Paul Aussaresses, general francês que defendeu claramente o recurso à tortura durante a guerra da Argélia e que foi acusado de treinar militares latino-americanos nos anos 1970

0
Powered by Rock Convert

General francês que defendeu tortura durante a Guerra da Argélia

Ele teria treinado militares latino-americanos no Brasil durante a ditadura.

 

A tortura se justifica quando pode evitar a morte de inocentes

General francês, que ensinou tortura a militares brasileiros, confirmou atuação do país em golpe contra Salvador Allende

 

 

Paul Aussaresses (Saint-Paul-Cap-de-Joux, França, 7 de novembro de 1918 – Vancelle, França, 3 de dezembro de 2013), general francês que defendeu claramente o recurso à tortura durante a guerra da Argélia e que foi acusado de treinar militares latino-americanos nos anos 1970.

 

 

Aussaresses foi condenado na França em 2004 por apologia à tortura, depois de ter defendido em um livro a utilização da tortura durante a guerra da Argélia.

 

 

O oficial havia ensinado nos anos 1960, no acampamento dos Boinas Verdes de Fort Braggs (Carolina do Norte), “as técnicas da batalha de Argel” relacionadas especialmente à tortura.

 

Em 1973, ele foi nomeado adido militar da França no Brasil, na época sob a ditadura militar.

 

Posteriormente foi acusado pelo general chileno Manuel Contreras, fundador da Dina, a polícia secreta do regime de Augusto Pinochet, de ter treinado nesta época no Brasil oficiais chilenos e de outros países latino-americanos.

 

No livro “Services Spéciaux – Algérie 1955-1957” (“Serviços Especiais – Argélia 1955-1957”), Aussaresses contou a participação na guerra da Argélia, inclusive o uso da tortura. Em 2003, foi processado por apologia a crimes de guerra, mas não houve condenação. Os crimes estavam prescritos e anistiados.

 

Foi levado à Justiça por apologia à tortura. Na época disse que não era verdade e que escreveria outros livros para se justificar de tudo o que tinha feito em missões fora da França. Escreveu um outro livro depois, que era uma resposta aos ataques injustos contra ele. O livro é “Pour la France, Services Spéciaux, 1942-1954” (“Pela França, Serviços Especiais – 1942-1954”)

Paul Aussaresses morreu em 3 de dezembro de 2013, aos 95 anos, anunciou a associação de ex-paraquedistas franceses “Qui Ose Gagne”.

A associação não informou a data de sua morte, limitando-se a indicar que Aussaresses estava hospitalizado havia algum tempo.

 

(Fonte: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/12 – MUNDO / NOTÍCIA / Da AFP – 04/12/2013)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A tortura se justifica quando pode evitar a morte de inocentes

General francês, que ensinou tortura a militares brasileiros, confirma atuação do país em golpe contra Salvador Allende

 

O General francês Paul Aussaresses, 89, é a memória viva dos atropelos aos direitos humanos praticados durante a ditadura brasileira (1964-1985). Ex-agente do serviço secreto da França, veterano das guerras do Vietnã e da Argélia, Aussaresses colaborou com o regime militar no Brasil, ensinando aos oficiais técnicas de tortura e também de combate à guerrilha.

 

“No curso, os estagiários representavam o papel dos torturadores e dos torturados”, afirmou o militar reformado, no livro “Je N’ai Pas Tout Dit – Ultimes Révélations au Service de la France” (Eu não contei tudo – últimas revelações a serviço da França), que acaba de ser lançado em Paris.

 

A obra é uma série de entrevistas concedidas ao jornalista Jean-Charles Deniau. Em suas revelações, Aussaresses revelou que o governo Médici forneceu armas e aviões para o golpe militar que derrubou o presidente chileno Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973. E vai além, ao relatar que o ex-presidente João Baptista Figueiredo, então chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações), o telefonou para dizer que seus homens haviam torturado e matado um “francês subversivo”, em referência a Laurent Schwartz (1915-2002).

 

Aussaresses recebeu a Folha para uma longa entrevista na casa que tem na Alsácia. Não se furtou a reiterar tudo o que disse no livro e acrescentou que não se arrepende de nada, mesmo que seu livro anterior o tenha levado a responder a um processo por “apologia de crimes de guerra”. “Acho que Figueiredo apreciou minha conduta em relação aos brasileiros.
Minha colaboração foi frutuosa para eles e para nós”, disse.

 

FOLHA – O senhor viveu no Brasil entre 1973 e 1975. Qual sua missão junto à embaixada francesa?
PAUL AUSSARESSES 
– Eu era adido militar.

 

FOLHA – O sr. fazia trabalho de informação?
AUSSARESSES 
– É isso que os adidos militares fazem. Todos eles se informam sobre o que pode interessar a seus países e sobretudo as necessidades do país no qual servem, do ponto de vista do que podemos vender a eles.

 

FOLHA – Naquela época, a França já vendia armas ao Brasil?
AUSSARESSES 
– Claro. Havia muito tempo existiam adidos militares no Brasil. O chefe era do Exército, mas havia um da Aeronáutica e um oficial de Marinha. O Brasil tinha se interessado pelos aviões franceses fabricados pela Société Dassault. O Mirage.

