Programadoras que criaram sistema do primeiro computador eletrônico digital

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Minoria na indústria de tecnologia, mulheres foram fundamentais na gênese da computação

Projetos recentes tentam recolocar na História nomes de programadoras que criaram sistema do primeiro computador eletrônico digital

 

 

Documentário resgata história das programadoras do Eniac, primeiro computador moderno, cujo trabalho pioneiro de programação nunca foi reconhecido – (Wikipedia / Wikipedia)

 

 

Elas são minoria na indústria de tecnologia, mas, sem seu trabalho, provavelmente os computadores não existiriam como os conhecemos hoje. Mulheres como Ada Lovelace e Grace Hopper foram fundamentais para o avanço dos softwares. As seis programadoras do projeto Eniac criaram o sistema do primeiro computador eletrônico digital, mas nenhuma recebeu o devido crédito. Mesmo exercendo papel central em estudos e pesquisas, elas ficaram relegadas a segundo plano, mas projetos recentes buscam recolocá-las na História.

– A história das mulheres ainda não foi escrita – diz Lindamir Salete Casagrande, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, autora de trabalho sobre a contribuição das mulheres para a computação. – Ada Lovelace e Grace Hopper até conseguiram algum reconhecimento, mas elas não foram as únicas.

Um programa lançado no início do ano pela Casa Branca tenta resgatar a história de mulheres nas ciências e na tecnologia para inspirar maior participação feminina nesses campos. Augusta Ada Byron, conhecida como Ada Lovelace, foi uma delas. Se Charles Babbage é considerado o “pai da computação”, Ada deveria ser a “mãe”. Ela criou o primeiro algoritmo para ser lido por uma máquina e seu trabalho serviu de inspiração para Alan Turing, cujo trabalho resultou no computador como o conhecemos.

Nascida em Londres, em dezembro de 1815, Ada era a única filha legítima do poeta Lorde Byron, fruto de um rápido casamento com a baronesa Anne Isabella Byron. Durante sua curta vida – ela faleceu em novembro de 1852, aos 36 anos -, Ada nunca teve contato com o pai, que morreu quando ela tinha oito anos. Sua mãe, mulher muito inteligente com formação em literatura clássica, filosofia, ciências e matemática, também era distante, mas sempre contratou tutores para garantir a melhor educação para filha.

Contudo, biógrafos apontam que o desenvolvimento intelectual da filha não era a única preocupação de Anne Isabella. Religiosa, ela temia que Ada herdasse o comportamento do pai. O sobrenome, a jovem ganhou do marido, William King, que veio a se tornar conde de Lovelace. Os dois se casaram em 1835, quando Ada tinha 19 anos, e tiveram três filhos: Byron, Anne Isabella e Ralph Gordon.

Pelas mãos de Mary Somerville, reconhecida astrônoma e matemática, Ada conheceu Babbage quando tinha 18 anos, e ele, 42. O interesse de ambos pelas máquinas fez com que se tornassem amigos rapidamente. Ela estava interessada nos inventos do novo conhecido, e ele se impressionara com o intelecto e habilidades matemáticas da jovem.

Na época, Babbage trabalhava no desenvolvimento da Máquina Analítica, poderoso equipamento, considerado o primeiro projeto de um computador mecânico de uso geral. Em 1842, Babbage fez uma apresentação de seu projeto na Universidade de Turim. O engenheiro italiano Luigi Menabrea (1809-1896) estava na plateia e fez anotações em francês, que foram entregues a Ada para tradução para o inglês. O trabalho foi concluído no ano seguinte, com a tradução integral do texto de Menabrea e sete notas adicionais. Na última, ela descreve um algoritmo que permitiria à Máquina Analítica realizar cálculos pré-determinados.

“A Máquina Analítica não tem pretensões de originar nada. Ela pode fazer qualquer coisa que nós soubermos ordená-la a fazer. Ela pode seguir análises, mas não tem poder de antecipar relações analíticas ou verdades”, descreveu Ada.

