O gênio e os demônios do pai da bomba atômica
A acidentada trajetória do cientista Robert Oppenheimer
Robert Oppenheimer (Nova York, 22 de abril de 1904 – Princeton, 18 de fevereiro de 1967), o homem que liderou os cientistas do projeto Manhattan e que depois se opôs à corrida armamentista.
Oppenheimer foi o genial físico teórico que liderou o desenvolvimento das primeiras bombas atômicas. Sua mente poderosa o colocou no centro da vida científica, política e intelectual do século 20. Seus demônios interiores crises de identidade, remorso e arrogância o afastaram dela.
O físico americano Robert Oppenheimer entrou para a história como o cientista que, à frente do projeto Manhattan, foi responsável pela criação da bomba atômica, no final da II Guerra Mundial. A isso deveu o estigma do pesquisador que se curva às pressões do governo e põe o conhecimento a serviço da guerra. Já nos anos 50, o pai da bomba se levantou contra a corrida armamentista, entrou em rota de colisão com o governo e passou a sofrer com outra pecha: a de “antiamericano”. Em ambos os casos, desempenhou papel decisivo e representou como poucos os impasses da ciência e da política no século XX.
A história de J. Robert Oppenheimer
Infância (1904-1922)
Julius Robert Oppenheimer nasceu nos Estados Unidos no dia 22 de abril de 1904, filho de um comerciante judeu nascido na Alemanha e de uma pintora americana, também descendente de judeus alemães. Cresceu em um ambiente de luxo e sofisticação cultural, cercado de empregados, mas afastado de outras crianças e superprotegido pela mãe. Na escola, revelou-se um prodígio, com interesses variados, da química à poesia francesa do século 19. Em 1921, aos 17 anos, ele é aceito pela Universidade Harvard, mas uma forte inflamação no intestino o faz adiar a entrada na faculdade por um ano. Para se recuperar, ele se muda para o estado do Novo México, no oeste americano.
O cientista (1922-1942)
Em 1922, Oppenheimer finalmente ingressou em Harvard, onde, além de se dedicar ao curso de química, fez aulas de literatura, línguas e filosofia oriental. Formou-se em 1924 e continuou seus estudos na Europa, primeiro na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e a partir de 1926 em Göttingen, na Alemanha. Foi na Europa que ele se destacou na área da física teórica, publicando mais de uma dezena de trabalhos e entrando em contato com alguns dos maiores físicos de seu tempo, como Werner Heisenberg, Wolfgang Pauli, Max Born, Paul Dirac, Enrico Fermi e Niel Bohr. Em 1927, suas pesquisas começaram a chamar a atenção do governo americano, do que resultaram convites para lecionar na Universidade Berkeley e na Caltech, ambas na Califórnia.
A Bomba (1942-1945)
Em 1939, cientistas alemães descobriram a fissão nuclear: um modo de dividir o núcleo de um átomo pesado, como o urânio, liberando uma enorme quantidade de energia. Isso levou cientistas ao redor do mundo, inclusive Oppenheimer, a estudar possíveis usos para a nova técnica. Em 1942, com o começo da II Guerra Mundial, o governo americano decidiu desenvolver sua própria bomba atômica. O general Laslie Groves foi apontado para comandar a empreitada, que ficou conhecida como Projeto Manhattan. Para liderar o laboratório secreto que iria desenvolver a arma, ele escolheu Oppenheimer. Milhares de pessoas, incluindo os cientistas mais capazes do país, foram recrutadas para a construção da primeira bomba, finalmente testada no dia 16 de julho de 1945. Nos dias 6 e 9 de agosto, as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, tornaram-se as primeiras e até hoje únicas cidades alvejadas pela bomba.
Política, fama e traição (1945-1954)
Com o fim da guerra, Oppenheimer se tornou um astro nos Estados Unidos, aparecendo em capas de revista e programas de TV. Em 1947, foi chamado para ser diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton. No mesmo ano, foi escolhido como consultor científico da Comissão de Energia Atômica americana, com poder de decisão sobre a política oficial em relação à energia e à arma nuclear. Ali, tomou posição contrária à escalada da corrida armamentista e ao desenvolvimento da bomba de hidrogênio, milhares de vezes mais poderosa que a bomba atômica original. Em 1954, em plena Guerra Fria, foi vítima do clima de caça às bruxas desencadeada pelo senador Joseph McCarthy. Por suas antigas ligações com comunistas, Oppenheimer caiu em desgraça e perdeu influência política.
