A eterna busca da liberdade
Raul Pilla (Porto Alegre, 20 de janeiro de 1892 – Porto Alegre em 7 de junho de 1973), libertador e revolucionário, obstinado defensor do parlamentarismo, intransigente fiscal das liberdades públicas e patriarca do Partido Libertador. Médico, jornalista, professor e político brasileiro, nascido em Porto Alegre. Diante de seu esquife passaram poderosos de todas as épocas. Veio o caudilho João Batista Luzardo, que em 1923 combateu ao lado de Pilla contra a ditadura pessoal do governador Borges de Medeiros e que a partir de 1930 se ligou a Getúlio Vargas, em quem o antigo aliado nada via além de “um ditador por vocação”. Chegou também o ex-governador Walter Peracchi Barcellos, eleito em 1966 depois da morte do PL e do extermínio político da maioria oposicionista que teria eleito o jurista Ruy Cirne Lima, candidato de Pilla.
Pequeno e verdadeiro – Evidentemente, precisou da ajuda do tempo para demonstrar suas qualidades, pois, em 1932, quando resolveu apoiar a Revolução Constitucionalista, perdeu a cadeira de professor em Porto Alegre. E quando o interventor Flores da Cunha tentava conseguir sua anistia junto a Getúlio Vargas, o presidente mostrava uma opinião bastante primária a respeito do adversário que o combatia do Uruguai, no exílio. Negava o perdão, inclusive porque, segundo ele, o ex-professor “anda agora difamando seu país no estrangeiro”.
Mesmo enfrentando Vargas e todos os seus seguidores, Raul Pilla não precisou assentar sua biografia política nas estacas invisíveis das conspirações. Foi um dos fundadores do PL, “partido pequeno, porque verdadeiro. Partido verdadeiro, porque pequeno”*, e, com sua legenda, defendeu, por toda a vida, a instalação no Brasil de um regime parlamentarista. Nessa tarefa tornou-se monocórdico. A cada legislatura, reeleito, reapresentava sua emenda à Constituição. Investia sobre o que considerava uma “democracia raquítica e enfezada” e perguntava: “Estamos preparados para o presidencialismo? Mais de setenta anos de uma desastrosa experiência demonstram que não o estamos e nunca estivemos”. Apesar de suas longas argumentações, graças às quais conseguiu algumas dezenas de conversões, a vida de seu sonho terminava quando, depois da votação, o autor era elegantemente aplaudido e, a emenda, respeitosamente arquivada. No ano seguinte, começava tudo novamente.
A mulher nua – “Falava-se em escassez de leite, e lá vinha o Pilla com a emenda parlamentarista. Se aparecia um problema, vinha ele ao lado com suas ideias parlamentaristas”, lembra Prudente de Moraes Neto, que o conhecera e aprendera a admirar quando a Câmara funcionava no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro. “Foi um dos homens mais dignos que conheci na vida. Certa vez sofri o remorso de tê-lo magoado porque o comparei ao estudante que, perguntado pelo professor que situação lhe lembrava um lenço branco sendo acenado, respondeu que era ‘uma mulher nua’, pelo pelo simples fato de que só pensava em mulher nua. O parlamentarismo era a mulher nua de Pilla, que se zangou com a piada.”
De fato, a severidade dos costumes do político gaúcho, sempre equipado com dois aparelhos de surdez através dos quais, controlando o volume, controlava também o aborrecimento de ouvir maus discursos, parece ter deixado uma sólida fama na geração de parlamentares com que conviveu. “Ele era tão puro que, de todos os meus colegas no Congresso, foi o único que nunca vi olhando para as pernas de uma secretária”, lembra o ex-senador Afonso Arinos de Mello Franco. “A melhor definição para ele seria a de um cristal puro. Filho de imigrantes italianos**, com os olhos azuis, sem um pingo de sangue português ou negro, não tinha o menor traço tropical. Ele nunca entendeu esse estilo de vida.”
