Paschoal Carlos Magno, poeta, escritor, teatrólogo, diplomata, embaixador da cultura.

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Paschoal Carlos Magno (Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1906 – Rio de Janeiro, 24 de maio de 1980), ator, poeta, teatrólogo e embaixador. Filho de imigrante italiano, alfaiate, teve no teatro a grande paixão de sua vida, escrevendo a primeira peça aos 12 anos de idade. Foi um dos fundadores do Teatro Brasileiro de Comédia, da Casa do Estudante do Brasil e do Teatro do Estudante, de onde saíram atores do nível de Sérgio Cardoso. Em 1957, como assessor cultural do presidente Juscelino Kubitschek, percorreu o país com espetáculos e debates, intitulados “Caravanas Culturais”. Também foi sua a criação da Aldeia de Arcozelo, centro de repouso para artistas e escola de artes. Carlos Magno faleceu dia 24 de maio de 1980, aos 74 anos, de diabetes e broncopneumonia. No Rio de Janeiro.
(Fonte: Veja, 28 de setembro de 1977 – Edição N° 473 – MÚSICA – Pág; 74)
(Fonte: Veja, 28 de maio de 1980 – Edição N° 612 – DATAS – Pág; 88)

Embaixador da cultura

Poeta, escritor, teatrólogo, diplomata: as várias faces de Paschoal Carlos Magno

Paschoal Carlos Magno foi figura de invulgares contornos. Difícil resumir suas atividades, voltadas para a mocidade estudantil e para o teatro. Poeta, escritor, teatrólogo, político, diplomata, destacou-se em todos os setores em que militou, mas suas constantes foram o teatro e os estudantes. Boa parte de sua trajetória pode ser revivida a partir de documentos e fotografias que estão arquivados no Centro de Documentação (Cedoc) da Funarte. Entre as realizações de Paschoal Carlos Magno figuram a criação do Teatro do Estudante do Brasil (TEB), em 1938, no Rio de Janeiro, e a manutenção do Teatro Duse, que funcionava no porão de sua própria residência, no bairro de Santa Teresa, na mesma cidade, a partir de 1952.

Nasceu em 13 de janeiro de 1906, no Catete, bairro da cidade do Rio de Janeiro, filho dos italianos Nicolau Carlos Magno e Dona Filomena Campanella Carlos Magno. Em 1918, aos 12 anos, lança o livro de poesias Templos, prefaciado pelo Conde de Afonso Celso, poeta e crítico literário. Aos 16 anos, publica Tempo que Passa, prefácio de Leôncio Correia e, em 1925, Chagas de Sol, com estudo do poeta Luiz Carlos; daí ser chamado de “o poeta de Chagas de Sol”.

Estreou no romance no ano seguinte, recebendo da Academia Brasileira de Letras menção honrosa pelo livro Drama da Alma e do Sangue. Quatro anos depois, a Academia Brasileira de Letras lhe concederia o primeiro prêmio teatral pela peça Pierrot, apresentada pela Companhia Jaime Costa, no Teatro João Caetano, em 1931, ocasião em que o povo e o presidente Vargas o aplaudem, projetando-o no cenário cultural.

Em 1929, Paschoal e Ana Amélia Carneiro de Mendonça fundam a Casa do Estudante do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, para estudantes sem recursos. Quando Paschoal cursava o último ano de ciências jurídicas e sociais percorre sozinho, em oito meses, o norte do país. Promove feiras de livros, conferências, visita prefeitos, governadores, intelectuais e o povo, convidando-os a ajudarem a Casa do Estudante do Brasil. Em 1933, torna-se vice-cônsul, em Manchester, indo após para o Consulado Geral em Londres.

A introdução do modo de falar do brasileiro no palco
Em 1938, funda o Teatro do Estudante do Brasil (TEB), estreando Romeu e Julieta, de Shakespeare, com ressonância nacional. Nela, impõe a presença de diretor artístico para o espetáculo; exclui o ponto; valoriza o cenógrafo e o figurinista e introduz a fala brasileira no palco, onde ainda imperava o sotaque lusitano.

Durante a Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra, publica o romance Sun Over the Palms, com entusiástica acolhida e elogios de Wells, Gilbert Murray, Clement Dane, Priestley, Macaulay, Robert Lind, Neumann, Yolanda Foldes, Edith Sitwell e outros. A obra surge em português depois de traduzida para o espanhol, dinamarquês e outras línguas. Em 1946, no Lindsay Theatre, de Londres, sua peça Amanhã Será Diferente é representada. O crítico W.C. Darlington, do Daily Telegraph, classifica-a como “peça brasileira de qualidade”, e Beverley Baxter dá-lhe três colunas na Evening Standard. É publicada pela editora Constable, que editava Bernard Shaw e John dos Passos.

