Realizou estudos pioneiros sobre a sexualidade humana

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A estatística do orgasmo

Alfred Kinsey (Hoboken, 23 de junho de 1894 – Bloomington, 25 de agosto de 1956), zoólogo e cientista americano que desbravou a pesquisa sobre sexo – mas não entendia muito de emoções.

“Doutor Sexo” – assim ficou conhecido Alfred Kinsey, o zoólogo americano que, do fim da década de 30 até a morte, em 1956, realizou estudos pioneiros sobre a sexualidade humana. A pesquisa que ele conduziu com afinco ao longo de todos esses anos levou-o às principais cidades e a muitos grotões dos Estados Unidos, em busca de entrevistados das mais variadas classes e profissões – de prostitutas a donas de casa, de cafetões a professores universitários – que se dispusessem a falar, sob sigilo, de sua vida sexual.

Kinsey e seus colaboradores coletaram cerca de 18 000 entrevistas, no que é até hoje o maior levantamento já feito sobre o comportamento sexual humano. Das tabulações elaboradas a partir desses dados massivos surgiram dois livros, Comportamento Sexual no Macho Humano (1948) e Comportamento Sexual na Fêmea Humana (1953), que causaram alguns escândalo na época.

Em um momento especialmente grotesco da história, Kinsey e seus pesquisadores montam uma operação gigantesca para filmar 1 000 homens enquanto se masturbam, com o objetivo de estudar a fisiologia da ejaculação. Diante desse espetáculo onanista, John Milk, o (fictício) colaborador de Kinsey que narra a história, faz uma constatação melancólica: “É um erro pensar que a pesquisa sexual é estimulante.”

O retrato ficcional de Kinsey feito é em tudo congruente com o que se sabe sobre o personagem real: um cisntista obssessivamente devotado ao seu objeto de estudo. E, ao mesmo tempo, um doutrinador, quase o guru de uma seita profana.

Kinsey desejava liberar homens e mulheres do que considerava hipocrisia. Em grande medida, tinha razão: em seu tempo, a homossexualidade e até o sexo oral entre um homem e uma mulher legalmente casados poderiam ser julgados como crime. Sua concepção dura e fria da sexualidade, porém, criou novos estigmas: recato, pudor, ciúme e, no limite, até o amor monogâmico eram, no prontuário do Doutor Sexo, marcados como sintomas de “repressão”. Livre de constrições sociais e religiosas, acreditava ele, o “animal humano” seria pansexual.

Para garantir a fidelidade a esse credo, Kinsey tornara o sexo prática obrigatória entre seus colaboradores próximos. Até sua mulher, Clara McMillen (Mac para os íntimos, e como eram íntimos!), praticava sexo com os integrantes do grupo de pesquisa.

Kinsey é, como se esperava de desbravadores e vanguardistas, um monólito de certezas e dogmas. O
jovem Milk, de outro lado, é um poço de inseguranças. Encantado pelo irresistível carisma do professor que o recrutara na Universidade de Indiana, o jovem pesquisador se deixa levar para todo lugar – inclusive para a cama: Kinsey era bissexual. O foco de tensão da história é Iris, mulher de Milk. Ela tem pouca ou nenhuma simpatia pelas ideias e pela pessoa de Kinsey. É talvez por desforra que ela acaba se envolvendo com Purvis Corcoran, outro pesquisador da equipe – mas o que deveria ser só sexo casual acaba ganhando imprevistas e indesejadas repercussões emocionais. Kinsey interfere nesses relacionamentos com o espírito autocrático do líder que delibera não só sobre o trabalho, mas também sobre a vida privada de seus liderados. As tensões acumulam-se lentamente ao longo da narrativa, até explodirem durante uma espécie de experimentação em sexo grupal que constitui o ápice do relato.

Kinsey escandaliza os vizinhos ao trabalhar em seu jardim só com uma diminuta tanga cor de pele. O cientista é retratado objetivamente em toda a sua feroz intransigência. Ao mesmo tempo, porém, sob o olhar ingênuo de Milk, ele aparece como um herói, um deus. O homem que só queria saber de sexo ganha um retrato amoroso.

(Fonte: Veja, 17 de julho de 2013 – ANO 46 – N° 29 – Edição n° 2 330 – LIVROS/ Por Jerônimo Teixeira – Pág; 104/105)

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