A grandeza de Pilla, porém, não está na sua obstinação parlamentarista, pois, de uma forma ou de outra, todos os libertadores são parlamentaristas e nem tantos chegam a ser grandes. Como também não está na gentileza, pois tão gentil quanto ele certamente o foi, no Congresso, o deputado Raymundo Padilha. E sua estatua também não pode ser medida pela honradez, pois, igualmente franciscano em questões de moralidade, o deputado Daniel Faraco não haverá de lhe ocupar o lugar.
Segurança e contradição – Na verdade, não se deve confundir licenciosidade com coisa alguma. E 81 anos de vida mostraram que Raul Pilla sabia, ao mesmo tempo, o que era liberal e o que era licencioso. Por isso, se permitia dizer, em 1949, durante a discussão do projeto de lei de segurança nacional apresentado pelo governo Dutra: “O Estado precisa defender-se das arremetidas de seus inimigos. Mas se o Estado, que é o poder, não se defende pelo normal exercício das suas faculdades e necessita de recursos extraordinários, é que já não tem, ou não merece, defesa. São os Estados doentes, os Estados avariados, os Estados degenerados os que sentem a necessidade de remédios heroicos. Quase não há dia em que os jornais não relatem uma violação dos mais elementares direitos individuais, ocorrida, não no remoto sertão, mas na própria capital da República. E é justamente quando tão débeis e desamparados se encontram os cidadãos em face do Estado, que se cuida de reforçar o Estado em face dos cidadãos? Haverá coisa mais contraditória que esta?”
Liberalismo, segurança, desenvolvimento, democracia e democracias dos mais diversos tipos e ocasiões efetivamente fazem parte do grande receituário da ciência política. E, como ela tem o nome, mas carece de mecanismos científicos de verificação, podem-se aceitar combinações estranhas, contradições de efeito e, até mesmo, novos jargões.
Contudo, certas malversações teóricas só conseguem ser absorvidas por falta de conhecimentos ou de qualidade na fé. Diante delas, Pilla foi orgulhosamente impermeável. Seu comportamento demonstrava que, para ele, o centro da posição liberal não estava na complicada montagem de um regime, mas na simples defesa dos direitos e das liberdades individuais do cidadão.
Perdeu-se um revolucionário – Hoje, pela força das circunstâncias, o liberalismo é combatido no Brasil como se fosse o Cavalo de Tróia, em cujos intestinos passariam pelas muralhas os inimigos da nação. Contudo, dois dos maiores liberais, Campos e Pilla, mostraram solene desprezo pelas suspeitas e foram para casa. Outros, mais cautelosos, foram para cargos que exigem silêncio permanente ou fizeram votos de silêncio provisório. Muitos, num ardor de liberalidade, para não perder boas chances, entraram no grande vagão da fase de transição. O resultado dessa baldeação certamente haverá de se refletir sobre a tão criticada qualidade dos políticos brasileiros.
No ataque cego ao liberalismo entram, no mesmo saco, liberais do passado como Winston Churchill, e Neville Chamberlain, o elegante pluvimaníaco que conseguiu chegar a um entendimento razoável com o chanceler alemão a respeito da questão dos Sudetos depois de longas conversações em Munique. Os dois eram liberais. O segundo estava pondo em risco a segurança de seu país. O primeiro, com opiniões diversas, mas dentro do mesmo regime, ajudou a salvá-lo. Acima de ambos, porém, não faltavam ideológicos do fim do liberalismo na Inglaterra, na Europa e no mundo.
Assim, como os liberais não estão em busca da licenciosidade, nem da lassidão dos costumes e nem da anarquia política, mas sobretudo da garantia fundamental dos direitos individuais, Raul Pilla não é um liberal de quem seus adversários se viram livres. É um revolucionário perdido. Como também é um revolucionário em recesso o senador que diz: “Eu aceitei um compromisso de passar um período sem falar”.
