Exaltado pela crítica e perseguido pela Igreja, Pasolini é assassinado na Itália
Corpo do cineasta é encontrado com marcas de espancamento e atropelamento em novembro de 1975. Assassino alega legítima defesa e recebe pena de 9 anos
Pier Paolo Pasolini (Bolonha, 5 de março de 1922 – Óstia, 2 de novembro de 1975), poeta, escritor, roteirista e cineasta polêmico
Famoso como poeta, romancista e ensaísta antes de se tornar cineasta, Pasolini passou à história como a contradição personificada: um comunista ateu que era também católico e homossexual – além de um esquerdista que irritava não só a direita, o que seria de esperar, como agravava a esquerda com suas tomadas de posição corrosivas.
Pasolini nasceu em Bolonha no dia 5 de março de 1922. Depois de se formar em literatura pela Universidade de Bolonha, em 1939, viajou por toda a Itália. Desta forma, entrou em contato direto com o povo e vivenciou os problemas que afetavam o país. Foi professor, poeta e novelista, e entrou para o Partido Comunista Italiano na década de 40. Iniciou sua atividade no cinema como roteirista, colaborando com o amigo Mauro Bolognini em filmes como “O belo Antônio”, “Jovens maridos” e “A longa noite de loucuras”. Além disso, trabalhou com Franco Rossi (1919-2000), “Morte de um amigo” e participou do roteiro de “As Noites de Cabíria”, de Federico Fellini.
A FÉ SEGUNDO PASOLINI
Ou como coube a um comunista fazer o filme mais fiel sobre a vida de Jesus Cristo
É geralmente tido como ironia que um dos filmes mais fiéis já feitos sobre a vida de Jesus Cristo – seja obra de um comunista, o italiano Pier Paolo Pasolini. O Evangelho Segundo São Mateus (1964) não possui uma única fala que não seja tirada tal e qual do texto do evangelista Mateus.
Ficou conhecido internacionalmente a partir da década de 60, ao dirigir filmes polêmicos e extravagantes. Entre suas obras, estão “O Evangelho Segundo São Mateus”, “Gaviões e Passarinhos”, “Édipo Rei”, “Teorema” e “Medeia”. A obra cinematográfica de Pasolini tanto lhe valeu prêmios como protestos e processos. Foi criticado pela Igreja, exaltado pela crítica e perseguido pela Justiça. Na década de 70, vieram seus filmes mais populares: “Os Contos de Cantebury”, “Decameron” e “As mil e uma noites”.
Mas, foi justamente o seu último filme, concluído meses antes do seu assassinato, que causou mais polêmica. “Saló – 120 dias de Gomorra”, baseado na obra do Marquês de Sade, é a transposição da obra do século XVIII para a Itália nos últimos dias do fascismo. Os nobres de Sade são representados por líderes fascistas que organizam uma caçada de adolescentes na cidade de Saló, que entre 1943 e 1945 foi a capital da República Social Italiana, um Estado fascista liderado por Mussolini com o apoio dos nazistas. Os jovens capturados são posteriormente conduzidos a um castelo onde são submetidos a orgias e torturas. No Brasil, o filme entrou em circuito em fins de 1988, causando críticas e muitos protestos. O GLOBO chegou a noticiar no dia 8 de dezembro daquele ano: “Saló enoja os cariocas”.
No dia 3 de novembro de 1975, uma notícia chocava intelectuais do mundo inteiro: o escritor e cineasta italiano Pier Paolo Pasolini havia sido encontrado morto no dia anterior, em uma estrada deserta perto do balneário de Óstia. Além de barbaramente espancado, um veículo passou por cima do seu corpo, esmagando-o.
O assassino, um jovem de 17 anos chamado Giuseppe (Pino) Pelosi, foi detido quando fugia com o carro da vítima em alta velocidade. Interrogado pela polícia, não demorou a confessar o crime, mas alegou ter agido em legítima defesa. Na reportagem sobre o crime, o GLOBO reproduziu seu depoimento. “Ele quis manter relações sexuais comigo”, disse o criminoso. “Quando me neguei, ele pegou um pau e começou a me bater em todas as partes. Eu não podia deixar de reagir. Tomei o pau e golpeei com força, até que ele caiu”.
Os dois se conheceram em uma notória região de prostituição masculina, perto da estação ferroviária de Termini, em Roma. Pelosi alegou que, depois de um jantar, eles pararam em um bosque e o cineasta tentou manter relações sexuais com o jovem. Diante da negativa, Pasolini teria ameaçado sodomizá-lo com o pedaço de madeira que acabou por se tornar a arma do crime. Depois de atingir o diretor na cabeça, o assassino passou por cima do corpo com o carro da vítima “sem querer”.
Giuseppe Pelosi foi condenado em 1976 à pena de nove anos de prisão, mas muitas dúvidas a respeito da autoria única do crime permanecem até hoje. Uma das hipóteses é que o crime teria tido motivações políticas e fora cometido por membros do movimento neofascista italiano. Em uma entrevista à televisão italiana em 2005, Pelosi afirmou que fora coagido a confessar e que outras pessoas teriam assassinado Pier Paolo Pasolini.
(Fonte: http://acervo.oglobo.globo.com – Em Destaque – CULTURA/ Por Paulo Luiz Carneiro – Publicado: 30/10/15)
(Fonte: Veja, 26 de novembro de 2003 – ANO 36 – Nº 47 – Edição 1830 – CINEMA/ Por Isabela Boscov – Pág: 177)