Esse trecho foi citado em artigo um século depois por Alan Turing, pai da computação moderna. O texto foi publicado durante a II Guerra, quando Turing trabalhava com a também brilhante criptoanalista Joan Clarke na decodificação das comunicações alemãs. Ada sugeria que os computadores não poderiam aprender ou criar algo original, do que Turing discordava, mas dizia que “as evidência disponíveis para a senhora Lovelace não a encorajavam a crer” que as máquinas seriam tão capazes.

– Babbage idealizou o primeiro computador do mundo, e Ada fez o primeiro programa, uma série de instruções que eram processadas e geravam um resultado – comenta Breno Valle, curador do Museu do Computador. – Infelizmente, eles não viram a Máquina Analítica ser concluída. Por falta de financiamento, ela nunca saiu do papel.

 

AS PROGRAMADORAS DO ENIAC

 

O primeiro computador eletrônico de uso geral só foi criado em 1946. O Eniac (Electronic Numerical Integrator and Computer) foi projetado para fazer cálculos de artilharia para o exército americano. O contrato de construção foi assinado em 1943 e, da mesma forma que na Máquina Analítica de Babbage, a programação foi feita por mulheres.

De um grupo de 80 matemáticas que trabalhavam com cálculos balísticos na Universidade da Pensilvânia, Kathleen McNulty, Mauchly Antonelli, Jean Jennings Bartik, Frances Synder Holber, Marlyn Wescoff Meltzer, Frances Bilas Spence e Ruth Lichterman Teitelbaum foram selecionadas para participarem de um projeto secreto para automatizar o processo.

O Eniac foi apresentado em fevereiro de 1946, e se mostrou capaz de realizar complexos cálculos em segundos. Toda a programação foi feita pelo grupo de mulheres, mas elas nunca receberam o crédito por isso. No ano passado, o documentário “The Computers”, com relatos das seis programadoras, tentou recuperar parte dessa história.

– Demorou muito para se perceber o que as programadoras do Eniac fizeram, e como fizeram. Elas aprenderam como o Eniac funcionava e o programaram sem linguagens de programação ou manual – diz Kathy Kleiman, coprodutora do documentário.

Aliás, também foi uma mulher a responsável por acelerar o desenvolvimento das linguagens de computação. A almirante Grace Hopper era uma visionária que, em 1949, quando os computadores ocupavam salas inteiras, acreditava que eles poderiam atender ao público em geral.

 

Nascida em dezembro de 1906, em Nova York ela se graduou em matemática em 1928 da Faculdade Vassar, onde se tornou professora, e completou o doutorado em Yale, seis anos depois. Ela continuou em Vassar até 1943, quando ingressou na Marinha, onde foi designada para trabalhar em um laboratório da Universidade Harvard, com o icônico Mark 1.

Impressionada com os computadores, Grace arriscou sua carreira militar para ingressar, em 1949, na Eckert-Mauchly Computer Corporation para produção de softwares comerciais. Para facilitar o trabalho, ela teve a ideia de compartilhar códigos entre os programadores, formando bibliotecas, para reduzir os erros e evitar o retrabalho. Mas seu grande feito foi a criação dos compiladores (programas capazes de “traduzir” uma linguagem para outra, em geral mais simples). O Flow-Matic, lançado em 1955, foi a primeira linguagem de programação que funcionava com palavras em inglês. Até então, todos os softwares eram escritos em notação matemática. Ela também participou da criação do Cobol, linguagem até hoje amplamente utilizada.