No Brasil, em 1946, assina a coluna teatral do Jornal Democracia, e depois a do Correio da Manhã. Em 1947, a peça Seremos Sempre Crianças é encenada no Teatro Ginástico, pela Cia. Alma Flora. Em 1948, o TEB apresenta no Teatro Phenix, Hamlet, de Shakespeare, lançando Sérgio Cardoso neste papel. Os críticos a consideraram o maior acontecimento artístico dos últimos cinquenta anos!

Paschoal produz depois Inês de Castro, de Antonio Ferreira. Em 1949, o TEB apresenta no Phenix o Festival Shakespeare, com Romeu e Julieta, Macbeth e Sonho de uma Noite de Verão, revelando atores, diretores, cenógrafos e figurinistas. Apresenta o Teatro Experimental de Ópera, no Teatro República. Inovadoramente, alunos de canto de grupos oficiais e particulares cantam La Bohème, Madame Buterfly, La Traviata, Sóror Angélica e Serva Padrona. Patrocina o Coral Bach, coro misto, na Cantata da Ressurreição. À frente, os estudantes Roberto Regina e Dante Martinez.

O nascimento do Teatro Duse

Em 1950 é eleito vereador pelo Distrito Federal com expressiva votação. Na Câmara, é respeitado pelos pares, devido à ação moralizadora que impõe à Casa como Primeiro Secretário. Em 1952, o TEB percorre o norte, nas capitais apresenta repertório de Sófocles, Eurípedes, Shakespeare, Ibsen, Gil Vicente, Martins Pena, sem ajuda oficial.

Na casa em Santa Teresa, inaugura, em 1952, o Teatro Duse, com 100 lugares, diminuto palco e sem bilheteria. Ia-se a ele por convite. Nos intervalos havia coleta para a cantina dos estudantes do grupo de teatro que atuava. O teatro lançou atores, diretores, cenógrafos, figurinistas, eletricistas, autores, obtendo prestígio dentro e fora do Brasil.

Em 1954, a peça Amanhã Será Diferente é encenada na Semana Internacional de Teatro, da Universidade de Enlargen, Alemanha. Dizia o convite que recebeu: “A juventude acadêmica do mundo quer dizer-lhe um modesto muito obrigado pelo seu trabalho no Brasil”. A peça é apresentada pelo Teatro Universitário de Istambul para 400 acadêmicos de teatro.

Rachel de Queiroz escreve em O Cruzeiro: “Creio que nunca outra pessoa, nessa Terra, foi responsável por um movimento cultural de tão amplas repercussões, pois criando o Teatro do Estudante, Paschoal não lançou apenas uma geração de artistas, foi realmente o cabeça de uma revolução. Tal é a importância de sua contribuição que se pode falar em teatro no Brasil antes e depois de Paschoal, como fases complementares separadas na vida de nossas artes dramáticas…”

Em 1956, completa o cinquentenário fora do país. No Rio de Janeiro, uma semana de celebrações. A União Nacional dos Estudantes o aclama “Estudante Perpétuo do Brasil”. Seu busto, obra de Miguel Pastor, iniciativa do Teatro Rural dos Estudantes, em Campo Grande, bairro localizado na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, é inaugurado pelo Presidente Juscelino Kubitschek.

Paschoal fecha o Teatro Duse, em 1957, e confessa: “É uma pena. Era o único teatro-laboratório do Brasil. Poucos o ajudaram materialmente”. Em 1958, recebe o prêmio Apolo, da Sociedade Teatro e Arte, como figura principal do teatro. Em 1957, Paschoal organiza e dirige o I Festival Nacional de Teatro de Estudantes, em Recife (PE), com 800 participantes. Promove o primeiro “Julgamento de Personagens”, Hamlet e Otelo, encarnados por Sérgio Cardoso e Paulo Autran.

Mudanças
Em 1959, realiza o II Festival Nacional de Teatro de Estudantes, em Santos (SP), com a presença de 1.242 participantes. Em outro “Julgamento de Personagens”, Elizabeth da Inglaterra e Mary Stuart são interpretadas por Henriette Morineau e Cacilda Becker. Em 1960, o III Festival Nacional de Teatro de Estudantes, em Brasília (GO), conta com 23 grupos teatrais.

