Rogelio Salmona (Paris, França, 1929 – Bogotá, 3 de outubro de 2007), um arquiteto, um mestre
Rogelio Salmona Mordols nasceu em Paris em 1929, metade espanhol e metade francês, mas entrou pequeno no Liceu Francês de Bogotá, cidade na qual morreu em 4 de outubro de 2007. Seus professores europeus o interessaram pela arte e, em 1947, ingressou na Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional de Colômbia, fazendo cursos de teoria com o arquiteto alemão Leopoldo Rother. Ali conheceu a Le Corbusier, o grande arquiteto suíço-francês, quando veio para participar do Plano Diretor de Bogotá, e ao ir a Paris, em conseqüência das graves confusões do 9 de abril de 1948, trabalhou para ele vários anos ao mesmo tempo em que acompanhava a sociologia da arte com Pierre Francastel. Em 1953 viajou pelo sul da França, Espanha e norte da África, e finalmente esteve alguns meses com o arquiteto Jean Prouvé (1901-1984).
Em seu regresso, em 1958, deu aulas de história e depois de desenho na Universidade dos Andes, onde validou seu título depois de exercer alguns anos e de realizar com Guillermo Bermúdez sua primeira grande obra: os Apartamentos do Polo (1959-62). Em seguida vieram as Torres do Parque (1964 -70), a mais importante, a sede da Sociedade Colombiana de Arquitetos em Bogotá (1967-74), a mais criticada (com L. E. Torres); o Museu de Arte Moderna de Bogotá (1971-79), a mais incompreendida; a Casa de Hóspedes Ilustres da Colômbia, em Cartagena (1980-81), a que lhe dá fama internacional; o Museu Quimbaya na Armênia (1984-85), a mais difícil, o Arquivo Geral da Nação (1988-89), a mais bela, e a Biblioteca Virgilio Barco (2002), a mais elogiada. Em Cali ficou o Edifício Mejía Marulanda (1958-59), do inicio de sua carreira, e o da FES (1986-87), hoje Centro Cultural de Cali (con P. Mejía, J. Velez e R. H. Ortiz).
Sua já vasta obra ao longo de quase meio século começou com o elogio escrito a um projeto de 1959 de Fernando Martínez para o colégio Emilio Cifuentes em Bogotá, e terminou por mudar a boa arquitetura na Colômbia. Desafortunadamente muitos arquitetos do país não assumiram sua constante preocupação pela cidade, pelas tradições edilícias e pela ética profissional, e apenas imitaram seu tijolo aparente, o que em algumas mãos torpes se tornou oportunista, repetitivo ou arbitrário: uma simples moda. Mas o importante em seu trabalho é a inovação da tradição, seus novos usos de velhas técnicas e materiais, o dar forma à identidade, seu respeito pela paisagem e o fazer arquitetura para a cidade, o que se concretiza tudo num novo regionalismo.
Esta busca permitiu a alguns arquitetos do chamado Terceiro Mundo, como Salmona na Colômbia, construir alternativas autônomas utilizando materiais próprios e tecnologias possíveis, que reconhecem e valorizam o patrimônio construído, consideram o clima e qualificam a paisagem. Suas formas e significados encontram novas expressões à tradição ou a reinterpretam poeticamente para torná-la partícipe de novas situações. É a busca de Hassan Fathy no Egito, Sir Geoffrey Bawa no Sri Lanka, Charles Correa e Raj Rewal na Índia, Sedad Eldem na Turquia e outros no Marrocos, Coréia, Singapura, Indonésia e também, evidentemente, não poucos na América Hispânica, como Carlos Raúl Villanueva, Jesús Tenreiro ou Gorka Dorronsoro na Venezuela, Álvaro Malo ou Luis e Diego Oleas no Equador, Juvenal Baracco no Perú, Luis Barragán ou Carlos Mijares no México, Bruno Stagno na Costa Rica ou Luiz Paulo Conde no Brasil. São os caminhos da arquitetura neo-vernacular de que fala Vicky Richardson.
Salmona morreu, mas nos deixou sua arquitetura, seu exemplo, seus ensinamentos e sua lembrança. Vários de seus edifícios são do melhor da arquitetura de todos os tempos na Colômbia e sem dúvida destacados na arquitetura atual do mundo, como o reconheceram importantes críticos e arquitetos como Kenneth Framton, William Curtis, Antonio Fernández -Alba ou Claudio Connena, e o mesmo se pode dizer de algumas de suas casas. Suas muitas obras construídas são exemplo não só estético como ético; inclusive político, como o sustentou várias vezes. É muito o que os arquitetos do país temos aprendido delas e o que nos seguirão ensinando. Seu respeito pela cidade, sua preocupação por uma arquitetura para nossa geografia e história e finalmente para nossa gente, e sua compreensão de nossa luz e paisagens. E sua lembrança viva fica a seus amigos e admiradores.
