Foi o primeiro popstar da história, protagonizou o primeiro grande culto à celebridade e foi também a primeira vítima de cancelamento

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Lord Byron: o poeta endiabrado que foi o primeiro popstar da história

Com sua vida regada a sexo, drogas e poesia, o inglês foi um titã do romantismo e, como atesta nova coletânea, um pioneiro da indústria da fama

ESTRELA - O poeta, retratado no auge: de celebridade a vítima do cancelamento  (Hulton Archive/Getty Images)

 

 

Aos 12 anos, o jovem James Joyce apanhou na escola ao defender que George Byron (1788-1824) era o maior poeta inglês. Seus colegas eram do time Alfred Tennyson. A cena, real, foi incorporada ao livro Retrato do Artista Quando Jovem, de Joyce, e ilustra bem as paixões que Lord Byron despertava em seus fãs e detratores: era uma rinha na base do ame-o ou odeie-­o. Muito antes de a atriz francesa Sarah Bernhardt (1844-1923) se tornar a “primeira celebridade” ou os Beatles consolidarem a indústria cultural, Lord Byron já era um fenômeno pop. Jovem, bonito, sedutor, ótimo orador e, acima de tudo, excelente poeta, ele reinou quando a poesia ainda era o gênero preferido entre os leitores — a prosa só ocuparia o posto maior das letras a partir de 1830. Influencer nato, recebia (e respondia a) cartas de fãs, era abordado nas ruas, sua imagem ilustrava jornais e revistas da época.

 

A figura de dândi excêntrico ajudava, e muito, nessa aura. Sua breve vida — morreu aos 36 em decorrência de um “tratamento” com sanguessugas para aliviar uma febre — foi intensa. Viajou muito, bebeu demais, entupiu-se de ópio — e transou à beça. Bissexual, Byron partia corações e se relacionou com centenas (mais de 250 apenas em um único ano em Veneza) de homens e mulheres. Viveu, enfim, o pacote completo da celebridade que morre cedo. Nome pivotal do romantismo europeu, Byron ganha uma coletânea à altura da sua grandeza e complexidade em Byron — Poemas, Cartas, Diários &c. O livro, organizado e traduzido pelo poeta brasileiro André Vallias, traz uma breve biografia comentada do autor em sua introdução. Os poemas (em versões bilíngues) são apresentados em ordem cronológica e entremeados de trechos de cartas e diários. O resultado é um excelente panorama da obra de um artista fascinante. “Sempre achei interessante criar respiradores para as pessoas terem um pouco mais de visão do ambiente em que esses poemas foram criados”, disse Vallias a VEJA.

A opção por uma edição caleidoscópica mostra-se acertada quando se nota que a poesia de Byron é indissociável de sua “vida loka”. Nascido em Londres e filho de um capitão inglês apelidado de Mad Jack, Byron mal conheceu seu pai: não tinha nem 3 anos quando ele morreu, atolado em dívidas. Sua mãe, Catherine Gordon, teve de voltar à Escócia natal para criá-lo. Até os 10 anos, Byron teve uma infância pobre — mas o destino lhe sorriu. Seu tio-avô John Byron morreu sem deixar herdeiros e seu título de nobreza foi transmitido ao familiar homem mais próximo. George Byron tornou-se, assim, o sexto Lord Byron, distinção que lhe garantiu acesso ao Parlamento britânico, crédito na praça e imunidade à prisão por dívidas. Uma dádiva para um contumaz perdulário.

 

A publicação do longo poema Peregrinação do Infante Harold o transformou em estrela. “Acordei de manhã e me encontrei famoso”, escreveu em seu diário em 10 de março de 1812. Mas, ao menos na Inglaterra, a fama foi efêmera. “Ele protagonizou o primeiro grande culto à celebridade e foi também a primeira vítima de cancelamento”, diz Vallias. Quando suas muitas provocações e ironias ficaram explícitas, os críticos passaram a bombardear sua obra. Em 1816, ele deixou a Inglaterra execrado e nunca mais voltou. Seus fãs fora da ilha britânica — nomes como Goethe, Dumas, Stendhal, Marx, Victor Hugo e Álvares de Azevedo — se encarregaram de perpetuar sua poesia. Aos seus mais de 200 biógrafos coube a tarefa de eternizar uma alucinante história de vida. Mais de 200 anos após sua morte, seus poemas seguem sendo lidos e traduzidos até hoje. O primeiro popstar a gente nunca esquece.

(Créditos autorais reservados: https://veja.abril.com.br/cultura – VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935 – CULTURA/ Por Diego Braga Norte – 15 mar 2025)

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