Embora as tentativas de fixar uma imagem num suporte duradouro sejam remotas, apenas no início do séc. XIX surgiram na Europa as primeiras experiências bem-sucedidas de registros imagéticos, ainda que bastante rudimentares e de resultados pouco nítidos. Os fundamentos daquilo que veio a se chamar fotografia vieram de dois princípios básicos, já conhecidos do homem há muito tempo, mas que tiveram que esperar até o século passado para se manifestar satisfatoriamente em conjunto, que são: a câmara escura e a existência de materiais fotossensíveis.
A câmara escura foi desenvolvida por Giovanni della Porta no sec. XVI, e era uma caixa preta totalmente vedada da luz com um pequeno orifício em um dos seus lados. Apontada para algum objeto, a luz advinda deste projeta-se para dentro da caixa e a imagem dele se forma na parede oposta à do orifício.
Se, na parede oposta, ao invés de uma superfície opaca, for colocada uma translúcida, como um vidro despolido, a imagem formada será visível, ainda que invertida. Isso permitia a visão de qualquer paisagem ou objeto através do orifício que, dependendo do tamanho, projetava uma imagem maior ou menor. A câmara escura foi largamente usada durante toda a Renascença e grande parte dos séculos XVII e XVIII para o estudo da perspectiva nas artes plásticas, só que já munida de avanços tecnológicos típicos da ciência renascentista, como lentes e espelhos para reverter a imagem. A Câmara escura só não podia estabilizar a imagem obtida.
Já os materiais fotossensíveis (fotossensibilidade diz respeito a qualquer objeto que se modifica com a luz), havia um problema de ordem tecnológica mais refinada: A bem da verdade, toda a matéria existente é fotossensível, ou seja, toda ela se modifica com a luz, mas algumas demoram milhares de anos para se alterarem, enquanto a outras apenas alguns segundos já lhes são suficientes. Ora, para a reprodução de uma imagem, de nada adiantaria um material de pouca fotossensibilidade, de maneira que a dificuldade recaiu sobre a descoberta de um material suficientemente rápido e ao mesmo tempo passível de manipulação com alguma facilidade.
Conta-nos a história uma lenda que me parece bastante verossímil: Certa vez, em meados do séc. XIX, um farmacêutico francês foi atender um rapaz com um pequeno ferimento. Como o farmacêutico era novato, confundiu o vidro de iodo com o de nitrato de prata, que era usado em conjunto com outros medicamentos. Ao passar nitrato de prata no ferimento do rapaz, observou, atônito, que o líquido imediatamente se enegrecia, ficando totalmente preto. Após perceber seu erro, retratou-se mas ficou intrigado, e novamente experimentou aquela curiosa reação. Constatando o fenômeno, procurou um químico especializado para contar-lhe a maravilha, e procurou não menos que Nicéphore Nièpce.
Considerada a primeira Fotografia do mundo, Nièpce deixou exposta a chapa sensível por 8 horas seguidas.
Curiosamente, Nièpce estava justamente trabalhando, juntamente com outros cientistas, num material capaz de se fotossensibilizar num tempo curto o bastante para que pudesse registrar uma imagem na câmara escura, e imediatamente começou a fazer experiência com halógenos de prata, brometo, iodeto e nitrato. Nièpce percebeu que os melhores resultados eram obtidos com soluções de brometo e iodeto de prata, tanto pela velocidade de captura da imagem (algo em torno de 12 horas!) quanto pela nitidez advinda da facilidade do brometo em combinar-se com o mercúrio na revelação.
O grande problema era fixar a imagem obtida, uma vez que, embora Nièpce tivesse atingido uma solução satisfatória, emulsionado um placa de estanho com ela e a expondo com uma câmara escura, a imagem não se perpetuava na placa. Em 1826, Nièpce uniu-se a um outro cientista, bem mais novo do que ele, que também pesquisava maneiras de registrar e fixar imagens na câmara escura. Chamava-se Louis Jacques Daguerre. Neste mesmo ano, Nièpce conseguiu pela primeira vez fixar satisfatoriamente uma imagem obtida da janela de sua casa, e que é considerada a primeira fotografia da história. Ao obtê-la, Nièpce chamou seu processo de Heliografia, ou “escrita do sol”.