– Para lembrá-la, existe uma conferência anual nos EUA que leva seu nome – diz Juliana Freitag Borin, professora do Instituto de Computação da Universidade de Campinas.
(Fonte: https://oglobo.globo.com/sociedade/historia – SOCIEDADE – HISTÓRIA / POR SÉRGIO MATSUURA – 14/02/2015)

 

 

 

 

 

 

 

Como as mulheres passaram de maioria a raridade nos cursos de informática

 

Primeira turma de formados no curso de Ciência da Computação do IME/USP, em 1974, na qual as mulheres eram a maioria (Imagem: IME/USP)

 

Ada Lovelace, Mary Kenneth Keller, Grace Hopper, Dana Ulery, Hedy Lamarr e Kathleen Antonelli são nomes dos quais poucas pessoas já ouviram falar. Em contrapartida, Steve Jobs, Bill Gates e Mark Zuckerberg são conhecidos por quase todo mundo.

O que essas mulheres e homens têm em comum é que dedicaram a vida ao universo dos computadores. O que os diferencia é a invisibilidade delas e a fama global deles, embora todos tenham dado grandes contribuições à informática. Além disso, elas foram pioneiras, em uma área com cada vez menos representantes do sexo feminino.

 

Pode parecer surpreendente hoje dia, mas de fato existiu uma época em que as mulheres eram maioria nesse setor. Nos seus primórdios, essas máquinas eram usadas basicamente para realizar cálculos e processamento de dados, atividades então associadas à função de secretária. Daí serem utilizadas quase só por mulheres.

 

Mas elas não se limitaram a isso. Muitas tiveram papel importante no desenvolvimento dos computadores e dos programas, que fazem essas máquinas ter serventia.

 

Ada Lovelace ou Ada Byron, Lady Lovelace, filha do famoso poeta inglês Lorde Byron, por exemplo, desenvolveu o primeiro algoritmo da história, e Mary Kenneth Keller, uma freira americana, teve papel importante na criação da linguagem de programação BASIC.

 

Ada Lovelace – Primeiro programa de computador (1843)

Ada Lovelace (1815-1852) , criou o que é considerado o primeiro programa de computador da história.

 

 

A professora Andreia Malucelli, coordenadora da pós-graduação em Informática da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), lembra ainda que Grace Hopper, por sua vez, criou a linguagem de programação Flow-Matic, hoje extinta, mas que serviu como base para o desenvolvimento de outra linguagem, a COBOL.

“Já Dana Ulery foi a primeira mulher engenheira da Nasa e desenvolveu algoritmos para a automatização dos sistemas Deep Space Network, de rastreamento de tempo real da agência espacial americana”, conta.

 

A tecnologia usada nos telefones celulares e nas redes wi-fi também foi criada por uma mulher, no caso, Hedy Lamarr.

 

Relação com a matemática

 

Mas a contribuição das mulheres para computação não acaba aí. Há também Kathleen Antonelli, que com Jean Jennings Bartik, Frances Snyder Holberton, Marlyn Wescoff Meltzer, Frances Bilas Spence e Ruth Lichterman Teitelbaum programou o ENIAC, o primeiro computador eletrônico digital de propósito geral da história.

 

De acordo com Malucelli, do início da década de 1970 até meados de 1980 houve um aumento de 10% para 36% da participação das mulheres entre os profissionais de computação, e a maioria dos estudantes era do sexo feminino.

 

“Acredita-se que esse interesse das mulheres pela graduação nessa área tenha relação com o curso de Matemática”, diz. “A primeira turma surgiu a partir da migração de alunos da licenciatura em Matemática, que sempre foi um curso predominantemente feminino.”

 

A partir de meados dos anos 1980, no entanto, as mulheres começaram a dar lugar aos homens na informática. Há uma profusão de dados que demonstram essa inversão paulatina, principalmente nos cursos superiores de processamento de dados e ciência da computação.

 

Simone Souza, do Departamento de Sistemas de Computação e presidente da Comissão de Graduação do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP São Carlos (ICMC-USP), diz que, até 1990, as mulheres eram predominantes. “Depois, entre 1990 e 2000, a proporção de gêneros se equilibrou e a partir de 2000 a quantidade delas foi caindo ano a ano”, diz.