Será uma iniquidade – Poucos políticos brasileiros ficaram com o prestígio incólume depois de 1964, quando se verificou que, em 1947, haviam votado contra a cassação dos mandatos dos parlamentares comunistas. Pilla foi contra, mas ninguém ousou duvidar de seu caráter e muito menos de seu anticomunismo. Inclusive porque, em 1963, quando para ele “Mefistófeles parecia dominar a cena”, advertiu: “Comunismo e governo já não se podem facilmente distinguir, nem separar”. Como revolucionário, foi severo na crítica aos atos do movimento. Quando soube que se cogitava, em 1966, da cassação dos mandatos dos deputados Paulo Brossard e Honório Severo, escreveu uma rápida carta ao marechal Humberto de Alencar Castello Branco, onde, depois de colocar todas as expressões formais e sinceras de respeito, lembrou que, se o ato fosse praticado, “cometeria a Revolução uma clamorosa iniquidade”. Se a cassação era provável ou não, jamais se saberá.
Sua despedida do Congresso foi bem menos cautelosa que a de Milton Campos, um moderado por temperamento. E em março de 1966 proclamava: “Definitivo é o ostracismo que agora começa e eu não devo, nem posso evitar. Em 1937. ao estabelecer-se o Estado Novo, diferentes eram as minhas condições. Contava eu 45 anos de idade e tinha muito tempo pela frente. Excluído da vida pública por meu inconformismo, dediquei-me inteiramente à cátedra, de que eu, aliás, não descurara. Podia então esperar que passasse a onda totalitária; e confiantemente esperei”. E terminou o discurso dizendo: “Lamento-o, mas já nada posso fazer, nem sequer esperar, que é o derradeiro recurso do homem”.
Certamente, sem o direito de esperar, Pilla estava encaminhado à solidão. Esperar fora sua arma. Graças a ela, aos sessenta anos, num entreato de concerto do Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, reencontrara, viúva, a antiga namorada, Ester Olinto de Oliveira, sua paixão de toda a vida. Seis meses depois, casavam-se.
Este mundo louco – Mas depois de 1965, com a morte da esposa, começou todo seu desencanto. Marchou para o ostracismo. Aos poucos, a própria saúde o impedia até mesmo de receber homenagens. Por isso, em 1970 não pode comparecer à cerimônia de distribuição das comendas da Ordem do Mérito Militar, na qual fora agraciado no grau de grande oficial. E no Natal daquele ano, escrevendo ao amigo Esper de Paula, lembrava: “Aos 79 anos de idade, a minha letra atual diz tudo: estou aposentado para todos os efeitos. Devo cuidar do outro. É evidente que deixo de parte este mundo louco. Neste não posso durar muito. Esta é a visão de um octogenário. Os mais moços devem ter outra diferente. Ai do mundo se assim não fosse”.
Aos 81 anos, de gripe, Raul Pilla morreu no dia 7 de julho de 1973. Desde 1965, quando perdera a esposa Ester, por cujo amor esperara, solteiro, dos dezoito aos sessenta anos, tornara-se “um solitário em qualquer lugar”. Desde 1966, quando, diante das cinzas de seu bravo Partido Libertador, julgou que não tinha “como nem por que continuar representando a melancólica farsa da representação neste regime”, retira-se da política. Nela, durante mais de meio século, desenhou um dos mais nobres perfis da República brasileira. Partiu sem ilusões nem esperanças, convencido de que, “agora, nada mais, ou pouco mais, posso fazer. O tempo é contra mim”.
Durante sete anos viveu em seu apartamento da elegante avenida Independência, em Porto Alegre, onde amigos fiéis se transformaram na plateia de seu ceticismo. E recentemente, quando o ex-deputado João Pereira Coelho de Souza, um de sus mais íntimos amigos, foi convidá-lo para tomar uma canja em casa, respondeu: “Não. Eu daqui só saio para fazer a grande viagem”.
E mesmo para a tão esperada viagem Pilla fez questão de manter seu nome distante das pompas oficiais. Metódico e persistente, ainda combateu. Por isso, depois de a notícia de sua morte tomar Porto Alegre, a família, polidamente, em seu nome, rejeitava os oferecimentos para que fosse velado no Palácio Piratini, sede do governo; no Palácio Farroupilha, sede da Assembleia Legislativa; ou no saguão da Faculdade de Medicina, onde fora catedrático de fisiologia.
