Pedro Malan, foi um dos artífices do Plano Real, na presidência do Banco Central (BC) e no Ministério da Fazenda

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Pedro Malan, foi um dos artífices do Plano Real (Leo Martins / O Globo)

Pedro Malan, foi um dos artífices do Plano Real (Foto: Leo Martins / O Globo)

Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, que ficou no governo de maio de 1991 a dezembro de 2002, como negociador da dívida externa brasileira, na presidência do Banco Central (BC) e no Ministério da Fazenda

Vinte anos depois do lançamento da moeda brasileira, o real, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan revelou suas memórias sobre o momento crucial da economia, quando a inflação anual estava em quase 5.000%, em junho de 1994, e comentou a situação do país hoje, após duas décadas de estabilização.

Um dos artífices do Plano Real avalia que as taxas de inflação “são civilizadas à luz de nossa experiência pretérita, mas continuam um pouquinho mais elevadas do que gostaríamos”. A crise de confiança, que abalou o país entre 1998 e 1999, após o colapso com os Tigres Asiáticos, em 1997, e a moratória da Rússia, em 1998, levando o dólar a custar R$ 2 e as reservas internacionais a se esvaírem, foi um dos momentos mais difíceis para o economista. A crise levou o Brasil a mudar o regime cambial de bandas para flutuante em janeiro de 1999.

Havia generalização da ideia de que país subdesenvolvido e em desenvolvimento era tudo igual. A confiança foi recuperada, com custo obviamente (o PIB ficou estagnado nos dois anos da crise e o rendimento do trabalho caiu 7% em 1999), mas depois do início de 1999, conseguimos recuperar isso, após a turbulência.

Recordista de inflação em três décadas: “As pessoas que têm menos de 40 anos não têm nenhuma experiência vivida da marcha da insensatez que foi a evolução da inflação no Brasil nas décadas que antecederam ao lançamento do real. O Brasil foi o recordista mundial de inflação nas três décadas que vão do início do anos 1960 ao início dos anos 1990. Entre 1980 e 1993, a inflação média foi superior a 600% ao ano: 100% na virada dos anos 1970 para os anos 1980, 200% em 1985, 1.000% em 1988/1989 e 2.500% em 1993. Isso felizmente ficou para trás. É importante, que passados 20 anos, taxas de inflação de inflação sejam relativamente civilizadas. São civilizados à luz de nossa experiência pretérita, mas continuam ainda um pouquinho mais elevadas do que gostaríamos”.

 

Aprendizado com outros planos: “Aprendemos com a experiência do Cruzado, em 86, com Plano Bresser em 1987, Plano Verão em 1988, Collor 1 em 1990, Collor 2 em 1991. Tanto é que, na equipe básica, sem a qual o real não teria sido concebido e implementado, tinham três veteranos do Cruzado, pessoas-chave, Pérsio (Arida), o André (Lara Resende) e Edmar (Bacha), aos quais se juntou Gustavo Franco também em 1993. Aprendeu-se muito com a experiência”.

 

O plano foi rapidamente aceito pela população: “Eu acho que o real teve uma conjugação de circunstâncias. Fernando Henrique conseguiu reunir em torno de si pessoas que já o conheciam há muito tempo, que se conheciam mutuamente, que se respeitavam. Nenhuma delas estava disputando poder. Quando nós anunciamos, em 7 de dezembro de 1993, a direção que íamos tomar, foi uma coisa muito importante que diferenciou o real de outras experiências. Não foi algo que surgiu de surpresa depois de um fim de semana, de um feriado bancário e que pegou a população de surpresa com tablitas e taxas de conversão, congelamentos, bloqueio de poupança, coisas desse tipo. Lembro-me de uma pergunta de um jornalista. O que vai acontecer amanhã ou a semana que vem com câmbio, dólar? Eu falei nada de diferente do que vocês estão vendo aqui. Foi uma razões da aceitação do êxito que foram fundamentais naqueles quatro meses de recontratação em URV.”


