Primeiros cem anos Brasil Fran?a e Antadida

A Fran?a Ant?rtida
Alguma vez eu abandonarei esse mundo,
E me entregarei ao acaso ? fortuna das ondas
Para poder desembarcar na margem onde Villegaignon
sobre o polo Ant?rtico semeou vosso nome
Pierre de Ronsad – ?Ode ? Odet de Coligny?, 1562

Da d?cada de 1550, estendendo-se at? aos arredores de 1620 – por mais ou menos uns 70 anos -, a costa leste-nordeste brasileira foi palco de viv?ssima disputa entre dois poderosos reinos europeus. Decidiam eles, disse Capistrano de Abreu, ?o Brasil ser luso ou franc?s?, pois a Fran?a jamais aceitou a partilha do mundo e dos mares entre a Espanha e Portugal feita em Tordesilhas com a ben??o do Papa. Como assegurou ent?o Francisco I, o rei franc?s, ele ?ignorava o testamento de Ad?o?. Um grande soldado do reino Nicolas Durand de Villegagnon, dotado de esp?rito de aventura e conquista, imaginou instalar em algum lugar do Brasil um ref?gio para os perseguidos em Fran?a, ent?o cada vez mais atormentada pelas guerras de religi?o e mergulhada em persegui??es de toda ordem. Em 10 de novembro de 1555, Villegagnon fundou o Forte Coligny na ba?a de Guanabara, na ent?o chamada ilha de Serigipe. Imaginou-o como um ponto de apoio para, pouco depois, estabelecer uma base em terra firme, batizando o empreendimento como a Fran?a Ant?rtida.
Trouxe originalmente umas 600 pessoas, grande parte delas criminosas, para formar uma comunidade de novo tipo. Dois anos depois do desembarque franc?s, em 1557, atendendo a uma sua carta enviada a Calvino em Genebra, arribaram os chamados 14 ap?stolos, um grupo de pastores calvinistas com miss?o evangelizadora. No festivo desembarque que lhes prestou, Villegagnon disse-lhes: ?meus filhos, assim como Jesus Cristo nada teve deste mundo para si e tudo fez para n?s, assim eu pretendo fazer aqui para todos aqueles que vierem com o mesmo fim que vistes. ? minha inten??o criar aqui um refugio para os fi?is perseguidos em Fran?a, na Espanha ou em qualquer outro pais de al?m-mar, a fim de que sem temer o rei nem ao imperador, nem quaisquer potentados, possam servir a Deus com pureza conforme a sua vontade.? Entre os rec?m chegados encontrava-se Jean de L?ry, que, bem depois, retornado ? Fran?a ao fracassar o experimento, escreveu um dos mais fascinantes relatos dessa experi?ncia frustrada e um dos mais not?veis ensaios etnol?gicos sobre o Brasil daqueles tempos.

A festa brasileira em Rouen: como elemento deflagrador do projeto da Fran?a Ant?rtica interessa mencionar a chamada Festa Brasileira, encenada em Rouen, no dia 1? de outubro de 1550, portanto cinco anos antes do desembarque de Vilegagnon na baia de Guanabara. Os principais investidores do projeto, os armadores e mercadores da pr?spera cidade normanda, providenciaram uma sensacional montagem de quadros vivos que procuravam reproduzir, em solo franc?s, a paisagem tropical brasileira e o modo de viver da sua gente. Entre os figurantes encontravam-se 50 ?ndios tupinamb?s que, misturados a marinheiros fantasiados, simularam um combate entre as duas tribos rivais, a dos tupinamb?s amigos dos franceses, e a dos tabajaras, aliados dos lusos.

Al?m do rei Henrique II e sua esposa, a rainha Catarina de Medici, convidados especiais para a festa, apresentada como uma luxuosa ?entrada? com recortes vivos das coisas do Novo Mundo, estavam presentes a c?lebre e infeliz rainha da Esc?cia Mary Stuart bem como grande n?mero de representantes diplom?ticos
O conflito teol?gico: Villegagnon na Guanabara aliou-se com a chamada Confedera??o dos Tamoios contando com o apoio dos caciques guerreiros Cunhambebe e Aimber?, inimigos dos lusos, que, por sua vez, tiveram ao seu lado os tupiniquins, mas isso n?o foi o suficiente para o chefe franc?s manter o controle sobre o seu experimento social. Conflitos internos de ordem teol?gica envolvendo as concep??es de transubstancia??o e a consubstancia??o ocorridos depois de uma discuss?o sobre a presen?a da ?gua no vinho e a composi??o do p?o, entre os pastores rec?m vindos, Villegagnon, um tal de Jean Cointa, e os demais, foi uma das raz?es que contribu?ram para p?r a pequena comunidade de auto-exilados franceses a perder.

O calvinismo, r?gido, puritano extremado, doutrinariamente intolerante, mostrou-se incapaz de adaptar-se ? liberalidade tropical, conduzindo ao fracasso a Nova Jerusal?m que os protestantes imaginavam poder construir no litoral bras?lico. Uma pequena guerra civil deu-se entre os pr?prios reformistas, reproduzindo naquela bel?ssima paisagem da Baia da Guanabara os dramas sombrios porque passava a metr?pole francesa (*).
Este adverso clima interno, corro?do pelo ?dio religioso, facilitou o sucesso da opera??o da expuls?o deles desencadeada pelo governador-geral Mem de S? que, partindo de Salvador com 2 naus e 8 embarca??es, tomou o forte de Coligny em 1560. Para assegurar a sa?da definitiva dos franceses daquele local estrat?gico, Est?cio de S?, o sobrinho do governador, fundou a vila de S?o Sebasti?o do Rio de Janeiro no atual Morro do C?o em 1565 (a vila transferiu-se para a parte interior da baia da Guanabara dois anoso depois, em 1567, instalando-se no Morro do Castelo). Desta forma durante alguns anos o Brasil, especialmente na regi?o da baia da Guanabara, ficou tal uma esp?cie de cabo-de-guerra, disputado ? for?a pelos Per?s (os lusos) e pelos Ma?r (os franceses).

O assassinato do Almirante Coligny em Paris, seguido da chacina dos seus partid?rios huguenotes, perpetrado a mando da rainha-m?e Catarina de Medici, uma fervorosa defensora do catolicismo, pela Coroa francesa na Noite de S?o Bartolomeu, em 28 de agosto de 1572, cancelou em definitivo o plano de reviver uma Fran?a Ant?rtida nos tr?picos e, indiretamente, contribuiu para a afirma??o do Brasil seguir sendo portugu?s.

(*) Enquanto que o Catolicismo, herdeiro direto do Imp?rio Romano, acostumado ao multiculturalismo e ao ecletismo, mostrou-se mais apto e flex?vel para lidar com as culturas nativas tropicais, mesmo que se mostrasse chocado com o despudor geral, o Calvinismo, vindo da pequena, fria e provinciana Genebra, cidade de gente branca, mostrou-se incapaz de um conv?vio tolerante com elas, sendo a matriz espiritual do apartheid na ?frica do Sul, que eles l? implantaram quase que ? sua chegada em 1652.