Raymond Loewy, pioneiro do desenho industrial
Raymond Loewy: o grande designer do século XX
Raymond Loewy (Paris, 5 de novembro de 1893 – Monte Carlo, em Mônaco, 14 de julho de 1986), o mestre do desenho industrial. O mais renomado desenhista industrial americano. Considerado o inventor da profissão de desenhista industrial, Loewy nascido na França e naturalizado americano. Depois de ter servido no Exército francês na I Guerra Mundial, resolveu fazer a América e desembarcou em Nova York, em 1919, vestindo seu uniforme de capitão – o traje mais apresentável que possuía – e com 50 dólares no bolso. Sua vida extraordinária cobre um arco que vai das experiências de Santos Dumont, nos primórdios da aviação, ao supersônico Concorde. Em Santos Dumont, a quem viu em Paris, ele se inspirou para forjar sua primeira criação, um aviãozinho de brinquedo impulsionado por um elástico. Loewy tinha apenas 15 anos, e o sucesso de vendas da engenhoca foi tão grande que lhe permitiu custear os estudos até a formação como engenheiro. Já multimilionário e célebre, na década de 70, ele foi convocado para conceber vários detalhes do interior do Concorde. É dele, por exemplo, o design dos talheres de bordo, mais tarde adotados pela companhia Air France para outros de seus aviões.
Um francês naturalizado americano, deixou sua marca no século XX como poucas pessoas o fizeram. Não há um canto no mundo – que não tenha um dos objetos, logotipos ou embalagens criados por Raymond Loewy, o homem que fundou a profissão de desenhista industrial.
Radicado nos Estados Unidos a partir de 1919, onde começou trabalhando como desenhista de moda, Loewy foi um dos arquitetos do “american way of life” – a ponto de ser incluído em 1967 pela revista Life entre os 100 principais marcos da História do país a partir de 1767. Participou do sucesso econômico dos Estados Unidos e foi um dos responsáveis pela entrada dos artigos de massa no mercado, tornou-se, através de seu trabalho, um cidadão do mundo.
FORA DOS TRILHOS – A trajetória de Raymond Loewy – que acompanhou o nascimento do carro, do telefone, do avião, da lâmpada elétrica e da televisão – se confunde com a do consumo no século 20. Antes dele, os trens, eram monstrengos de ferro e madeira assustadoramente desproporcionais – até que Loewy assinou contrato com a Pennsylvania Railroald, em 1933, e decidiu testar na prática sua tese de que “um veículo aerodinâmico bem desenhado dá uma impressão de velocidade mesmo quando está parado.” Com isso, ele tirou os velhos trens dos trilhos e inaugurou uma era. As linhas duras, sempre retas, e os adereços inúteis desapareceram. As formas arredondadas e o desenho predominantemente horizontal (e não mais vertical) produziram a estética da velocidade. Nunca mais os trens foram os mesmos.
AGULHA E OVO – Avesso às teorias Raymond Loewy forjou toda sua obra numa única palavra: simplicidade. Imbuído da missão de simplificar tudo o que via à sua frente, ele desenvolveu um método peculiar de cobrar as criações para seus clientes. Diante de produtos grosseiros, de forma exageradas e detalhes inúteis, Loewy pedia pouco dinheiro – sabia que qualquer tipo de mudança num objeto assim resultaria em aplausos.
Já para trabalha em cima de linhas bem-acabadas, quase perfeitas, ele exigia fortunas. “Se algum dia me pedirem para desenhar um novo modelo de agulha de costura, não pedirei menos do que 100 000 dólares”, dizia. Além da agulha, Loewy citava o ovo de galinha como uma peça de design ideal.
A consolidação de Raymond Loewy na cultura americana e, a partir daí, no dia-a-dia de consumidores do mundo inteiro, teve dois momentos decisivos. Nos anos 30, quando os Estados Unidos amargavam a depressão econômica e os empresários se atiravam do alto dos edifícios porque não havia quem comprasse seus produtos, Loewy percebeu que uma boa dose de criatividade – e lirismo – poderia ter uma enorme aceitação. Teve. A geladeira Coldspot é o grande exemplo de produto da era da depressão que passou por um banho de Loewy e vendeu como água.
O segundo momento exponencial do desenhista foi o período do pós-guerra, o reinado do american way of life. Os americanos, que passaram os anos da guerra economizando matéria-prima e investindo em armamentos, recebiam de volta os soldados heróis – e famílias inteiras perceberam que os Estados Unidos tinham saído do conflito ainda mais fortes do que haviam entrado. Para incrementar a euforia, nada como consumir. E para consumir, nada como um produto bonito. Melhor ainda se ele tivesse a marca Loewy. Nas telas do cinema e da televisão que nasciam, Loewy mostrava seus automóveis, porcelanas, geladeiras, aspiradores de pó. Um delírio.
