Primeira mulher a assumir o 3º Batalhão, coronel fala sobre desafios na PM
O MAIOR DO ESTADO
Aos 10 anos, Hadassah Suzannah Beserra de Souza já sonhava em vestir a farda da Polícia Militar. Ela só não imaginava que décadas depois, entraria para a história da corporação ao se tornar a primeira mulher a assumir o comando do 3º Batalhão da Polícia Militar – o maior do estado de Mato Grosso.
Agora, a tenente-coronel é responsável por 110 bairros da região, cuja Baixada Cuiabana corresponde a mais de 350 mil pessoas. Entre área comercial e residencial, a coronel tem a missão de zelar também pela área rural, visto que o batalhão chega a atender até o paredão da Chapada dos Guimarães.
“É uma região bem diversificada, e a diversidade da comunidade nos impõe também uma diversidade de atuação”, relata.
Além dos desafios na carreira, Hadassa também enfrentou a covid-19. Com uma saúde que poderia se dizer perfeita, em janeiro, ficou internada por 10 dias. Já recuperada e no comando do batalhão, continua tratando as sequelas da doença.
Confira os principais trechos da entrevista
– Por que decidiu ser policial? Como foi a sua trajetória até aqui, ao se tornar coronel do 3º Batalhão?
Aos 10 anos de idade fui estudar na Escola Tiradentes, que é a escola da Polícia Militar. Entrei lá na 5ª série, formei no 3º ano, e aí eu já estava decidida fazer o Curso de Formação de Oficiais (CFO). No ano seguinte, que foi em 2001, eu entrei já para a Polícia Militar. Lá, o Curso de Formação de Oficiais são 3 anos, depois ali eu tive algumas experiências em alguns batalhões, em algumas unidades de assessoria também. E agora com 20 anos de polícia, estou tendo a oportunidade de assumir o 3º Batalhão.
– Você também sobreviveu à covid-19. Como foi o tratamento? Teve sequelas?
Eu tive em janeiro. Na verdade, em dezembro eu tive contato com a doença. Fui visitar meus pais e eles estavam doentes, cuidei deles todos os dias. Passei bem a covid, mas aí teve as complicações, que são bem comuns dentro da doença. Foi quando eu internei, quase com infecção generalizada, o pulmão mais de 60% comprometido. Tenho certeza que Deus cuidou, botou a mão, colocou os anjos e me protegeu mesmo. E aí as sequelas vieram. Hoje eu estou com problema, estou melhorando, mas tá bem difícil na parte gastrointestinal e fiquei cardíaca, tomo remedinho de coração. Mas grata a Deus pela oportunidade. Muitas pessoas morreram e Deus acredito que tenha um propósito. Quanto tempo internado? Porque dez dias?
Então as complicações vieram e fora as outras. Medo de dormir, enfim, essas coisas. Mas agora estou vacinada com as duas doses, cuidado na rua, cuidado o tempo inteiro. Temos um evento nesse fim de semana, o Dia das Crianças, então estamos tomando todos os cuidados.
– Durante sua trajetória, você sofreu machismo?
É uma instituição, tem dois pilares, duas vertentes. Primeiro tem uma instituição extremamente masculina, com uma função masculina. Os próprios testes físicos, é tudo voltado [para eles], é muito fácil pros homens, talvez, né? E pras meninas seja um pouquinho mais difícil. E tem o público externo, também, que é a própria sociedade. Eu já passei por situações de todos os lados. No meio [policial], de ter resistência em algumas atividades. E com o público também, ao ponto de abordar na rua e o cara olhar de cima à baixo e falar assim “o que?”. Quase dando um descrédito pra gente e as meninas ainda passam por isso.
Mas de maneira geral, a PM me parece que está com esse olhar [diferente]. Então a própria decisão de assumir o comando do 3º Batalhão, eu já enxergo como um olhar institucional que busca mudar alguns conceitos dentro da instituição, dar oportunidade pras mulheres. Muitas mulheres ainda estão quase que a carreira inteira na administração, e essas funções de comando passam uma mensagem. Passa uma mensagem pra toda tropa, passa uma mensagem para o feminino.
– Quais os maiores desafios no Batalhão? Há maior criminalidade? Quantos oficiais comanda?
O 3º Batalhão conta com um pouco mais de 200 oficiais. Hoje, há um desafio pra toda a PM, que é a questão do efetivo. Só que a falta de efetivo é algo generalizado. Então estamos aprendendo por meio de soluções criativas, a otimizar policiamento, sem também sugar o policial, que tem a sua escala de serviço, sua escala de folga. Os maiores desafios eu diria que são entender, justamente, esse lado da inteligência, da criatividade, não só espalhar o policiamento na rua.
É você entender com quem você está lidando de forma setorizada. Existem bairros que precisam ter um determinado tratamento, bairros que tem histórico de organização criminosa, outros já não tem, aquele roubo a pessoa, furta veículo. Então assim, tem que ter um estudo prévio. O grande desafio é esse, é entender a área, entender as suas particularidades e atuar com sabedoria, com discernimento e pra otimizar o policiamento.
– Tem alguma história marcante na sua carreira?
Olha, as histórias eu tenho várias, tanto com quem trabalho. E eu gosto muito de analisar, eu busco isso, porque acho que é um exercício. Analisar quem tá ali do meu lado, quem é a minha tropa, o meu efetivo, tentar entender as suas necessidades.
Porque estamos falando de pessoas como eu, que tem 20, 25 anos de polícia. Está cansado, às vezes está com joelho ruim, está com problema em casa, uma série de necessidades. Eu acho que essa é a função do comandante, entender com quem ele trabalha, porque a função é estressante, é desgastante, é tensa. Então eu tenho experiências muito boas também na rua. Desde achar pai desaparecido, enfim…
Cada ocorrência termina sendo gratificante por alguma razão. Algumas vão pro lado sentimental, eu sou mãe, então eu já tive muita coisa com criança, de eu chorar muito. Eu sou filha também, já tive ocorrências envolvendo senhoras e senhores de cortar o coração. Mas a verdade é que cada ocorrência traz um significado pra gente. Até essas assim mais “ferro e fogo”. Toda experiência é boa no fim, porque fortalece a gente, cria técnica, cria tática e você vai melhorando na função.
Teve uma ocorrência que me marcou muito, de um menino acidentado. Perdeu as perninhas e morreu. Mas ai eu deitei la no chão, peguei no braço dele, estava vindo da escola… E então no fim, a nossa atividade às vezes acaba em tragédia. São ocorrências que passam, que não tem solução.
(Fonte: https://www.gazetadigital.com.br – Gazeta Digital / Entrevista da Semana / por Vitória Lopes – 10 de Outubro de 2021)
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