Jean-Louis Daguerre
A sociedade entre Daguerre e Nièpce tinha por objetivo o aprimoramento das técnicas até então desenvolvidas, para aumentar a sensibilidade dos halógenos de prata, e assim diminuindo consideravelmente o tempo de exposição, e ao mesmo tempo aumentando a nitidez das imagens. Esta união teve vida curta, pois Nièpce morreu em 1833.
Daguerre, porém, continuou as experiências de Nièpce e as aperfeiçoou, mas não sem grandes dificuldades. Primeiro, conseguiu obter chapas metálicas com soluções muito mais nítidas, mas a alteração da fórmula dos haletos de prata provocou uma extrema incompatibilidade com os agentes fixadores desenvolvidos por Nièpce. Certa vez, conta-se outra lenda, Daguerre, exausto e decepcionado por não conseguir obter resultados satisfatórios, jogou uma de suas chapas num armário e esqueceu-se dela.
Alguns dias mais tarde, à procura de alguns químicos, abriu o armário e deparou-se com ela intacta, sem que a imagem tivesse sofrido alteração alguma. Percebeu então, que com a força com que havia jogado, alguns frascos se quebraram, entre eles o de mercúrio, cujo vapor havia fixado a imagem da chapa. Daguerre então, por volta de 1835, desenvolveu o fixador à base de vapor de mercúrio, tornando possível a fixação de sua emulsão fotossensível, a que ele chamou Daguerreotipia.
O Daguerreótipo foi, por muito tempo, a técnica fotossensível mais utilizada na Europa, não obstante as várias experiências similares que eram desenvolvidas sincronicamente em outros lugares, entre eles o Brasil.
Entre 1830 e 1879, viveu no Brasil mais precisamente na Vila de São Carlos, hoje Campinas o pesquisador francês Hercules Florence, que procurava uma maneira de reproduzir imagens gráficas, já que não havia tipografia na região. Tomando conhecimento dos efeitos do nitrato de prata, Florence desenvolveu um processo rudimentar de fixação de imagens em papel sensível, cujo agente fixador deveria ser amônia. Na falta desta substância, Florence utilizou nada menos que a própria urina para estabilizar as imagens, e obteve resultados satisfatórios em 1833, dos quais ainda sobrevivem seus rótulos de farmácia e um diploma maçônico. Florence denominou este processo Fotografia, e, segundo consta, foi a primeira vez que se utilizou o termo.
Mas voltando à França de Daguerre, não podemos deixar de frisar as qualidades excepcionais de imagem quanto à nitidez que obtinha com seu processo, mas que também não estava isento de todos os inconvenientes. O primeiro ainda era o tempo de exposição que, embora tivesse diminuído radicalmente, permitindo agora o registro de pessoas e não mais só de paisagens, ainda necessitava de pelo menos dois ou três minutos de imobilidade total, obrigando seus modelos a exercitar rigidez muscular ou sentarem-se em cadeiras com apoio para o pescoço. O segundo, e talvez o pior dos problemas do Daguerreótipo, era sua total incapacidade de reprodução múltipla.
Um Daguerreótipo era apenas uma placa de cobre emulsionada que, uma vez revelada, tornava-se visível num meio opaco, ou seja, não havia meios de copiá-la. Na verdade, tal limitação foi explorada comercialmente por Daguerre como uma maneira elitizada de registro alternativo, tal como a pintura que a princípio, também é única. Assim, famílias ricas poderiam ser registradas de maneira muito mais fiel à que era feita pela pintura, sem perder o estigma de obra única. Mas também, aí entrava o terceiro inconveniente do Daguerreótipo: Como era a mesma chapa emulsionada, exposta e revelada que ia para seu cliente, o tamanho também era único e limitado ao que o equipamento do fotógrafo permitia.
Todos estes problemas foram aos poucos sendo solucionados por outros cientistas que, tal como Florence, também desenvolveram técnicas paralelas em outras partes do mundo
Hercules Florence
(é uma pena que Florence não tenha se aprofundado na evolução de seu invento).
Na Inglaterra, por exemplo, uma das maiores contribuições para a evolução da fotografia foi dada por William Fox Talbot, aristocrata inglês que em 1841 (portanto quase que simultaneamente com o processo do Daguerreótipo), patenteou uma nova forma de tratar o registro fotossensível: Ao invés de emulsionar uma chapa metálica, Talbot emulsionou uma folha de papel, e com cloreto de prata; obteve uma imagem negativa.