Hiperinflação não volta mais: “A agenda para o Brasil pós-real se confundia com a própria agenda do desenvolvimento econômico, social, político e institucional do Brasil. Ela envolvia não só área fiscal, do regime monetário, cambial, mas também outras mudanças para que o país pudesse, depois daquela experiência histórica de convivência com a inflação alta, crônica e crescente, conviver com taxas de inflação civilizadas. Eu acho que quando se olha os últimos 20 anos em perspectiva, isso aconteceu. Na experiência dos 50 anos anteriores, é um sucesso, mas isso não quer dizer de forma alguma que a inflação baixa, sob controle, está definitivamente incorporada ao DNA da sociedade brasileira, que não é preciso mais preocupação. Mas eu tenho certeza absoluta de que ela não volta, essa (inflação) passada. Eu espero que hoje a população brasileira considere a responsabilidade de qualquer governo, qualquer que seja sua coloração político partidária, preservar a inflação sob controle. E eu acho que isso é o grande legado do real. Eu não vejo o Brasil tendo aquele processo de inflação em que ela foi subindo de 40% para 100% para 1.000%. As pessoas já se deram conta que isso tem um custo altíssimo.”

 

Aonde não conseguimos chegar: “Sem estabilidade macroeconômica é difícil imaginar soluções duradouras para outros tipos de problema. Deveria ser o básico, como é hoje no mundo desenvolvido, considera-se que qualquer governo tem a responsabilidade de assegurar uma certa estabilidade, previsibilidade macroeconômica. Ter um regime monetário definido. O mesmo vale para o regime cambial que é o de taxa flutuante. A política de operacionalização contempla certo tipo de intervenção, do tipo que estão sendo feitas desde agosto, acho que corretamente, porque houve um excesso de nervosismo com os sinais de que o Fed (Banco Central americano) ia começar a reduzir suas compras e o câmbio foi a R$ 2,45 em 21 de agosto do ano passado. Não se justificava, o Banco Central fez bem em ter feito a intervenção. E temos o nosso calcanhar de aquiles que é a questão fiscal. É um regime de responsabilidade fiscal.”

 

Problemas que surgiram com fim da inflação: “O grande benefício que o real trouxe para o Brasil foi que ele permitiu que nós pudéssemos começar a encarar de frente questões que estavam mascaradas, obscurecidas pelo zumbido, zoeira, poeirada da inflação alta. Fomos obrigados a lidar com problemas de bancos. Nós tínhamos 28, 29 bancos comerciais e estaduais que faziam empréstimos a seus governos e às empresas de seus governos, que representavam uma parcela muito grande do seus ativos. Hoje nós devemos ter uma meia dúzia de bancos comerciais e estaduais e todos eles sabem que estão sujeitos à supervisão e fiscalização do Banco Central e podem ser liquidados. Isso teve que ser feito, tivemos que intervir em grandes bancos: Econômico, Nacional, Bamerindus e muitos outros que apareceram também, porque a inflação baixa faz com que os problemas apareçam. Houve um enorme dispêndio do capital político do governo Fernando Henrique Cardoso para lidar com problemas de banco, mas tinha que ser feito.

 

Custoso como foi, inclusive politicamente. Nós reestruturamos as dívidas de 180 municípios no Brasil. Desde então estão adimplentes, todos mantendo a observância dos contratos. Mais uma urgência, uma coisa que tinha que ser feita. Outro exemplo do enorme dispêndio de capital político. Nós chegamos à conclusão de que o Brasil tinha enorme necessidades de investimento na área de infraestrutura, energia, transportes, gás, petróleo, mineração, rodovias, e que o setor público e suas empresas por si só não tinham condições de realizar os investimentos que o país demandava. O que nos levou, não por qualquer consideração de natureza política ou ideológica, a mudar os capítulos da ordem econômica da Constituição. Foi feito e foi algo importante, as privatizações. Tem gente que prefere falar em concessões. Não importa. Houve uma interrupção por um período longo, está sendo retomado agora, com atraso, perdemos algum tempo. O importante é que está sendo retomado. São evidentes as nossas deficiências na infraestrutura, mas ao mesmo tempo elas sinalizam oportunidades de investimento também. Portanto, eu acho que possível ter um processo de investimentos na área de infraestrutura no Brasil que ajude a retomada do crescimento. As oportunidades de investimento existem, são percebidas. Tem é que equacionar os mecanismos.”

 

Riscos para estabilização: “A inflação exige cuidados. Não tem risco de descontrole, não vejo nenhum desastre no front da inflação, mas eu acho que é importante manter as expectativas quanto ao curso futuro dos preços mais ou menos ancoradas num nível que seja percebido como não induzindo demandas por indexação (repasse para os preços da inflação passada). Quando as pessoas acham que a inflação está numa trajetória, ainda que muito lenta, ainda que muito pequena, mas que é ascendente ou que ela mudou de patamar, é natural que as pessoas queiram se precaver nos seus dissídios, nas suas correções de preços, queiram se precaver se ela aumentar um pouquinho mais. Ela exige eterna atenção e não é só da parte do Banco Central. Depois de certo ponto ela exige uma ação concertada de governo no seu conjunto. Não só a área econômica. Exige percepção de quão importante para o conjunto da população. Não interessa só ao governo. Interessa à renda disponível das famílias, interessa ao poder de compra das transferências de renda. Isso é algo fundamental.”