 

FOLHA – Em seu livro, há um capítulo em que o senhor narra os cursos de interrogatório e informação a oficiais no Centro de Instrução de Guerra na Selva, em Manaus. Quais eram suas atribuições?
AUSSARESSES 
– Eu dava aulas nessa escola militar porque tinha sido instrutor das Forças Especiais do Exército Americano no Fort Bragg. Fui nomeado instrutor dos pára-quedistas da infantaria americana em Fort Benning, na Geórgia, e me pediram para ser também instrutor em Fort Bragg, na Carolina do Norte. Isso foi nos anos 60. Nessa escola, encontrei oficiais estagiários das forças especiais de vários países da América do Sul.

 

FOLHA – Inclusive do Brasil?
AUSSARESSES 
– Exatamente.

 

FOLHA – Quem eram esses oficiais?
AUSSARESSES 
– Não me lembro de seus nomes. Lembro de Umberto Gordon, que se tornou chefe das Forças Especiais do Chile, a DINA, o serviço secreto de Pinochet. Éramos muito amigos.

 

FOLHA – O senhor chegou ao Brasil em outubro de 1973, pouco depois do golpe militar do Chile. O Brasil participou ativamente no golpe contra Allende?
AUSSARESSES 
– Que pergunta! Você pensaria que sou um idiota se não estivesse a par. Claro que o Brasil participou!

 

FOLHA – O senhor conta no livro. Gostaria que repetisse. O Brasil enviou aviões e armas?
AUSSARESSES 
– Mas claro, armas e aviões.

 

FOLHA – E enviou oficiais também?
AUSSARESSES 
– Sim, claro. As armas não sei dizer exatamente quais. Mas os brasileiros enviaram aviões franceses com projéteis fabricados na França pela sociedade Thomson-Brandtà.

 

FOLHA – Para a qual trabalhou depois, quando saiu do Exército.
AUSSARESSES 
– Exatamente.

 

FOLHA – O senhor foi muito amigo de João Baptista Figueiredo, chefe do SNI e último presidente militar. Ele e o delegado Sérgio Fleury eram os responsáveis pelos esquadrões da morte brasileiros, como o senhor escreveu?
AUSSARESSES 
– É uma maneira de falar. Nós não chamávamos assim. Sérgio Fleury era o responsável pelos esquadrões da morte e Figueiredo, pelo SNI. O embaixador Michel Legendre não podia ouvir falar de esquadrões da morte.

 

FOLHA – O sr. diz que o embaixador não suportava Sérgio Fleury. E de Figueiredo, tinha melhor impressão?
AUSSARESSES 
– Um dia o embaixador me disse: “Você tem amigos estranhos”. Eu respondi: “São eles que me permitem manter o senhor bem informado”. Ele não disse mais nada.

 

FOLHA – Como seu trabalho era importante para a França?
AUSSARESSES 
– Todas as informações são importantes. Mas era sobretudo para mostrar que a França era um país amigo. Os brasileiros tinham a necessidade de tal material, estávamos dispostos a vender. Tinham necessidade de fabricar.

 

FOLHA – De quais materiais?
AUSSARESSES 
– Materiais de aviação. Tínhamos conhecimentos técnicos, mas o que era importante é que podíamos ir aos nossos superiores pedir informação para os brasileiros.

 

FOLHA – No livro o sr. narra o episódio de tortura de uma mulher que veio ao Brasil para, segundo o general Figueiredo, espionar o senhor. Figueiredo o fez vir de Manaus às pressas para mostrar a moça, já irreconhecível depois das sessões. Ele depois o informou que ela morrera no hospital. Nunca questionou o método bárbaro usado para obter informações daquela mulher?
AUSSARESSES 
– De jeito algum! A morte dessa mulher era um ato de defesa.

 

FOLHA – Qual é sua impressão sobre os presidentes militares: Ernesto Geisel, João Figueiredo e Garrastazu Médici?
AUSSARESSES 
– Ernesto Geisel era um homem racional, de uma profunda moralidade. Era um homem que tinha uma fé religiosa e respeitava as regras da moral cristã que considera que os homens merecem viver numa atmosfera de ordem que lhes permite trabalhar, cuidar da família.
De Emilio Garrastazu Medici tenho boas lembranças. Conheci-o na embaixada da França, conversamos em português. João Figueiredo era adorável, sedutor. Era o chefe do SNI quando eu cheguei como adido. O representante francês dos serviços especiais no Brasil me disse: “Todo mundo sabe que você fez parte do serviço de inteligência francês, principalmente do “Action”, logo, não deve esconder. Você vai encontrar Figueiredo, chefe do SNI, não esconda que você pertenceu ao serviço equivalente na França”.

 

 

FOLHA – E vocês ficaram amigos?
AUSSARESSES 
– Muito amigos. Acho que Figueiredo apreciou minha conduta em relação aos brasileiros. Minha contribuição foi apreciada. Minha colaboração foi frutuosa para eles e para nós.

