Richard Joseph Daley (Chicago, 15 de maio de 1902 – Chicago, 20 de dezembro de 1976), político americano que foi o prefeito de Chicago – a terceira maior cidade americana por 21 anos, de 1955 até 20 de dezembro de 1976.
Na verdade, Daley era um raro espécime na política americana. Ele não encarnava apenas a figura do prefeito eterno da cidade, o patrão absoluto de um dos maiores conglomerados urbanos do mundo. Ao mesmo tempo, a máquina eleitoral que tinha nas mãos fazia e desfazia governadores e ocupantes de outros postos em seu Estado – Illinois. E era decisiva para o sucesso ou fracasso dos aspirantes à candidatura à presidência pelo Partido Democrata, ou para o bom desempenho do candidato do partido nas eleições presidenciais.
“Grande amigo” – Em 1960, por exemplo, o prefeito de Chicago lançou-se de corpo e alma na campanha de John Kennedy, filho de um seu velho amigo e, como ele, descendente de irlandeses, o patriarca Joseph Kennedy. Em 1964 ficou com Lyndon Johnson. E em 1968, durante aquela convenção de que foi o anfitrião e que acabaria marcada por feéricas batalhas campais entre manifestantes e a polícia (vivia-se o auge dos protestos contra a guerra do Vietnã), Daley foi um dos cérebros que, nos bastidores, arquitetaram a candidatura do senador Hubert Humphrey.
Em 1972, o prefeito de Chicago sofreria a maior humilhação de sua carreira política, ao ser vigorosamente rejeitado pelas forças ultraliberais do senador George McGovern. Daley e a delegação de Illinois, como sempre sob sua chefia, foram até mesmo impedidos de ingressar no recinsto da convenção democrata, em Miami. Por atitudes como essa, porém, McGovern acabaria perdendo o apoio de setores importantes do Partido Democrata – um erro que Jimmy Carter, quando chegou a sua vez, soube evitar. Com efeito, Carter não deixou de, como é devido, cortejar Daley. No dia 20 de dezembro, ao saber de sua morte, o presidente eleito lamentou a perda de “um grande e bom amigo” – e em seguida correu para participar do enterro, em Chicago.
Mortos nas urnas – Filho de um funileiro, nascido num bairro pobre de Chicago, onde moraria até o fim de sua vida, Daley montou sua poderosa máquina de fazer votos graças, basicamente, aos extremos a que levaria sua absoluta falta de distinção entre a administração pública e a política eleitoral. Ele não era apenas o prefeito, mas também o presidente do comitê local do Partido Democrata. Somados os dois cargos, tinha 35 000 empregos para manipular de acordo com suas necessidades – e Daley o fazia sem o mais vago constrangimento.
De acordo com o sistema de Daley, a cidade era dividida num certo número de feudos e cada um deles tinha um cabo eleitoral nomeado pelo prefeito. O cabo eleitoral, por sua vez, nomeava o lixeiro, o entregador de cartas, a pessoa que cuidaria para não haver buracos nas ruas. Caso nas eleições seguintes os votos desse feudo se manifestassem a favor de Daley, o cabo eleitoral e os funcionários sob seu comando seriam confirmados. Senão, suas cabeças rolariam sem apelação.
Havia ainda outros recursos. Se um comerciante colaborava com donativos para os cofres do Partido Democrata, gozava de maior compreensão por parte do Fisco municipal. Da mesma forma, na hora de uma concorrência pública, naturalmente eram encarados com mais simpatia os empreiteiros que tivessem ligações com a máquina partidária.
E havia ocasiões em que, falhando esses recursos, podia-se sempre recorrer a expedientes de última hora, na boca das urnas ou na contagem dos votos. Até hoje, fala-se que, para assegurar a vitória de Kennedy em Chicago, em 1960, um não desprezível contingente de mortos deixou os cemitérios da cidade e compareceu às cabinas eleitorais.
Como prefeito, Daley era extraordinariamente dinâmico na execução de obras públicas, zelava para que serviços como a polícia e os bombeiros funcionassem com eficiência e mantinha o orçamento rigorosamente equilibrado. Em contrapartida, nunca devotou maior atenção para setores como a educação ou a saúde – a taxa de mortalidade infantil entre os negros de Chicago, por exemplo, é 20% maior do que em Nova York. Na verdade, esse último dos grandes caciques da política americana, versão metropolitana dos “coronéis” da política brasileira, tinha uma ideia do poder que não havia ainda chegado à Revolução Francesa. “Os técnicos vivem dizendo que nossas grandes cidades se tornaram ingovernáveis”, dizia ele. “Ora, que diabos sabem os técnicos?”
A cena ficou gravada da memória de milhões de telespectadores americanos. Hospitalizado por uma horda de manifestações, durante a turbulenta convenção do Partido Democrata de 1968, em Chicago, aquele senhor de corpo atarracado e rosto de buldogue lançava impropérios, enquanto atiçava a polícia a investir brutalmente contra os demonstrantes. Prudentemente, as emissoras de TV desligaram o som. Mesmo assim, pelo movimento dos lábios, podia-se adivinhar o palavrão que ele dizia – um vocábulo começado por f.
O senhor que gritava diante das câmaras era Richard Joseph Daley, prefeito de Chicago desde 1955 até o dia 20 de dezembro, a terceira maior cidade americana, depois de Nova York e Los Angeles, quando, aos 74 anos, morreu de enfarto. O ataque vitimou-o no momento em que participava de um jantar natalino num restaurante de sua cidade. Agora, a Câmara dos Vereadores de Chicago – elegerá um prefeito interino até que se realizem novas eleições, daqui a seis meses.
(Fonte: Veja, 29 de dezembro de 1976 – Edição 408 – ESTADOS UNIDOS – INTERNACIONAL – Pág: 48/50)