Atriz do primeiro filme nacional com sexo explícito
Ela inaugurou sexo no cinema e teve affair com De Niro
Espécie de precursora do empoderamento feminino, a atriz Jussara Calmon deu um exemplo e tanto de domínio político, social e econômico do próprio corpo. Ela participou do primeiro filme nacional com cenas de sexo explícito. Em “Coisas Eróticas” (Rafaelle Rossi, 1982), os quatro episódios giram em torno de closes de penetração. Só agora, vinte e cinco anos depois, Jussara revela um furo camuflado no filme: “O ator com quem eu contracenava se apaixonou perdidamente pela menina que fazia minha filha. E não conseguia mais ter ereção comigo. Para filmar as cenas que faltavam, com o realismo necessário, o diretor precisou convencê-la a ser minha dublê de corpo e depois fez uma montagem.” Jussara, agora com 59 anos, não teve mais notícias de sua “filha”: “Nunca mais ouvi falar”, diz.
Será que elas usaram camisinha? “Imagine!Nem se falava nisso.” Sem muita ideia da dimensão do que estava fazendo, Jussara efetuou, sob muitos aspectos, um salto em queda livre: “Eu não sabia que teria de transar de verdade. O Rafaelle e a mulher nos levaram para um sítio, tudo parecia muito familiar, eu fui na onda. Quando vi, já estava fazendo.”
O filme atraiu cerca de 12 milhões de pessoas aos cinemas. Só no cine Marabá, que até hoje fica no centro de São Paulo, 3 mil espectadores assistiam à obra diariamente, em sete sessões. Sem nenhum sinal de ressentimento, a atriz conta que Rossi não honrou a promessa de dividir o lucro obtido na bilheteria com o elenco.
Jussara não foi à avant-première. Estava em Londres, com um milionário árabe que a levou para dar uma volta. Perdidamente apaixonado, segundo ela, ele pediu sua mão em casamento. Seria, digamos, uma união em regime concomitante, uma vez que o noivo já tinha sete mulheres. Jussara preferiu declinar da proposta. “Fui boba. Ele morreu um ano depois, de ataque cardíaco, e deixou uma fortuna.” Ainda assim, ela tirou uma lasquinha dele. “Volta e meia caía um brilhante de um guardanapo.”
“Coisas Eróticas” foi o primeiro e único filme em que Jussara Calmon fez sexo explícito. Sua ideia inicial, quando tinha 17 anos, era se dedicar ao teatro infantil. Chegou a fazer aulas no curso do ator Jayme Barcellos (1930-1980) e participou do espetáculo “Duca Vai à Luta”, mas não foi possível sobreviver daquelas produções. Ela se viu na circunstância de aceitar convites para participar de ‘filmes para adultos’, na época chamados de pornochanchada. Alguns títulos: “Longa Noite do Prazer”, “Ivone, a Rainha do Pecado”e “Estranho Jogo do Sexo”.
Banho de talco para o coronel e noite com Robert De Niro
Muito leve, falante e bem humorada, Jussara Calmon conta que nasceu em Colatina, no Espírito Santo, e fugiu de casa aos 12 anos. Aos 14, foi parar em um bordel em Nanuque, interior de Minas Gerais, onde teve a virgindade vendida. “Fui com uma amiga mais velha, imaginando que desse para fazer teatro lá. Morava na casa do dono do bordel, que ficava no fundo do terreno, e pagava a estadia fazendo faxina.”
Um dia, o patrão disse à menina Jussara para tomar um banho caprichado, que o coronel (“um homem riquíssimo da cidade”) vinha vê-la. “Eu, na minha ingenuidade, achava que ele seria o príncipe encantado.” Além de água, conta, ela tomou um “banho de talco”. “Fiquei toda branca, e o coronel esbravejou: ‘Que porra é essa!? O importante é estar limpo lá embaixo!!’” A experiência não foi boa, nada boa, mas a vida seguiu.
Mais de dez anos e 15 filmes depois, seu parceiro na cama agora era o ator norte-americano Robert de Niro. Bem mais experiente, seu padrão de parceiro havia sofrido um considerável upgrade. Ela diz que De Niro não fez feio: “Ele foi um homem completo, fez de tudo, sem preconceito.” O ator a conheceu no Carnaval do Rio, onde ela morou a maior parte da vida. Destaque da Beija Flor há 40 anos, na época Jussara frequentava os bailes de clubes como Monte Líbano e Flamengo, transmitidos pela TV de madrugada por causa das cenas de nudez e sexo leve (chupões, encoxadas e mãos bobas). Na era da inocência pré-internética, aqueles bailes eram considerados “uma baixaria”. Só por isso, claro, todo mundo assistia. “O Robert de Niro estava no camarote ao lado, e um amigo produtor da (TV) Manchete passou o meu número para ele”, lembra Jussara. “No dia seguinte, me chamaram para ir ao (clube noturno) Regine’s, ele estava lá. Não parou de olhar. Dali em diante, meu telefone tocava o tempo todo. Era assessora dele no Brasil, amiga, socialite, todo mundo querendo me convencer a encontrá-lo.”
