira) e Segura essa Mulher (em 1946, com a marcha Seja lá o que Deus Quiser). Quando completou 35 anos de carreira (em 1969),o cineasta Oswaldo Caldeira lhe dedicou um curta-metragem, O Cantor das Multidões, onde tentava levantar a discussão de como um sistema é capaz de fazer com que, num espaço de menos de vinte anos, um ídolo nacional, um intérprete real de todas as multidões brasileiras, seja esquecido.
Talvez as reflexões de Orlando Silva não fossem tão profundas como propunha o cineasta. Mas o fato é que ele, já nessa época, não vislumbrava um futuro glorioso e muito menos sonhava em reviver os tempos antigos. Quando senti que me empurravam para segundo, já tinha pulado para fora, dizia ele com esperteza. Na verdade, se o corpo envelhecido e fraco do cantor não podia acompanhar a potência de sua voz que não perdeu em momento algum a emoção com que carregava suas interpretações -, mais que ninguém ele sentia que lhe restava muito pouco: Sempre soube que inguém se agüenta na crista da onda por muito tempo, disse ele certa vez, com a sabedoria de quem, apesar de tudo, soube envelhecer. Com 62 anos (completaria 63 no dia 3 de outubro), houve tumulto e multidão no enterro de Orlando Silva, como nos tempos de glória.
(Fonte: Veja, 29 de abril de 1998 - ANO 31 - N° 17 – Edição 1544 - DATAS – Pág; 121)
(Fonte: Veja, 16 de agosto de 1978 - Edição 519 - MÚSICA – Pág; 80/82)