Triches e Brossard – E, quando o caixão foi levado à sepultura, numa das alças da direita estava o governador Euclides Triches. Ao seu lado, numa das alças da esquerda, ia o ex-deputado federal Paulo Brossard de Souza Pinto, um dos discípulos prediletos do velho libertador, derrotado em 1972 pela Arena como candidato ao Senado. Triches certamente estava homenageando o grande político, mas não um correligionário de pleitos recentes, pois, numa carta ao jornalista Esperidião Esper de Paula, Pilla dissera: “Não sei predizer o resultado das próximas eleições no Rio Grande do Sul. Parece-me, porém, que, com o Medici, a situação da Arena, que como se sabe, era minoritária, melhorou bastante. Eu irei votar de acordo com as premissas estabelecidas nos seus discursos de despedida”. Votou em Brossard.
Como o senador mineiro Milton Campos, que também trocou o plenário do Congresso pela espera do fim em sua casa da província, Pilla, morto, esteve acima dos partidos, das paixões e até mesmo do tempo. Paradoxalmente, poucos políticos foram tão sectários, obstinados e intransigentes quanto ele. Por um conjunto de características pessoais, foi suficientemente fidalgo para não gerar inimizades estúpidas, articulado para não parecer exageradamente original e limpo para impedir que sua pequena bancada na Câmara dos Deputados perdesse a autoridade de que tanto necessitava.
O enterro da bandeira – Pilla, como Milton Campos, foi beatificado em vida mas, obrigado a pagar pelos pecados dos homens e por suas heresias, não conseguiu viver no paraíso de suas ideias. Por isso, enquanto em Porto Alegre, o último presidente do PL, Orlando da Cunha Carlos, dizia que “este caixão não vaiu amortalhado na bandeira do partido porque não a queremos enterrada, mas empunhada com galhardia”, em Brasília, no Congresso, refletindo uma tendência que não é exclusiva dos políticos, inúmeros parlamentares procuravam exaltar a memória de Pilla de forma que, poupando-se-lhe o sepultamento, fosse enterrada a bandeira.
“Com sua morte perde o país uma das suas figuras políticas mais expressivas, mas o liberalismo que Sua Excelência pregava está há muito tempo ultrapassado. E penso que não estou dizendo nenhuma novidade, pois o liberalismo do século XIX não existe mais, não só no Brasil como em todo o mundo”, dizia o senador Virgílio Távora. Opinando ao mesmo tempo sobre Pilla e suas ideias liberais, louvavam o personagem e lastimavam a doutrina. “Os princípios liberais sofrem agora restrições no tocante à segurança. O desenvolvimento, hoje, exige segurança”, acrescentava o deputado Elias do Carmo (Arena-MG), um ex-udenista e contemporâneo de Pilla no Palácio Tiradentes. “Um regime parlamentarista como o que foi definido por Raul Pilla é sempre possível. vige nas principais nações do mundo. Mas não mais como projeção do liberalismo superado e sim afeiçoado à democracia social”, informava o vice-líder da Arena, Cantídio Sampaio. “Seu espírito liberal, formado sob as aspirações do liberalismo francês, foi inteiramente superado pelas agruras e pela tecnificação contemporâneas”, arrematou o deputado Dail de Almeida (Arena-RJ). E, finalmente, numa comunidade política onde o todo poderoso presidente da Arena, senador Filinto Muller, anunciou, no início de 1973, que “o liberalismo morreu”, o astuto senador Dinarte Mariz (Arena-RN) esclarecia: “O liberalismo é um estilo de vida, não morre com um homem nem com uma geração. Não morre nunca. O problema é que não se deve confundir liberalismo com licenciosidade”. Raul Pilla inicia a grande viagem com a modéstia que marcou sua longa carreira de político liberal.