 

Um levantamento do total de formandos no curso de bacharelado em Ciências de Computação do ICMC, que tinha 40 vagas até 2003 e, desde então, 100, mostra que, em 1997, se diplomaram 12 mulheres (48%) e 13 homens (52%), números que haviam caído, em 2003, para 4 (12%) e 27 (88%), respectivamente.

 

O menor número de mulheres que concluíram o curso foi registrado em 2016: apenas duas (3%) ante 52 (97%) homens. Em 2017, elas chegaram a 12 (17%) dos 70 formandos.

 

No Instituto de Matemática e Estatística (IME), também da USP, em São Paulo, a primeira turma de Ciências da Computação, formada em 1974, tinha um total de 20 alunos, dos 14 mulheres (70%) e 6 homens (30%). Em 2016, a turma contava com 41 alunos, dos quais apenas seis eram mulheres, ou seja, 15%.

 

Força de trabalho

 

Malucelli, da PUC-PR, tem números mais abrangentes. “De acordo com dados recentes divulgados por Facebook, Google, Twitter e Apple, as mulheres são apenas 30% dos funcionários nessas empresas”, diz. “Em cargos técnicos, diretamente ligados à tecnologia, esse número diminui. No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, elas representam apenas 20% dos mais de 580 mil profissionais da área de tecnologia da informação.”

 

Nas universidades não é diferente. Malucelli cita o Anita Borg Institute (ABI), criado nos Estados Unidos, para ajudar a aumentar a participação de mulheres na tecnologia, segundo o qual elas representam apenas 18% dos estudantes de todos os cursos de ciência da computação naquele país.

 

“No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep, ligado ao Ministério da Educação), as mulheres representam 15% dos matriculados em cursos de tecnologia”, completa.

 

Ainda de acordo com Malucelli, um gráfico, publicado no dia 8 de março pelo The Statistics Portal, que reúne estudos e estatísticas de mais de 22.500 fontes, baseado em relatórios de diversas empresas de TI, indica que as mulheres representam entre 26% (Microsoft) e 43% (Netflix) da força de trabalho nas principais empresas da área.

 

“Além disso, o estudo Women in Tech 2018, publicado pelo portal americano HackerRank, mostra que dos 14.616 desenvolvedores de software que responderam à pesquisa, pouco mais de 10% eram do sexo feminino”, acrescenta Malucelli.

 

Estereótipos

 

Os motivos para esse afastamento têm sido pesquisados e discutidos ao longo dos anos e estão fortemente relacionados com estereótipos. “Após 1984, foram lançados os primeiros computadores com materiais de divulgação voltados para o público masculino, começando, assim, um desinteresse das mulheres”, diz.

 

Simone Souza levanta outra possível causa para a queda do número delas no mundo da informática. “Quando surgiram, os computadores pessoais foram primordialmente utilizados pelos meninos, voltados para os jogos”, explica.

 

De acordo com ela, as meninas nessa época não eram incentivadas a interagir com essas máquinas e, por isso, começaram a se afastar de áreas relacionadas à computação. “Outra razão que acredito ser importante para a baixa procura pelos cursos de informática pelas meninas é o pouco incentivo que é dado a elas para a área de exatas nos ensinos fundamental e médio”, acrescenta.

 

A pesquisadora Eliane Pozzebon, coordenadora do curso de Engenharia da Computação da Universidade Federal de Santa Catarina, lembra que, nos anos 1970, a área de informática não era tão valorizada – as máquinas tinham pouco processamento e memória. “O trabalho com os computadores era braçal e repetitivo, então acabava sendo realizado mais por mulheres”, explica.

 

Mas, para ela, o afastamento do sexo feminino dessa área não é exclusivo de um período.

 

“Há também a questão cultural”, diz. “Desde a nossa infância, os pais preferem bonecas para as meninas e videogames para os meninos. A figura do nerd sempre esteve associada ao menino.”

(Fonte: https://universa.uol.com.br/noticias/bbc/2018/04/13 – NOTÍCIAS – INSPIRA / Por Evanildo da Silveira – 13/04/2018)

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