Primeira mulher a cobrir Fórmula 1 no Brasil

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Primeira mulher a cobrir Fórmula 1 no Brasil, Mariana Becker fala sobre carreira, assédio e protagonismo feminino

Jornalista conta ter ouvido inúmeras vezes ‘isso é pauta para homem’
Oito. Esse foi o número de farmácias que a jornalista Mariana Becker visitou ao se dar conta de que havia esquecido em casa o álcool gel, item indispensável dos viajantes em tempos de coronavírus. Acostumada a cobrir os Grandes Prêmios de Fórmula 1 desde 2007, a repórter da TV Globo faz a mala com os pés nas costas e uma organização impressionante. “Gravei até vídeo para o Instagram com tudo o que estou levando para Melbourne e para o GP de Bahrein, que acontece em seguida, mas acabei deixando o danado do álcool em casa”, disse a jornalista, por telefone, enquanto atravessava o raio-x do aeroporto de Monte Carlo rumo ao GP da Austrália, o primeiro da temporada 2020. Mal sabia ela: na tarde da última quinta-feira, o GP da Austrália, que aconteceria neste domingo, do Bahrein, que seria no dia 22, e o do Vietnã, programado para abril, foram cancelados devido à pandemia de coronavírus. No mesmo dia, Mariana escreveu no seu perfil do Instagram: “É amigos, infelizmente não deu. Infelizmente ou felizmente, né? Porque o corona está solto voando por aqui e nós somos de muitos países, todos juntos, bem juntinhos neste esporte. Fico triste porque estou louca de saudades, mas, de certa forma, também aliviada porque não há lavação de mão que segure uma convivência tão intensa.”
Gaúcha radicada em Mônaco desde 2009, Mariana passou metade dos seus 48 anos ocupando um lugar raro para mulheres: o de destaque em coberturas esportivas na TV. Fã de surfe, modalidade que pratica desde a adolescência, começou cobrindo campeonatos na água, migrou para outras modalidades, foi contratada pela Globo em 1995 e hoje está em sua décima terceira temporada de Fórmula 1. “Quando garota, viajava sozinha para pegar onda. Mesmo se não caía na água, acompanhava os campeonatos. Criava boletins e vendia matérias para a rádio, com foco em atletas mulheres”. Foi um pouco depois dessa época que ela viveu um dos episódios mais constrangedores da carreira. “Estávamos num campeonato mundial de surfe conversando sobre as ondas do dia seguinte quando um dos patrocinadores do evento virou e ‘pá’, deu um tapa na minha bunda”. Chocada, a jornalista o repreendeu. E o rapaz disse: “Vocês mulheres são engraçadas. Vêm superssimpáticas, mas estranham quando a gente brinca”. Mariana não engoliu: “ Eu disse: ‘Amigão, brincadeira é uma coisa, tapa na bunda é outra. Pensa se a sua irmã ia gostar.’”
A cena nunca mais se repetiu, mas outras desagradáveis vieram. Na redação, nas redes sociais e até nas ruas, às vezes, ouve “isso é pauta para homem” . “Já nem ligo mais”, diz, virando os olhos cor de mar, atributos quase tão fascinantes quanto seu domínio sobre os temas que cobre. Travessa desde que “era guria em Porto Alegre”, a loura dá de ombros. “Sempre fui muito arteira, fazia cabana, armava esconderijo subia em telhado. Não era da turma que gostava de brincar de bonecas.”
Filha de um ginecologista “que conhece o corpo e a alma das mulheres como poucos homens” e de uma mãe “que se formou em Letras e Literatura Inglesa enquanto sua geração ficava em casa”, Mariana e os quatro irmãos (“três gurias e um guri”) foram todos criados da mesma forma. “Meu pai fazia meu irmão levantar da mesa e lavar a louça como qualquer uma de nós. Por isso, demorei a entender o que era machismo”, conta. Casada há 11 anos com o produtor Jayme Brito, a jornalista diz gostar da vida em Mônaco. “Viajo muito. Minha rotina é não ter rotina. Mas, quando estou em casa, faço questão de tomar um café da manhã tranquila, lendo jornal e revistas no sol”, conta ela, que mora pertinho da praia, para onde foge sempre que agenda e a temperatura permitem umas braçadas.

Além dos vizinhos famosos da Fórmula 1 — Lewis Hamilton mora na rua de baixo da sua —, Mariana encontra com frequência outros moradores célebres do principado. “O (tenista) Novak Djokovic e a (ginasta) Elena Isinbaeva cruzo direto na rua ou em restaurantes. E a Stéphanie, princesa de Mônaco, que era minha musa, já vi no supermercado algumas vezes”. Mônaco é assim, pequena, mas cheia de histórias.

Exatamente como Mariana, que coleciona as mais divertidas delas e costuma contá-las com a naturalidade de um stand-up comediant. Em 2019 durante o GP de Barcelona, a jornalista recebeu a informação de que Neymar assistiria à disputa e, minutos antes de entrar ao vivo, saiu correndo atrás de um depoimento dele. “Na correria, tropecei em um cabo e cai feio, bem na frente das equipes que faziam os últimos acertos nos carros e do paddock club, onde ficam os vips”, lembra. “Ando sempre com três caixinhas de metal, penduradas na cintura, cheia de cabos, microfone, celular. Quando eu vi que estava tudo intacto, continuei atrás do Neymar. Mas meu produtor me chamou no rádio: ‘Mariana, sua calça está rasgada’. Tudo bem, é rapidinho, pensei. ‘Mariana, o rasgo é grande’. Coloquei a mão para ver o tamanho do estrago e senti toda a minha bunda de fora”, completa, seriíssima. Decidida a não perder a chance com o jogador, a gaúcha não teve dúvidas. “Vi uma bandeira dando sopa, amarrei na cintura, fiz a entrevista com o Neymar e todo o grid de largada segurando a bandeira”. E tem gente que acha que jornalismo esportivo é coisa de macho.
(Fonte: https://oglobo.globo.com/ela/gente – ELA / GENTE / Por Marina Caruso – 15/03/2020)
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