Osmar: começo com um calhambeque pintado de bolinhas vermelhas e um “pau elétrico”
Osmar Macedo (Salvador,22 de março de 1923 Salvador, 30 de junho de 1997), o grande folião, que criou uma revolução chamada trio elétrico e mudou o Carnaval baiano.
No Carnaval de 1950, em Salvador, o técnico em engenharia mecânica Osmar Macedo teve uma ideia para quebrar a monotonia dos tradicionais desfiles de corso. Primeiro, convocou o amigo Adolpho Antônio do Nascimento, o Dodô, um radiotécnico que tinha como hobby construir “paus elétricos”, versões primitivas das guitarras. Juntos, eles pintaram bolinhas vermelhas num velho Ford 29, equiparam-no com cornetas de alto-falantes e saíram pelas ruas espalhando o som amplificado de frevos, marchas e trechos de peças clássicas. Em princípio, Osmar pensou que a brincadeira poderia custar-lhe uma noite na delegacia. Em vez disso, garantiu-lhe um lugar na história. Os foliões, que antes se limitavam a aplaudir os corsos da calçada, saíram atrás da geringonça, dançando e cantando. Nascia naquele momento o trio elétrico, que, nas décadas seguintes, transformado em palco ambulante montado sobre imensas carretas, iria revolucionar o Carnaval baiano e influenciar a própria música popular brasileira. Até o fim da vida, Osmar gostava de mostrar aos amigos o velho Ford, que chamava de Fobica, e os paus elétricos, guardados como relíquias.
Os trio elétrico formam uma indústria que, só na semana do Carnaval, movimenta 100 milhões de reais e gera 50 000 empregos temporários. Além disso, lançaram artistas de projeção nacional, como Daniela Mercury e o grupo Chiclete com Banana. Osmar, embora fosse aclamado como herói em Salvador, nunca patenteou sua invenção nem ganhou dinheiro com ela. Folião autêntico, não tinha trio próprio e, para desfilar neles, pagava aluguel, bancado todos os anos por um patrocínio suado, que custava a sair. Não se coloca um trio na rua com menos de 200.000 reais. “Cansei de ver seu Osmar com as mãos na cabeça, sem saber se ia conseguir ou não desfilar”, conta Moraes Moreira, o primeiro cantor a subir em trios elétricos, que até 1975 apresentavam apenas música instrumental. “Tudo o que meu pai ganhou em vida foram homenagens”, conta o guitarrista Armandinho, um dos sete filhos de Osmar, seis deles músicos. Tampouco Dodô, que morreu em 1978, se beneficiou financeiramente dos trios.
Metalúrgica – Na vida real, Osmar, formado pelo Senai em 1946, foi funcionário de várias grandes empreiteiras. Participou de obras como o Porto de Aratu e o metrô de Miami, e boa parte do sofisticado mecanismo de palco e cortinas do Teatro Castro Alves, em Salvador, saiu de seus rabiscos. Foi durante as obras do Castro Alves que Osmar sofreu o acidente que o obrigou a andar de muletas para o resto da vida — para subir nos trios, precisava de elevador.
O trio elétrico começou com a velha Fobica, mas já no terceiro ano de desfile estava a bordo de um caminhão, patrocinado por uma fábrica de refrigerante. A primeira carreta foi montada em 1959. Na década de 60, desgostoso com as dificuldades para sair com o trio todo ano e preocupado com a excessiva dedicação dos filhos à música, Osmar abandonou temporariamente seu invento. Abriu uma pequena metalúrgica no quintal de sua casa e nomeou cada um de seus filhos para uma função na empresa. Mas do velho galpão o que saía mesmo eram guitarras reformadas, amplificadores envenenados e toda sorte de equipamento carnavalesco. Apesar disso, foi com a metalúrgica que ele sustentou os sete filhos. Em 1975, finalmente, o trio voltou às ruas, perpetuando a alegria do grande folião Osmar Macedo.
CURIOSIDADES:
Os dois deixaram um legado de alegria e inventividade. Ainda jovens, Dodô e Osmar se conhecem na Península de Itapagipe e começam a tocar juntos no conjunto musical Três e Meio. Osmar tocava cavaquinho e Dodô, violão. O grupo de choro se apresentava no Tabaris, ponto de encontro dos boêmios da Praça Castro Alves.
Em 1959, Dodô & Osmar tocam no Carnaval de Recife. Desafiados pelo maestro Nelson Ferreira, autor dos frevos de maior sucesso do repertório do Trio Elétrico nos anos 50, os baianos colocaram, sem grande dificuldade, uma multidão nas ruas da capital pernambucana.
Em 1960, o trio elétrico Dodô & Osmar deixou de sair no Carnaval de Salvador, uma vez que os dois se dedicaram ao exercício da profissão, o que não combinava com o Carnaval, que era considerado uma diversão.
Armandinho, filho de Osmar, começou a seguir os passos do pai aos 10 anos, e levaria o nome de Dodô & Osmar no trio mirim projetado pelo pai.
O trio ficou famoso no Brasil inteiro quando Caetano Veloso gravou o Frevo do Trio Elétrico, de autoria de Osmar, despertando a atenção da mídia de todo o país para a invenção baiana. Outro clássico de Caetano, Atrás do Trio Elétrico, impulsionou, de forma decisiva, o retorno do trio de Dodô & Osmar às ruas.
Em 1975, ano do Jubileu de Prata do Trio Elétrico, Dodô & Osmar voltam a sair às ruas de Salvador e gravam o primeiro disco, Jubileu de Prata. O último disco do trio elétrico presenciado por Osmar, Estado de Graça, foi gravado em 1991.
O pai do trio elétrico é um repórter francês, de nome Remir Colaponca, pelo menos no registro. Ele pediu autorização a Osmar para ser representante do Trio Elétrico na França, em 1990. Com o documento assinado por Osmar, o francês registra o nome Trio Elétrico em seu país. Na segunda-feira, dia 30 de junho de 1997, aos 74 anos, ele morreu, numa UTI de Salvador, de insuficiência respiratória.
(Fonte: Veja, 9 de julho, 1997 ANO 30 N° 27 – Edição n° 1503 MEMÓRIA/ Cíntia Campos – Pág; 112/113)
(Fonte: Veja, 21 de junho, 1978 Edição n° 511 DATAS – Pág; 90)