Ora, se emulsionasse outra folha de papel e as colocasse em contato, obteria uma imagem positiva. E assim fez. Talbot foi o responsável pelo primeiro processo fotográfico que permitia a reprodutibilidade de um mesmo original, através da técnica do negativo-positivo, usada até hoje. Talbot batizou seu processo de Calotipia.
Até 1860, tanto a Calotipia quanto o Daguerreótipo mantinham-se soberanos como os únicos processos fotográficos de qualidade, amplamente difundidos na Europa, América e Ásia. O Daguerreótipo mantinha suas limitações de reprodutibilidade, enquanto que o calótipo foi estudado com mais afinco por justamente possibilitar um número ilimitado de cópias de uma única matriz, ainda que com resultados não muito satisfatórios.
A entrada da década de 60 do séc. XIX marcou o advento de novas tecnologias: Agora, ao invés de emulsionar um papel, tentou-se a emulsão em placas de vidro, pois, sendo transparente, permitia a reprodução com uma qualidade de imagem muito superior ao calótipo. Havia apenas o problema de fixar a emulsão no vidro, que, por não ser poroso e absorvente como o papel, não ficava estabilizado na chapa.
Com a resolução deste problema em 1851 pelo inglês Scott Archer (que misturou a emulsão num líquido adesivo chamado colódio), a chapa de vidro tornou-se a nova coqueluche da fotografia.
Mas ainda não era o processo definitivo: Tais chapas precisavam ser preparadas, expostas e reveladas na mesma hora, pois que ao secar, a emulsão perdia sua capacidade fotossensível, o que desencadeava a necessidade do fotógrafo itinerar com todo o seu equipamento para preparar as chapas onde quer que fosse.
Foi um médico inglês, Richard Maddox, que, em 1871, experimentou ao invés de colódio, uma suspensão de nitrato de prata em gelatina de secagem rápida. A gelatina não só conservava a emulsão fotográfica para uso após a secagem como também aumentava drasticamente a sensibilidade dos haletos de prata, tornando a fotografia, finalmente, instantânea.
O último capítulo relevante do desenvolvimento e aperfeiçoamento dos processos fotográficos deu-se, novamente com um inglês, em 1888: George Eastman, um bancário que aos 23 anos de idade adquiriu uma câmera fotográfica e apaixonou-se pela atividade, ainda no rudimentar processo de chapa úmida. Aborrecido com o lento e trabalhoso processo de preparar as chapas e usá-las imediatamente, Eastman leu um artigo sobre a emulsão gelatinosa e interessou-se por ela, a ponto de começar a fabricá-la em série. Mas, não dado por satisfeito, ainda achava complicado o processo de estocagem das placas além de pesadas, quebravam com facilidade -, e imaginou que poderia tornar a fotografia muito mais popular se encontrasse uma maneira de abreviar o processo todo.
Aliando a tecnologia da emulsão com brometo de prata (mais propícia para fazer negativos, e, consequentemente, cópias) com a rapidez de sensibilidade já existente na suspensão com gelatina e a transparência do vidro, Eastman substituiu esta última por uma base flexível, igualmente transparente, de nitrocelulose, e emulsionou o primeiro filme em rolo da história. Podendo então enrolar o filme, poderia obter várias chapas em um único rolo, e construiu uma pequena câmara para utilizar o filme em rolo, que ele chamou de “Câmara KODAK”.
O nome veio de uma onomatopéia, o barulho que a câmara fazia ao disparar o obturador, e o sucesso do invento tornou todos os processos anteriores completamente obsoletos. Eastman projetou uma câmara pequena e leve, cuja lente era capaz de dar foco em tudo a partir de 2,5m. de distância, e, seguidas as indicações de luminosidade mínimas, era só apertar o botão. Após terminado o rolo, o fotógrafo só precisaria mandar a câmara para o laboratório de Eastman, que receberia seu negativo, cópias positivas em papel e a câmara com um novo rolo de 100 poses. Seu slogan era “Você aperta o botão, nós fazemos o resto.” Uma verdadeira revolução, que fez da Kodak uma gigantesca empresa, pioneira em todos os demais avanços técnicos que a fotografia adquiriu até hoje.
* Filipe Salles é fotógrafo, cineasta e músico; é professor de fotografia na FAAP e mestrando em Comunicação e Semiótica na PUC/SP.