A desilusão com as desventuras do mundo adulto fez o escritor paulista desviar seu talento literário para o mundo mágico da criança brasileira
O escritor Monteiro Lobato andava preocupado por não encontrar livros interessantes com que iniciar os filhos na leitura. Queixava-se de que as obras infantis disponíveis tinham enredos tediosos e estavam ambientadas em cenários estranhos ao universo da criança brasileira. Uma noite, durante uma partida de xadrez, alguém lhe contou a história de um peixe que desaprendera a nadar. Foi o suficiente para sua mente entrar em ebulição. Resolveu ele mesmo escrever para os filhos. Misturando as desventuras do peixinho às lembranças de sua infância, fez muito mais do que isso: criou o Sítio do Pica-Pau Amarelo e uma galeria de personagens que gerações de brasileiros aprenderiam a amar.
A publicação de Narizinho Arrebitado, em 1921, foi o marco inicial dessa revolução. Na imaginação de Lobato, o peixinho virou o Príncipe Escamado e casou com uma menina chamada Narizinho. O autor incluiu na história uma boneca de pano que se comportava como gente (Emília), uma espiga de milho sabichona (o Visconde de Sabugosa) e um menino cujo único medo era picada de vespa (Pedrinho). Fermentou essa receita com figuras do folclores nacional, como o Saci-Pererê e a Mula-sem-cabeça, e pronto. Pela primeira vez, as crianças deparavam com um fabulário autenticamente brasileiro.
José Renato Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, em 1882. Aos 11 anos, deu a primeira demonstração de inquietude: trocou o nome para José Bento porque queria usar uma bengala deixada pelo pai, na qual estavam gravadas as iniciais J.B.M.L. Descrito por Erico Verissimo como um homem de espírito a bradar revoltado em meio da mediocridade, Lobato dedicaria sua vida a elaborar planos mirabolantes para reformar o Brasil. A maioria fracassou, mas aos 32 anos ele se projetou, ao criar o personagem Jeca Tatu, símbolo do caboclo miserável e ignorante.
Sempre desassossegado, conseguiu ser enviado em 1927 aos Estados Unidos como adido comercial. O ritmo frenético dos norte-americanos, em oposição à letargia brasileira, seduziu-o. A quebra das bolsas de valores em 1929 deixou-o sem nenhum tostão, mas a observação de uma economia efervescente encheu-o de idéias. Para um país ser uma potência, concluiu, precisa de petróleo e ferro.
Durante uma década, percorreu o Brasil defendendo a idéia, escreveu livros sobre o assunto e investiu na busca de jazidas. A campanha só lhe trouxe problemas. Empobreceu, esteve preso por três meses e esbarrou na impiedosa oposição de grupos estrangeiros. Desiludido, voltou-se para os únicos que o compreendiam: as crianças. O escritor combativo que pregara em vão aos adultos em duas dezenas de volumes, resolveu submergir no Sítio do Pica-Pau Amarelo. Dois dias antes de morrer, em julho de 1948, desabafou:
Perdi muito tempo escrevendo para gente grande, que é uma coisa que não vale a pena.
(Fonte: “http://zh.clicrbs.com.br/especial/especial27/50perso/e500918g.jpg.htm” “http://zh.clicrbs.com.br/especial/especial27/50perso/e500918p.jpg”)