Entre a recessão econômica e a euforia do american way of life, Raymond Loewy aproveitou os dias amargos da guerra para exercitar sua arte de consumo popular. Ao contrário dos arquitetos europeus, ou de formação europeia, Loewy fazia poucas considerações intelectuais. O que o preocupava era apenas a noção de elegância e de conforto. Dono de uma extraordinária visão futurista, Loewy colaborou inclusive na concepção interna de naves espaciais da Nasa, como a Skylab. Trem, carro, aviões (Concorde e Douglas), foguetes – Loewy era fascinado pelos meios de transporte e, em todos colocou sua mão.
CRIAÇÃO ECUMÊNICA – Há inúmeras outras concepções de Loewy espalhadas pelo mundo, mas principalmente nos Estados Unidos, para cujos ares futuristas ele contribuiu decisivamente, em sintonia com uma indústria que não conhecia limites para seus horizontes. Encomendado a ele pela cadeia de lojas Sears, o desenho da geladeira Coldspot, lançada em 1934, representou um marco na história da indústria. Pela primeira vez um eletrodoméstico destacava-se dos concorrentes em função da estética. “Entre dois produtos de igual qualidade, venderá mais o que for mais bonito”, era uma das lições de Loewy. Hoje ela parece banal. Mas no começo, quando ele abriu seu escritório de desenho industrial, em 1929, tratava-se de um conceito em geral visto como fútil e sem muito sentido prático pelos industriais. Sucessos como o da Coldspot – ou do desenho que ele concebeu para os maços do cigarro Lucky Strike – impuseram o ponto de vista de Loewy de tal forma que ele se orgulhava de não precisar sair em busca de clientes. Os clientes é que o procuravam.
Ecumênico, Loewy serviu tanto à Shell – para quem melhorou o símbolo da concha e desenhou os uniformes dos empregados dos postos, no começo da década de 70 – quanto à Standard Oil, que na mesma época o encarregou de encontrar um nome que substituísse a marca Esso. Loewy inventou a marca Exxon e o símbolo que a acompanha, com os dois x bem destacados. Outra proeza sua foi ter desenhado o interior da nave Skylab. Sua preocupação principal foi com o bem-estar dos astronautas, providenciando cadeiras confortáveis e, até, que fizessem as refeições sentados uns de frente para os outros.
“Ele tem um olho na estética e outro na caixa registradora”, dizia-se frequentemente de Loewy. Era uma verdade que ele próprio confirmava. “A coisa mais bonita que conheço é a curva ascendente num gráfico de vendas”, disse, certa vez. Na realidade, Loewy não criou sozinho o design, algo que na Europa, por exemplo, principalmente por meio da escola alemã da Bauhaus, teve uma evolução diferente – mais utópica, menos utilitária e frequentemente atacada de má consciência em sua associação com a indústria. Loewy não teve má consciência alguma em relação a vender e fazer dinheiro – sem dúvida, o motivo básico pelo qual sua obra se confundiu tanto com o cotidiano da vida do século XX.
Entre a atual garrafa da Coca-Cola e o interior da estação orbital americana Skylab, passando pela concha da Shell e as formas revolucionárias do automóvel Studebaker de 1953, o que há de comum é que todos são símbolos do século XX – tanto quanto um quadro de Picasso, a televisão ou a divisão do mundo entre comunismo e capitalismo. Há outra coisa em comum. Tanto a concha da Shell, o Studebaker, a Skylab quanto centenas de outros objetos e marcas da vida contemporânea – as geladeiras Frigidaire, por exemplo, ou os logotipos do Correio americano, da Armour e da Formica, com a ponta do “F” cobrindo o resto da palavra – saíram da mesma mente: a de Raymond Loewy, o inventor da profissão de desenhista industrial.
É seguro que Loewy ajudou a acalentar o sonho americano – e de tantos outros cidadãos ao redor do mundo. Suas embalagens, seus logotipos e seus objetos são a marca registrada do século 20. Venceram a depressão e a guerra e ainda deram margem a um tipo com um bom humor que fazia Raymond Loewy soltar pérolas como esta: “Cada vez que vejo uma fotografia de Freud, pergunto-me como um homem que passou a vida estudando o sexo podia ter um ar tão triste.”
Ao morrer, dia 14 de julho de 1986, em Monte Carlo, em Mônaco, na respeitável idade de 92 anos, Loewy deixou atrás de si uma obra que se confunde com a paisagem do século. “A feiura não vende”, dizia Loewy. Até hoje, essa é a frase mais citada de um aventureiro.
(Fonte: Veja, 23 de julho, 1986 Edição 933 Datas Pág; 99 – CULTURA/Marca do século – Pág; 93)
A marca do século
O melhor de Raymond Loewy: o genial pioneiro do design americano
(Fonte: Veja, 8 de agosto, 1990 ANO 23 – Nº 31 – Edição 1142 ARTE/ Por Fábio Altman, de Paris – Pág; 94/96)