O Raul Pilla que está nos arquivos
A coerência de um político pode ser verificada nos seus velhos pronunciamentos. Alguns prefeririam que os arquivos da Câmara e do Senado fossem consumidos pelo fogo. Mas será neles que a nação haverá de compreender, para sempre, quem foi Raul Pilla. Abaixo estão alguns trechos de seus discursos mais significativos:
SOBRE AS ELEIÇÕES: Não, senhores deputados, a democracia não é somente eleição. É mais, e muito mais. Pode haver eleição sem democracia. É da História: muitos dos piores despotismos têm tido origem em eleições ou plebiscitos. Democracia é governo segundo a opinião pública. (Discurso de 4-6-1964 na Câmara dos Deputados.)
SOBRE A DEMOCRACIA: Democracia não é ditadura da maioria. Democracia, pelo contrário, é sempre uma conciliação entre maioria e minoria. (De um aparte, nos debates de 1947 em torno da criação da sublegenda eleitoral.)
SOBRE AS FORÇAS ARMADAS: Golpe de Estado, revolução, ditadura passaram, pois, a ser a nossa desgraçada lei. Mas, como golpe de Estado não se dá, revolução não se faz, ditadura não se estabelece sem a intervenção, sem o concurso decisivo, sem a própria iniciativa das Forças Armadas, segue-se que estas, irresistivelmente arrastadas no torvelinho das paixões e dos interesses políticos, se dividem e se contrapõem. (Discurso de 10-7-64.)
SOBRE O PODER PESSOAL: O poder pessoal é um tremendo tóxico psicotrópico que embriaga, vicia e pode chegar à demência. (Discurso de 24-8-66.)
SOBRE OS ASSESSORES: Os políticos, bons ou maus, foram excluídos da direção, embora alguns tenham funcionado como assessores do poder. Ignorará alguém o que seja um governo de assessores? Estes são conselheiros, mas conselheiros sem autoridade, nem responsabilidade, nem independência. Não respondem perante a nação, que muitas vezes os desconhece, mas ante o governante, em cujo desagrado não tem por que incorrer. Não aconselham, servem. Governo de assessores é, pois, o pior dos governos. (Discurso de 24-8-66.)
SOBRE A AMEAÇA DO AI-5: Se a Constituição atual tem uma acentuada inspiração autoritária e, ainda assim, se julga insuficiente, qual seria, então, a feição do reclamado Ato Institucional que viria substituí-la no todo ou em parte? Autoritário por sua mera origem, simples decreto, ainda mais autoritário seria ele por suas novas disposições. Já que as atuais se dizem insuficientes. (De sua última seção intitulada “Microscópio”, que era publicada no jornal “Correio do Povo”, de Porto Alegre.) O artigo é de 3 de novembro de 1968. O Ato foi promulgado no dia 13 de dezembro.
SOBRE A REVOLUÇÃO: Ora, está a meu ver mal posta a questão. Revolução é, por natureza, um estado transitório. Revolução permanente é contradição nos termos (…) Nenhuma revolução pode perdurar como tal, pois se transformaria num mal crônico e perigoso; pode perdurar, sim, pelos efeitos, bons ou maus, que tenha produzido.
Sendo assim, a revolução vitoriosa que se limita a mudar situações políticas, a substituir por outros os homens que estavam no poder, sem resolver o problema fundamental que a provocou e justificou, limita-se a dividir a nação entre vencedores e vencidos e a mantê-la assim dividida. Leva necessariamente a um beco sem saída. Afirmam os revolucionários, não sem razão, que não podem consentir volte o país ao império da corrupção e da subversão. E, por isso, a revolução tem de continuar. Reclamam os vencidos (e eles têm também razão) que, tendo sido uma revolução democrática a que se fez, a ela cumpre restabelecer plenamente a democracia, sob pena de desmentir-se, desvirtuar-se, desonrar-se. Como, pois, sair desta situação que, todos o sentem, não pode perdurar? (Do discurso de 17/8/65.)
SOBRE O CONGRESSO: Conquanto abafado, paralisado, humilhado pelo poder dos poderes, é ele a grande caixa de ressonância, onde chegam e tornam voz as aspirações nacionais. Oxalá não o esqueçam nunca mais os cidadãos desta malfadada República. (Discurso de 31/8/66.)