 

 

FOLHA – Quais são os fundamentos que justificam o uso da tortura numa guerra ou como no caso do Brasil, nos anos 60 e 70?
AUSSARESSES 
– Acho que, se podemos evitá-la, nada a justifica.

 

 

FOLHA – E quando é que não se pode evitá-la?
AUSSARESSES 
– Quando a ação terrorista adversa quer ter efeitos de propaganda e tem por vítimas sobretudo mulheres e crianças. Penso que, se a tortura pode evitar a morte de inocentes, ela se justifica. É meu ponto de vista. Não a aprecio, não a aprecio, não a aprecio.

 

 

FOLHA – Na Argélia, o sr. e o general Jacques Massu estavam de acordo com todos os métodos de informação, inclusive a tortura?
AUSSARESSES 
– Totalmente de acordo. Mas quando houve o ataque de Philipeville, Massu ainda não estava comandando os pára-quedistas. Descobri que ia haver um ataque porque havia compras diárias de uma enorme quantidade de farinha de cuscuz num armazém. E tudo era comprado em dinheiro. E as notas de dinheiro vinham da França, do salário dos operários argelinos. Foi meu serviço de informação que descobriu tudo.

 

 

FOLHA – Parece que foi por causa de compras em uma aldeia que Che Guevara e seu grupo de guerrilheiros foram descobertos na Bolívia.
AUSSARESSES 
– Penso que Che Guevara era um homem brilhante, muito inteligente mas ambicioso. Ele queria substituir Fidel Castro, mas Fidel não estava apressado em deixar o posto de chefe de Estado de seu país e enviou-o em missão à Bolívia com outro homem muito brilhante que ainda está vivo, Régis Debray. Então, Fidel Castro quis dar uma ocupação a esses homens brilhantes e enviou-os em missão à Bolívia.

 

 

FOLHA – O sr. pensa que Fidel Castro armou uma cilada?
AUSSARESSES 
– Eles eram brilhantes, mas bebiam muito e os espiões de Fidel Castro ouviam o que eles diziam. E eles escreviam também, escreviam demais e quando foram para a Bolívia as forças de segurança bolivianas sabiam de todos os detalhes dos deslocamentos deles. Debray foi capturado rapidamente e depois encontraram sua agenda, uma bela agenda Hermès, de couro.

 

 

FOLHA – E quem os denunciou?
AUSSARESSES 
– A tagarelice deles.

 

 

FOLHA – Mas a CIA [serviço de inteligência dos EUA] estava na Bolívia.
AUSSARESSES 
– Claro, que dúvida!

 

 

FOLHA – O senhor foi sempre anticomunista?
AUSSARESSES 
– Sempre. Não me vanglorio disso, mas também não nego.

 

 

FOLHA – Hoje, após a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, qual seria o grande perigo para um país como a França?
AUSSARESSES 
– A organização terrorista maometana, árabe, os islâmicos.

 

 

FOLHA – A maioria dos militares pensa que o dever é manter o silêncio. Por que o sr. resolveu falar?
AUSSARESSES 
– Porque penso que era meu dever falar.

 

 

FOLHA – Mesmo arriscando a sua reputação?
AUSSARESSES 
– Há regras de vida e da carreira militar que tratam do dever. Eu fiz o que era meu dever.

 

 

FOLHA – No livro anterior, “Services Spéciaux – Algérie 1955-1957” (Serviços especiais – Argélia 1955-1957), o sr. contou a participação na guerra da Argélia, inclusive o uso da tortura. Em 2003, foi processado por apologia a crimes de guerra, mas não houve condenação. Os crimes estavam prescritos e anistiados. Por que agora esse livro de entrevistas?
AUSSARESSES 
– Fui levado à Justiça por apologia à tortura. Disse que não era verdade e que escreveria outros livros para me justificar de tudo o que tinha feito em missões fora da França. Escrevi um outro livro depois, que era uma resposta aos ataques injustos contra mim. O livro é “Pour la France, Services Spéciaux, 1942-1954” (Pela França, serviços especiais)

 

 

FOLHA – O senhor se arrepende de algo que fez?
AUSSARESSES 
– Não me arrependo de nada. E recusei uma proposta que me foi feita no tribunal, quando fui acusado de fazer a apologia da tortura, o que não é verdade. Meu advogado e meu editor me propuseram declarar que eu me arrependia do que fizera e do que escrevera.
Não posso, não me arrependo, eu seria desprezado por minha mulher. Minha falecida esposa era uma heroína da Resistência Francesa antinazista, foi ferida em combate. Fomos casados por mais de 50 anos. Ela morreu e depois me casei novamente. E, se eu escrever que me arrependo, merecerei o desprezo de minha atual esposa. Recusei o arrependimento que me propunham e fui condenado.

 

(Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil – FOLHA DE S.PAULO / BRASIL / FRASES / ENTREVISTA /PAUL AUSSARESSES / Por LENEIDE DUARTE-PLON / COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS – São Paulo, 4 de maio de 2008)

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados.

Powered by Rock Convert
Share.