Paschoal deixa o Correio da Manhã em 1961. Sábato Magaldi, em Panorama do Teatro Brasileiro, escreve: “A figura desse homem de Teatro que é embaixador de carreira do Brasil, marca a fase contemporânea de nosso palco. Tem sido ele o grande animador das iniciativas cênicas, e a coluna que manteve durante anos no Correio da Manhã era espécie de boletim teatral diário para o país inteiro. Não havia esforço, uma tentativa do mais longínquo recanto que não encontrasse ali guarida, sempre com carinho e estímulo. Se, de um ponto de vista rigorosamente crítico, essa seção era discutível e não distinguiu muito os valores, como mensagem não encontrou até hoje paralelo em nenhuma congênere”.

Em 1962, realiza o IV Festival Nacional de Teatro de Estudantes, em Porto Alegre (RS), com mil presenças. Organiza o I Encontro das Escolas de Dança do Brasil, em Curitiba (PR). Torna-se um dos patronos da Nova Jerusalém, em Pernambuco. A área de 72.000m² é adquirida com a contribuição do Conselho Nacional de Cultura.

Sob os auspícios do Ministério da Educação e Cultura, em 1964, promove a “Caravana da Cultura”: 256 participantes, em oito ônibus, seis automóveis, dois caminhões, toneladas de livros e discos, e uma kombi com exposição. A “Caravana” atravessa Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas. Participam os Teatros de Estudantes do Paraná, Brasília, Goiânia, o Quinteto da Villa-Lobos, os grupos de dança da Escola Leda Iuqui, Toni Petzhold, o Conjunto Internacional Gaúcho de Folclore. Foram mais de 274 espetáculos em praças, igrejas, escolas, orfanatos, asilos e colégios.

Inauguração da Aldeia do Arcozelo
Em 1965, inaugura a Aldeia de Arcozelo, em Paty do Alferes (RJ), criando a Fundação João Pinheiro Filho. Nela monta o anfiteatro Itália Fausta, com 1.200 lugares e o teatro Renato Viana, com 400 lugares. Dirige, em 1968, o V Festival Nacional de Teatro de Estudantes, no antigo estado da Guanabara. Em 1969, escreve Não Me Acuso, nem Me Perdoo, livro de memórias. Em 1971, organiza e dirige o VI Festival Nacional de Teatro de Estudante, na Aldeia de Arcozelo, realizando espetáculos ao ar livre e no Renato Viana, com a participação de 32 grupos. Em 1972, publica Poemas do Irremediável que recebeu da crítica os mais belos comentários.

Em 1974, Paschoal cria a “Barca da Cultura”, que visita 57 cidades do norte, nordeste e centro-oeste. Nos 45 dias do Rio de Janeiro-Belém do Pará, 200 artistas participam. O ônibus e a barca visitam cidades do Rio São Francisco. À frente da Orquestra Jovem do Theatro Municipal, o maestro Prates. Participa o Ballet Stagium, com Décio Otero e Marika Gidali, entre outros. Livros e discos são distribuídos a escolas e bibliotecas.

Reabre o Teatro Duse, em 1975. Só uma peça é apresentada, por problemas financeiros. A Aldeia de Arcozelo lhe consome os bens. No ano seguinte, organiza o VII Festival Nacional de Teatro de Estudantes, abrindo-o Ney Braga, Ministro da Educação e Cultura. Paschoal comemora 70 anos e Carlos Drummond de Andrade assim se expressa no Jornal do Brasil: “Por sua vida curtida e generosa, hoje deveria ser feriado nacional”.

Em 1978, Paschoal vende a casa de Santa Teresa para pagar dívidas da Aldeia. No ano seguinte, endividado, ameaça: “Já que não me ajudam os poderosos, vou tocar fogo na Aldeia”. O Brasil inteiro enviou notas de um cruzeiro para salvar tão maravilhoso espaço cultural. Paschoal Carlos Magno morre em maio de 1980 e inúmeras homenagens lhe são prestadas. Mas ele não viu publicada a peça Depoimento Pessoal, nem o livro de poesias Cantigas do Cavaleiro, cujos originais foram entregues aos amigos Moacir Lopes e Eduarda Zandron, em fevereiro de 1980.

Mais, muito mais se poderia aduzir, ainda assim para dar pálida e imperfeita ideia da vida exemplar de Paschoal Carlos Magno!

Este artigo foi inicialmente publicado em O Prelo. Suplemento de Cultura da Imprensa Oficial e do Conselho de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, junho/julho/ agosto 2006. Ano IV, n.11, p.30-31.
(Fonte: www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes)

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