A usina de ideias, as mil aventuras do gigante do modernismo
Oswald: inovações e escândalos
Oswald de Andrade (São Paulo, 11 de janeiro de 1890 – São Paulo, 22 de outubro de 1954), escritor polêmico e inteligente que se revelou um homem à frente de seu tempo em seu esplendor de anarquista supremo das letras.
Foi o tempo inteiro singular: comunista, materialista, jamais abdicou de superstições. Não passava, o saleiro numa mesa.
Fortuna arruinada, mulheres em série, festas magníficas, atitudes iconoclastas e escandalosas, escritos inovadores, temporadas na Paris efervescente do começo do século 20, movimentos de vanguarda, brigas, chiliques, traições.
Oswald, o gordo e incansável motor do movimento modernista, o criador da Antropofagia e da Poesia Pau-Brasil, parece ter compreendido isso. Um pedaço considerável de sua vasta obra – na qual se incluem romances, poesias, ensaios, manifestos e o que mais for possível imaginar no universo das letras – é de fundo autobiográfico. O João das Memórias Sentimentais de João Miramar, um de seus clássicos, poderia perfeitamente atender por Oswaldo.
O já quarentão Oswald, casado na época com a pintora Tarsila do Amaral, conheceu a jovem Pagu. Transformada mais tarde em ícone do feminismo, Pagu tinha apenas 19 anos quando começou a frequentar a casa do casal 20 do modernismo, pelo qual era tratada como uma bonequinha. Pelo menos por Tarsila, uma vez que Oswald logo a cobiçou de uma forma bem menos pueril e ingênua.
Naqueles tempos, começo dos anos 30, não havia pílula anticoncepcional, e um belo dia Pagu avisou a Oswald que engravidara. Oswald providenciou um casamento de araque de Pagu com um primo de Tarsila. Os padrinhos foram exatamente ele e Tarsila. Antes da lua-de-mel, porém, o noivo fajuto foi substituído por Oswald. E o novo casal 20 passou a ser Oswald e Pagu, com direito até a incursões românticas pelo comunismo.
FRAQUE E CARTOLA – Empenhada em tempo integral em tirar o fraque e a cartola da literatura brasileira, Oswald está mais para uma crônica social do que para uma investigação literária, se presta e o que não presta em Oswald.
A Trilogia do Exílio, mais tarde chamada de Os Condenados, foi fruto do escritor quando jovem, representou pedras em sua obra, ao passo que romances posteriores, como Memórias Sentimentais e Serafim Ponte Grande, signifam ouro.
Oswald foi um sujeito generoso, capaz de abrir a carteira e passar dinheiro a outros mesmo quando em apuros financeiros. Até sua vaidade extremada, de resto comum entre artistas e intelectuais, é tratada quase como virtude, como a mãe que vê o filhinho bater num amiguinho e acha só que ele é valente.
Oswald rompeu com o jovem Antônio Cândido depois que este assinou uma crítica de um livro seu em que não enfileirava elogios. Também foi essencialmente sarcástico com Mário de Andrade, de quem foi grande amigo e com quem depois brigou. Disse que Mário era parecido com “Oscar Wilde de costas”. A ligação e depois o rompimento entre os dois Andrades, fizeram na Semana Modernista de 1922, sob apupos de gente que não compreende e os temiam. Mas seu laço de amizades incluía e era habitado por gente como Villa-Lobos, Anita Malfatti, Segall e outros potentados modernistas.
No fim da vida, diabético, se tornara virtualmente um zé-ninguém. O patrimônio herdado do pai, empreendedor imobiliário, se fora. Ele soube explicar melhor que todo mundo o que aconteceu com sua carreira. “Minha obra está acima da compreensão dos brasileiros”, disse algumas vezes. Não era apenas um queixume, era apenas a verdade.
Oswald morreu em outubro de 1954, aos 64 anos, e seu enterro foi bem menos concorrido do que as festas que oferecera em seu esplendor de anarquista supremo das letras. Às vésperas da morte, dizia-se mais preocupado com o destino de seus dois caçulas, filhos de seu derradeiro casamento, do que com o de sua literatura.
Oswald foi o eleo mais dinâmico do movimento modernista, perdia o amigo mas não perdia uma boa tirada, uma frase que chocasse os ouvidos castos de seus contemporâneos.
Sobre os rumos da literatura brasileira, já no final da vida, Oswald disparou: “Estou profundamente abatido, desiludido. O movimento de 1922 sofreu um retorcesso com a literatura linear e primária do Nordeste. Evidentemente o Brasil letrado (pouco letrado) estava muito mais preparado para receber o romance de cordel dos escritores José Lins do Rego e Graciliano Ramos do que as altas cogitações estéticas da Semanad da Arte Moderna de 22”.
Tal mordacidade enfurecida conquistou-lhe muitos inimigos e o fez perder amigos muito próximos. Mário de Andrade, o outro grande nome do modernismo nas letras, foi um deles. Numa de suas últimas entrevistas, Oswald parece carregar na consciência a culpa pelo rompimento. “Deve-se a Mário de Andrade a eclosão do movimento modernista”, afirma Oswald.
(Fonte: Veja, 12 de setembro de 1990 - ANO 23 – N° 36 – Edição 1147 - LIVROS/ Por Paulo Nogueira - Pág; 92/94)
(Fonte: Veja, 10 de novembro de 2004 – ANO 37 – Nº 45 – Edição 1 879 – Livros/ Por Jerônimo Teixeira – Pág: 158/159)