Fazendo charme para Robert de Niro jovem, Jussara? “Nada! Eu queria me divertir, estava no meio da folia. Sei lá, louca.”
O encontro foi em uma suíte do hotel Othon, em Copacabana: “O assessor me recebeu, me conduziu até o quarto de dormir, e o Robert de Niro saiu de uma porta do armário que dava para o banheiro, enrolado em uma toalha. Eu me lembro de ele estar todo depilado..Me jogou em cima de uma mesa cheia de frutas e champanhe…”. Enfim, ainda houve uma segunda vez.
“Fiz o chamado teste do sofá”
A essa altura, além de fazer pontas em novelas, ela participava de espetáculos que tentavam ressuscitar o teatro de revista e desfilava luxo e riqueza nos concursos de fantasia do Carnaval. Costumava se apresentar também pelo interior do Brasil, em shows de humor que misturavam vedetes usando micro-biquinis de paetês e piadas de duplo sentido. Numa dessas viagens, em São Luiz do Maranhão, Jussara experimentou fazer sexo com outra mulher: “Foi o melhor que eu tive na vida. Ali eu conheci o orgasmo múltiplo.”
Mais ou menos por essa ocasião, soube por um amigo produtor que estavam recrutando atrizes para testes na TV Bandeirantes. Foi lá. O amigo a levou até a sala de um manda-chuva, que a agarrou “logo de cara”. Nome? Ela prefere não citar. “Fiz o chamado teste do sofá, e ele me disse para eu ficar tranquila que seria chamada. Nunca fui. Em compensação, vivemos juntos por 13 anos. Pode colocar aí: ela casou com o teste do sofá.”
Livrar-se do”teste” não foi fácil. Primeiro, aceitou o convite de uma amiga e foi passar uma temporada na Galícia. Logo na primeira noite, em um karaokê local, conheceu o norueguês Gudmund Fjortoft, cinco anos mais velho. Navegador, ele estava na Espanha para consertar um de seus barcos em um estaleiro renomado da região. “Ele me convidou para jantar, a gente teve de se comunicar em espanhol porque meu inglês é péssimo. Eu digo que é ‘inglês da Praça Mauá’ (região portuária do Rio, historicamente frequentada por garotas de programa).”
Noruega e depressão
Ela e Gudmund estão casados há 13 anos. “Voltei para o Rio, o ‘teste do sofá’ ainda estava na minha casa e não queria sair. Tive que dar meu carro para me ver livre dele. Mas você vê como é a vida. O cara estava tão endividado que perdeu o carro para os credores”.
De volta a Noruega, Jussara chegou a viver em uma ilha de 12 mil habitantes, época em que passou por uma depressão. Agora, diz que malha diariamente, dá aulas de Zumba e trabalha em uma creche. Pretende se casar com Gudnund no dia 31 de dezembro, na praia de Copacabana. “Já somos unidos no papel, agora é só a festa.” Pela primeira vez, o marido assistiu a um de seus filmes eróticos (não de sexo explícito), em um festival de cinema chamado Curta Circuito, realizado em Belo Horizonte. Sobreviveu: “Ele achou legal”, diz ela, sem entusiasmo.
Jussara, ela mesma, só assistiu a “Coisas Eróticas” um ano depois da estreia. Foi com óculos de sol, para não ser reconhecida. Não adiantou. “Um cara dentro da sala me descobriu, e não me deixou em paz. Tive de sair.” O advento do mundo virtual e das redes sociais a preservaram de tais aproximações. Não que ela não tivesse mais fãs. “Até hoje recebo foto de pinto no celular.” Pensa até em escrever um livro “em homenagem” a uma comunidade de 7 mil tiozinhos do falecido Orkut, que perguntavam incessantemente: “Por onde anda Jussara Calmon?”.
Agora, seu sonho é participar do reality show “A Fazenda”. “Tem umas mulheres de 60 lá, né?” O problema é Gudmund: “Ele não é ciumento, mas me quer por perto. E adora discutir a relação. Se eu ficasse três meses longe de casa, nossa, não ia ser DR, ia ser BO”, gargalha.
(Fonte: https://paulosampaio.blogosfera.uol.com.br/2017/08/16 – ESTILO – A VIDA DE JUSSARA/ Por Paulo Sampaio – 16/08/2017)
SOBRE O AUTOR
trabalhou nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, nas revistas Elle, Veja, J.P e Poder. Durante os 15 anos em que trabalhou na Folha, tornou-se especialista em cobertura social, com a publicação de matérias de comportamento e entrevistas com artistas, políticos, celebridades, atletas e madames.