*O Partido Libertador, que controla através de legenda da Arena e do MDB, 37 prefeituras gaúchas, recebia 100 000 votos por eleição, entre 10 e 15 por cento do eleitorado. Não se pode afirmar que, depois da extinção dos partidos, tenham sobrevivido, nos seus sobreviventes, todos os seus princípios. De qualquer forma, foram, ou são libertadores: o vice-governador Edmar Fetter, o prefeito de Caxias, Mário Ramos, o procurador geral da República, Romeo de Almeida Ramos, o suprocurador geral da República Henrique Fonseca de Araújo, o ministro do Tribunal de Contas da União, Mem de Sá, e, entre outros, os emedebistas Paulo Brossard e Honório Severo, além do médico Carlos de Brito Velho. O PL conseguiu deitar raízes na Bahia, onde conquistou Otávio Mangabeira e elegeu suvessivamente o deputado Luís Viana Filho.
** Raul Pilla era o mais velho dos doze filhos do casal de imigrantes italianos Giuseppe Pilla e Giuditta Zenari. Nasceu no armazém dos pais, na avenida Independência, no mesmo local onde posteriormente foi levantado um edifício e ele adquiriu o apartamento 62.
(Fonte: Veja, 13 de junho, 1973 – Edição 249 – POLÍTICA – Pág; 20/24)
O papa do parlamentarismo
Raul Zenari Pilla (1892 – 1973), médico, jornalista, professor universitário e político, foi um dos mais destacados homens públicos gaúchos do século 20.
Filho de imigrantes italianos, Raul Pilla formou-se pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre (atual UFRGS) em 1915, onde também foi professor em vários momentos de sua vida. Foi como político que Pilla se destacou, marcando sua trajetória em especial pela defesa do sistema parlamentarista.
Opôs-se a Borges de Medeiros, aderindo ao movimento de Assis Brasil que o contestou pelas armas em 1923. Em 1928 foi um dos fundadores e o vice-presidente do Partido Libertador, no Rio Grande do Sul. Participou ativamente da Revolução de 30 e, depois, do movimento constitucionalista de São Paulo.
Quanto este foi derrotado, teve de exilar-se por dois anos no Uruguai e na Argentina. De volta, foi secretário de Agricultura na gestão de Flores da Cunha, de 1936 a 1937. Durante o Estado Novo, ao qual se opôs, afastou-se das atividades políticas (1937-1945). Sua pregação política lhe trouxe o apelido de “Papa do Parlamentarismo”.
Foi deputado estadual constituinte em 1946 e, depois, deputado federal. Jornalista militante, assinou colunas políticas nos jornais O Globo (do Rio) e Correio do Povo e Diário de Notícias (de Porto Alegre).
Raul Pilla faleceu em Porto Alegre em 7 de junho de 1973, aos 91 anos.
(Fonte: Zero Hora – ANO 44 – N° 15.258 – 7 DE JUNHO DE 2007 – Almanaque Gaúcho / Túnel do tempo / Por OLYR ZAVASCHI – Pág: 54)
Raul Pilla uma das mais destacadas lideranças políticas do Rio Grande do Sul, nasceu em Porto Alegre no dia 20 de janeiro de 1982, filho de José Pilla e de Jovina Zenani Pilla. Um dos maiores defensores do regime parlamentarista para o Brasil, Doutor em Medicina, Bacharel em Ciências e Letras, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, médico, jornalista e professor universitário e deputado estadual, com a saúde abalada por uma atrofia muscular e acometido de uma broncopneumonia faleceu aos 81 anos de idade no dia 07 de junho de 1973, e junto com ele também morreu um pouco da democracia do governo do povo pelo povo.