Os últimos anos (1954-1967)
A partir de 1954, Oppenheimer começou a se distanciar da vida acadêmica, passando boa parte do tempo em uma casa na praia, nas Ilhas Virgens. Com o passar dos anos, acabou reabilitado pela opinião pública americana, tornou-se um conferencista concorrido e um popular escritor de divulgação científica. Em 1963, recebeu o Prêmio Enrico Fermi, concedido pelo presidente dos Estados Unidos a cientistas de destaque. Fumante inveterado, Oppenheimer teve diagnosticado um câncer na garganta no final de 1965. No dia 15 de fevereiro de 1967, morreu em decorrência da doença, aos 62 anos de idade.
(Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia – Ciência – Física/ Por Guilherme Rosa – 27/07/2013)
A INFÂNCIA – esse período é chave para compreender o comportamento errático de Oppenheimer na vida adulta, alternando períodos de rica produção intelectual com momentos de descontrole emocional. Um de seus melhores amigos o descreve como sendo feito de fragmentos muitos brilhantes, mas nunca suficientemente coerentes para formar um todo. Ele parecia estar sempre atuando, dando um grande show. Não parecia ter um senso real de si mesmo, e a chave disso parece estar em sua infância.
Os anos em que Oppenheimer cresceu foram de recrudescimento do antissemitismo nos Estados Unidos. Sua família como grande parte dos judeus alemães da época procurava apagar a ascendência judia, em busca de integração incondicional à sociedade americana. Havia, desse modo, um grande fosso entre o modo como os outros viam Oppenheimer e como ele se via. “Para o mundo, ele era um judeu alemão, mas ele não se via nem como judeu, nem como alemão. Ele passou a maior parte de sua vida negando suas raízes, diz Monk. Oppenheimer queria, mais que tudo, ser americano. E esse patriotismo seria, no futuro, um dos combustíveis de sua ruína. Albert Einstein certa vez disse que Oppenheimer sofria com um amor incondicional não correspondido: o amor pelos Estados Unidos da América.
O CIENTISTA – Oppenheimer como um aluno solitário, de poucos amigos e comportamento depressivo e imprevisível. Certa vez, na Universidade de Cambridge, ele tentou matar seu tutor, o físico Patrick Blackett, oferecendo-lhe uma maçã envenenada. Por sorte, o cientista não morreu e nem formalizou queixa contra seu aluno.
Na Alemanha, ele entrou em contato com uma geração de pesquisadores que iria revolucionar a ciência com o desenvolvimento da física quântica. Esses cientistas estudavam o comportamento das partículas menores que os átomos, como elétrons e prótons. Nessa dimensão reduzida, certos fenômenos não podem ser explicados pelas leis da física clássica. Um elétron, por exemplo, pode se comportar como onda e como partícula ao mesmo tempo. As novas teorias fascinaram Oppenheimer, principalmente seus aspectos filosóficos: o que elas podem dizer sobre o mundo?
Sua volta aos Estados Unidos fez parte de um plano do governo para atrair cientistas que pudessem ajudar a criar uma escola americana de física teórica. Em Berkeley, o brilho intelectual de Oppenheimer atraiu alunos talentosos, com quem passou a publicar um grande número de estudos em novos campos da física, como a física nuclear e o estudo das partículas cósmicas. Nessa época, ele mostrou porque é um dos físicos americanos mais importantes do século 20. Com o passar dos anos, Oppenheimer ajudou a deslocar o centro da física teórica da Alemanha para os Estados Unidos.
Os três estudos mais importantes de Oppenheimer e que demorariam décadas para serem reconhecidos dizem respeito ao colapso de estrelas e ao surgimento de buracos negros e de estrelas de nêutrons, publicados todos em 1939. Esses estudos eram puramente teóricos. Apenas usando cálculos matemáticos, ele foi o primeiro a prever que, se uma estrela fosse suficientemente grande, seu colapso iria produzir um buraco negro. Confirmações empíricas desses fatos só aconteceriam anos após sua morte. Se ele tivesse vivido mais 10 anos, poderia ter recebido o prêmio Nobel por isso.
No auge de sua produção acadêmica, Oppenheimer também começou a se envolver com política. No final dos anos 1930, com a escalada do nazismo e da perseguição aos judeus, ele se envolveu com diversas organizações de esquerda, o que atraiu a atenção do FBI. Anos mais tarde, esse envolvimento serviria de munição para seus inúmeros inimigos.
A BOMBA – apenas duas pessoas foram de fato essenciais ao projeto: o general Groves e Oppenheimer. A escolha do cientista foi feita pelo general à revelia do governo e do exército, que não o consideravam confiável. Qualquer outra pessoa no mundo não teria dado esse trabalho a Oppenheimer. Ele não era um físico experimental, ele nunca havia comandado um laboratório e nem nada na vida e era politicamente comprometido, com uma enorme ficha no FBI. Mesmo assim, o general insistiu em lhe dar o trabalho mais importante e secreto da ciência militar até então. E, no final, ele era mesmo o homem certo para o trabalho.