 

Renegociação da dívida externa: “Larry Summers (então secretário do Tesouro americano) sempre me disse que, se não tivesse acordo com o fundo (FMI), não teria emissão de títulos de 30 anos que os EUA emitiam para garantia. Nós íamos pagar só juros durante os próximos 30 anos. Amortização do principal só em 2023. A garantia eram títulos de 30 anos que eles faziam uma edição especial, fizeram para o México, Argentina. Eu sabia que era muito difícil ter um acordo com o fundo com inflação de 30% ao mês. Eu dizia, vamos cruzar esse rio quando chegarmos a ele. Para você ter uma ideia, nós tínhamos um bônus internacional, cujo título era bônus de interesses devidos e não pagos. Era nosso interesse eliminar esse bônus e substituir por outro.

 

Fomos comprando discretamente, por longo período de tempo, títulos do Tesouro Americano para não depender da emissão especial do bônus do Tesouro Americano. Para isso, precisávamos ir devagar, ir com calma, eles acabaram se reforçando mutuamente, o fato de que havia a ideia de que o Brasil ia fazer uma aposta contra a hiperinflação em maio de 1993 ajudou na formação da maioria que se dispôs a preparar os contratos para assinatura no final de novembro daquele ano. Nós éramos vistos até ali como um país meio drogado, país meio viciado em drogas, meio bêbado, como um adolescente que ainda é meio destrambelhado no caminhar, no andar que anda esbarrando pelas coisas. O real e a negociação da dívida se reforçaram mutuamente na percepção por parte do resto do mundo sobre o Brasil.”

 

Crises: “Teve um momento que se tinha que tomar umas decisões em condições de risco, de incerteza, sem ter esse conhecimento que aqueles que se dedicam ao exercício de sabedoria posterior fazem. Em agosto de 1998, a Rússia decretou a sua moratória e houve a falência daquele grande fundo de hedge americano, com três prêmios Nobel no conselho, o LTCM. Foi a primeira vez que um presidente americano, Bill Clinton, pediu para ter uma conversa com alguns ministros da Fazenda e presidentes de Banco Central na reunião anual do Fundo Monetário Internacional em Washington, em setembro de 1998. A decisão de criar o G-20 surgiu aí. Havia o receio de que pudesse ser uma crise mais sistêmica. Eu não tinha medo de inflação. Eu tinha receio de uma crise de confiança grande. Foi o que nos levou a buscar um apoio, um apoio que nós obtivemos.

Um programa de organizações multilaterais, BID, Banco Mundial, FMI e de cerca de 15 bancos centrais, que foi uma expressão de confiança no Brasil. Para nós, naquela época, o importante era a confiança. Confiança exige ação doméstica. Nós tomamos uma lá em final de 1997, que havia generalização da ideia de que país subdesenvolvido e em desenvolvimento era tudo igual. Todos os países asiáticos estavam em grande crise. Estávamos ainda saindo da resolução do problema bancário, com problemas fiscais tentando resolver, privatização ainda não tinha levado aos seus efeitos, acabado de mudar a lei do petróleo em 1997. Em 1998, eu me lembro bem, dia 8 ou 9 setembro, lançamos um decreto definindo os cortes de gastos, criando uma comissão de gestão e controle fiscal, com poderes para fazer o que fosse necessário para fazer.”

Desvalorização do real: “A percepção de crise nos levou a tomar uma decisão de deixar o câmbio flutuar. Mesmo que fizesse uma ampliação grande de banda, o mercado ia imediatamente testar o teto naquela situação. Então, ele flutuou. Foi lá no primeiro dia a R$ 1,4, R$ 1,5. Depois, com rumores, chegou a bater em R$ 2 em janeiro. Havia o problema de bancos comerciais retirando linhas de crédito de comércio, de linhas comerciais de curto prazo no Brasil. Visitamos dez grandes capitais do mundo no começo de março. Nossas reuniões foram todas em bancos centrais com os presidentes dos bancos centrais convocando os bancos locais. Conseguimos interromper a retirada de linhas de comércio.”

 

(Fonte: http://oglobo.globo.com/economia -13057309#ixzz3kn5dgcRf – ECONOMIA/ Por por Cássia Almeida / Maria Fernanda Delmas / Maiá Menezes – 29/06/2014)

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