Carreira Política: Com apenas 17 anos, foi Secretário do Diretório Central do Partido Federalista em Porto Alegre em 1909. Posteriormente, afirmaria que se aproximou do partido influenciado pelas idéias de Apeles Porto Alegre, seu professor de história no Ginásio Julio Castilho, adepto do parlamentarismo, uma das principais bandeiras dos federalistas. Em 1922, quando o Partido Republicano Rio-Grandense – PRR pretendia reeleger para o governo do Rio Grande do Sul seu líder máximo, Antônio Augusto Borges de Medeiros para um quinto mandato, Raul Pilla atuou intensamente no movimento oposicionista a este domínio político apoiando Joaquim Francisco Assis Brasil na sua candidatura pela Aliança Libertadora. Raul Pilla participou também da Revolução Gaúcha de 1923 e juntamente com Assis Brasil, no ano de 1928 foi um dos fundadores e Vice-Presidente do PL Partido Libertador, no Rio Grande do Sul. Participou ativamente da Revolução de 30 no Rio Grande do Sul.
Depois do vitorioso movimento revolucionário, Getúlio Vargas assumiu o poder e designou alguns membros do PL para pontos na nova administração. Com a nomeação do então presidente do PL, Assis Brasil, para o Ministério da Agricultura, Raul Pilla assumiu a presidência do partido.
Embora o movimento revolucionário houvesse modificado a situação política que servira para aproximar os partidos gaúchos, o PL e o PRR consideravam necessária a manutenção da FUG (Frente Única Gaúcha, criada em 1929, com o objetivo de garantir a eleição de um gaúcho para a presidência da República) no delicado momento por que passava o país em 1929. Participou dos levantes ocorridos no Rio Grande do Sul em apoio ao movimento constitucionalista eclodido em São Paulo no ano de 1932. Derrotado o movimento, de 1933 a 1934, Raul Pilla exilou-se na Argentina e no Uruguai, após a anistia, elegeu-se Deputado Estadual Constituinte na legenda do PL (1937-1937). Foi também Secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul na gestão de Flores da Cunha de 1936 a 1937. Durante o Estado Novo, ao qual se opôs, afastou-se das atividades políticas (1937-1945). No contexto da redemocratização, integrou-se a Comissão de Orientação Política encarregada de elaborar os estatutos da UDN (União Democrática Nacional), tendo no entanto, abandonado o partido para tornar-se Presidente do PL Partido Libertador em 1945.
O Papa do parlamentarismo no Brasil, assim foi chamado Raul Pilla, que lutou sempre para realizar seu velho sonho, a instituição do Regime Parlamentar no Brasil e ao lado das teses e concursos deixou várias obras como: Catecismo Parlamentarista (1949), Votos e Pareceres, onde incluiu nelas seu notável estudo sobre a Língua Portuguesa, o Sistema Parlamentar na Constituição do Império, Presidencialismo ou Parlamentarismo (1958 em colaboração com Afonso Arinos), O Professor e a Medicina (1961), Despedindo-se da Velha Faculdade (1961) e a Revolução Julgada à Crise Institucional, reunindo seus últimos discursos parlamentares, Raul Pilla médico, jornalista e professor, foi essencialmente um político apóstolo da parlamentarista.
Carreira Profissional: Raul Pilla se formou médico pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre, RS em 1915. Na mesma faculdade foi professor interino de Patologia 1917 e ainda livre-docente de Fisiologia em 1926. Durante o Estado Novo, após um período de intensa atividade política, retornou as atividades docentes na Faculdade de Medicina de Porto Alegre (1937-1945).
Exerceu o jornalismo no seu Rio Grande do Sul e foi colaborador de diversos periódicos no Estado.
Durante o funcionamento da Constituinte de 1946, manteve colunas políticas regulares em O Globo, no Rio de Janeiro, no Diário de Noticias (do qual foi um dos fundadores, em 1925) e no Correio do Povo, de Porto Alegre. Além disso, publicou: O som no tratamento da surdez (tese de doutorado, 1916); Da correlação de funções (1925); Funções da linguagem (1926); Concepção filosófica da Medicina (1938); e Linguagem médica (1942).
Bibliografia (Fontes):
* Braga, Sérgio Soares. Quem foi quem na Assembléia Constituinte de 1946. Brasilia, Camara dos Deputados, 1998.
* FGV, Dicionário Histórico – Biografico Brasileiro 1930-1983. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1984.
* Raul Pilla, Catecismo Parlamentarista – Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 1949.
* Acervo da Escola, 1992.
(Fonte: raulpilla.br.tripod.com)