Graças a seu carisma, cultura geral e científica, Oppenheimer conseguiu liderar centenas de pesquisadores na tarefa de construir a bomba de modo secreto. Os participantes do projeto são unânimes em falar de sua inspiração para superar enormes desafios técnicos. De fato, ele foi o grande responsável por levar tantos cientistas para o laboratório e submeter todos à disciplina militar. Ele conseguiu com que os maiores físicos do país se submetessem a um duro e irritante código de segurança, apenas para concluir o trabalho.
Nessa época, Oppenheimer foi abordado pelo físico Haakon Chevalier, que o conhecia da época de seu envolvimento com grupos de esquerda. O colega sugeriu que ele repasse informações secretas sobre a bomba para os soviéticos, servindo como espião. Oppenheimer recusou a oferta, mas não denunciou Chavalier imediatamente, o que ainda iria lhe render muita dor de cabeça no futuro.
No dia 6 de agosto, a primeira bomba nuclear da história foi jogada sobre a cidade de Hiroshima. As mais de 60.000 mortes e a enorme destruição não diminuíram o entusiasmo dos cientistas. Em cima de um palco, Oppenheimer foi ovacionado pelos colegas. A sensação foi de triunfo completo. Eles haviam superado todas as dificuldades técnicas para produzir o artefato, que teve um efeito devastador e poderia levar ao final da guerra. O peso na consciência só foi surgir, de forma repentina, três dias depois, com a bomba de Nagasaki.
Os EUA decidiram jogar a segunda bomba logo em seguida, sem dar tempo para o governo japonês assimilar o ataque. Supunham que o impacto psicológico dos ataques fosse ainda maior. Em Nagasaki, mais de 40.000 pessoas morreram. Pessoas que viram Oppenheimer nesse dia o descrevem como uma pilha de nervos, e esse era o clima em todo o laboratório. Os cientistas não conseguiam ver justificativa para a segunda bomba.
A POLÍTICA – após 1945, Oppenheimer substituiu Albert Einstein como o cientista mais popular nos Estados Unidos. A partir daí, tentando mudar os rumos da estratégia nuclear americana, sua atuação se tornou muito mais política do que científica. Nessa época, perguntaram várias vezes se ele se arrependia de ter liderado o projeto que levou à bomba atômica. Ele dizia que não, mas como alguém pode não se sentir perturbado pela morte de mais de 100.000 pessoas? Isso pesava muito sobre ele. Essa foi sua motivação para se envolver com política e foi também o que o colocou em rota de colisão com pessoas poderosas.
Sua posição pública chocava-se com a política oficial dos EUA. E sua arrogância fez com que não percebesse o poder das inimizades que despertara ao longo do tempo, entre eles J. Edgard Hoover, chefe do FBI, e toda a cúpula militar, que se serviram do clima de caça aos comunistas despertado pelo macarthismo para atacar o físico.
Oppenheimer foi interrogado pelos próprios membros da Comissão de Energia Atômica. O objetivo dos acusadores era retirar-lhe seu certificado de segurança, o documento que lhe dava acesso aos segredos militares. “Oppenheimer era porta-voz de uma grande parte dos cientistas, que eram contra a construção de bombas cada vez mais poderosas. Segundo a visão dos militares, ele precisava ser colocado fora do caminho.
No interrogatório, Oppenheimer é confrontado com a tentativa de espionagem de seu antigo colega Haakon Chevalier e sua demora em denunciá-la ao governo. Sem direito à ampla defesa, o cientista foi considerado uma pessoa não confiável apesar de não ter sido acusado diretamente de espionagem e perdeu seu certificado de segurança. Com isso, caiu em desgraça perante a opinião pública e perdeu sua influência política.
A saída de cena de Oppenheimer como um período trágico. Nas tragédias gregas, o drama acontece de forma inevitável por conta de falhas no caráter do herói. Foi algo desse tipo que aconteceu com Oppenheimer. Se ele não fosse tão arrogante, se não fosse tão patriótico, não tivesse incomodado pessoas importantes… talvez nada disso tivesse acontecido.
A partir do final da década de 1950, com o furor persecutório do macarthismo ficando para trás, Oppenheimer voltou a ser chamado para dar palestras e conferências em diversos países ao redor do mundo, lotando auditórios por onde passava. Os temas de suas apresentações variavam imensamente, indo da divulgação científica a mensagens pacifistas e espirituais.
O prêmio Enrico Fermi foi uma tentativa do governo de reabilitar o cientista uma espécie de perdão oficial. O final de sua vida acabou aliviando a intensidade da tragédia. Ele passou seus últimos dez anos como um homem muito respeitado, cercado por pessoas que o admiravam.