Quando a ciência assusta
Descobertas científicas sempre provocam discussões de natureza ética e moral
Ian Wilmut embriologista britânico do Instituto Roslin, instituição de pesquisa agropecuária de Edimburgo, capital da Escócia, quebrou uma barreira ética. Pela primeira vez a humanidade está sendo colocada na posição de gerente principal da evolução animal e humana: podemos dizer, sem exagero, que seremos em breve senhores únicos de nosso destino biológico.
Ian Wilmut abre uma polêmica sobre ética na pesquisa científica ao copiar uma ovelha em laboratório.
Dolly, a ovelha escocesa cuja concepção extraordinária o mudo tornou conhecimento em fevereiro de 1997, não tem pai nem mãe. Ela tem apenas origem, uma origem que não é divina. É humana. Dolly é o que a ciência chama de clone, palavra de origem grega que significa broto. Clone é a cópia idêntica de outro ser vivo produzida artificialmente e assexuadamente. Como teve origem numa célula da mama de sua mãe, a ovelha recebeu o seu nome em homenagem a Dolly Parton, a cantora caipira americana de seios enormes.
Ela tem a compleição da sua raça, a Finn-dorset: focinho rosado, dócil e encantadoramente desajeitada.
Por trás dessa aparente normalidade esconde-se uma perturbadora revolução científica.
A ovelha, símbolo religioso da redenção dos homens, inaugurou abruptamente o século XXI, dando origem a era dos clones, período no qual os cientistas que brincam de Deus vão começar a colher os frutos de suas ousadias.
O artigo de Wilmut explicando como Dolly foi feita foi publicado no dia 27 de fevereiro de 1997, na revista Nature, a prestigiosa publicação científica inglesa. A receita para construir um mamífero é assustadoramente simples. Os cientistas escoceses fundiram um óvulo não fecundado, de onde haviam retirado o miolo genético, com uma célula doada pela ovelha que queriam copiar. Depois implantaram o resultado da fusão no útero de uma terceira ovelha, onde Dolly foi gestada.
Foi levado vinte anos para planejar e executar a criação de Dolly, e só foi acertado na 277ª tentativa.
Ninguém esperava que o primeiro transplante de coração fosse feito no Groote Schuur Hospital, na África do Sul.
Mas foi ali que, em 1967, o cirurgião Christian Barnard implantou um coração novo no peito de Louis Washkansky, que sobreviveu alguns dias. Barnard não era melhor que seus colegas de Boston, Cleveland ou Londres. Ele apenas contou com um ambiente eticamente mais liberal. Sua audácia não foi contida por regulamentos ou leis severas como as que existiam na Europa e nos Estados Unidos.
Tabu Novidades tecnológicas de implicações profundas sempre geram expectativas exageradas. A barreira do som foi quebrada, em 1947, pelo piloto Chuck Yeager, e mais de meio século depois, pouquíssima gente se beneficiou desse avanço: o Concorde, primeiro avião supersônico de passageiros em operação no planeta, faz alguns poucos voos semanais entre a Europa e Estados Unidos. Quando o russo Yuri Gagarin entrou em órbita, em abril de 1961, se acreditou que a humanidade estava prestes a sair da Terra e colonizar a Via Láctea mas, décadas depois, apenas centenas de mortais podem contar que já voaram ao espaço. Décadas depois de dominada a técnica dos bebês de proveta, existem pouco mais de 10 000 crianças nascidas por esse método em todo o mundo. O mesmo se passa com as grandes cirurgias do coração, os transplantes, as fabulosas drogas e os tratamentos da medicina de ponta. É nesse contexto que se deve entender a experiência escocesa e a possibilidade que ela abriu de fabricar clones humanos.
Ainda assim, a questão ética é real, premente e explosiva. Clonar um ser humano é um poderoso tabu.
Quando a ciência assusta
1700 –
1799 Primeira gravidez por inseminação artificial
1800
1866 Invenção da dinamite, por Alfred Nobel
1900
1910
1920
1928 Primeiros testes genéticos com insetos
1930
1940
1944 Primeira tentativa de fertilização in vitro
1945 Explosão da primeira bomba atômica
1950
1952 Clonagem de rãs a partir de células de girinos
1953 Esperma humano é congelado para inseminação artificial
1954 Comprovação da eficácia da pílula contraceptiva
1960
1967 Christian Barnard faz o primeiro transplante de coração
1970
1978 Nasce Louis Brown, o primeiro bebê de proveta
1980
1982 Franceses anunciam a pílula do aborto
1983 Nasce o primeiro bebê de mãe de aluguel
1987 Sul-africana gera óvulos fecundados de sua filha
1990
1993 Americanos fazem clonagem de embriões humanos
1995 Cientistas implantam orelha humana em um rato
(Fonte: Veja, 5 de março, 1997 Edição n° 1485 Ciência/ Por Eurípedes Alcantara – Pág; 92/96)