Seus cinco projetos fundamentais e sínteses sucessivas de seu trabalho se devem claramente ao lugar: seu clima, paisagem e tradições urbanas, arquitetônicas e construtivas. Por isso reclamava que sua obra se percebia com todos os sentidos e não só com a vista, e insistia na importância da cidade. As Torres do Parque, como diz Marina Waisman, valorizam a Praça de Toros e chamam a atenção sobre o belo perfil das montanhas que rodeiam a Bogotá e respondem a sua especial luz; mas também se adequam funcionalmente ao clima bogotano e lhe tiram o melhor partido ao tijolo local, que tanto e tão bem fotografou Sergio Trujillo. É difícil encontrar no mundo grandes conjuntos de habitação que depois de tantos anos sigam tão belos, atuais, conservados e significativos para suas cidades. A Casa de Hóspedes a ocultou de tal maneira com a vegetação que, como diz Germán Téllez, o colonial armazém de provisões de Manzanillo destaca-se como se estivesse solitário, ao final da pequena península no que parece uma pequena selva típica das costas da região. Seus pátios com água e vegetação são impossíveis de melhorar no caloroso clima local e o uso da pedra coralina é todo um acerto; ali, sua lembrança de Granada se torna pela primeira vez evidente. No Arquivo Geral da Nação, seu mágico pátio cilíndrico, no meio da quadra tradicional que segue o traçado colonial da cidade, emoldura o céu azul profundo característico da paisagem bogotana. Como o recorda Ricardo Castro, é um lugar memorável, e o elogiaram Carlos Mijares, Gorka Dorronsoro e Carlos Niño. Na biblioteca Virgilio Barco, arquitetura, paisagem urbana e natural, clima e tradições interagem de forma inesperada no melhor e mais revelador edifício dos últimos anos no país. Finalmente, nos fica quase terminado seu projeto do centro cultural que o engenheiro Francisco de Valdenebro constrói para o Fundo de Cultura Econômica do México na Candelária em Bogotá.
Uma importante exposição de sua obra, organizada pela seccional de Bogotá da Sociedade Colombiana de Arquitetos, sob a iniciativa da arquiteta Diana Barco, percorre atualmente diversas cidades do mundo. Salmona foi duas vezes finalista do Prêmio Mies van der Rohe da América Latina, cinco vezes premiado nas Bienais de Arquitetura Colombiana; Prêmio Oficina de América, Medalha ao Mérito Cultural, Prêmio da Fundação Príncipe Clauss da Holanda e Prêmio da II Bienal Ibero-americana de Arquitetura e Engenharia Civil. A Universidade Nacional lhe outorgou seu Doutorado Honoris Causa, posteriormente recebeu a Medalha Alvar Aalto da Associação Finlandesa de Arquitetos, talvez o mais sério prêmio à arquitetura do mundo, e foi nomeado ao Pritzker, o mais famoso. Ao final de sua vida recebeu diversos reconhecimentos no país, caso único na Colômbia tratando-se de um arquiteto; por fim o reconhecimento a um mestre. Tomara que a Universidade dos Andes lhe faça agora a devida homenagem que não lhe fez em vida.
Rogelio Salmona disse que fazer arquitetura hoje na América Latina é um ato político, ademais de cultural e estético, pois se trata ante tudo de fazer cidade. Isto converte sua prática numa ética da arquitetura, propósito crucial dentro de nossa incipiente sociedade urbana e evidentemente de total atualidade e urgência em nossas maltratadas cidades. Neste sentido sua obra responde honrada e inteligentemente a nossas cidades: sua geografia e história. Preocupação que, junto com outras características de sua arquitetura, pouco levadas em conta, mas de grande atualidade, como sua sustentabilidade, faz com que se separe do movimento moderno geral e abra um novo caminho na arquitetura colombiana como o diz Silvia Arango. Uma nova estética a partir da ética de assumir a responsabilidade de conseguir um melhor ambiente humano. Suas preocupações seguem vigentes e suas soluções cheias de vida.
(Fonte: http://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/10.029/1816 – DROPS – Benjamin Barney Caldas – 029.08ano 10, novembro de 2009)
notas
[este artigo foi preparado para a revista Gaceta de El Pais de Cali, edição de 14 de outubro de 2007]sobre o autor
Benjamin Barney Caldas é arquiteto e ex-professor de arquitetura da Universidad del Valle e da Universidade San Buenaventura, Cali. Foi selecionado no II Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-americana.
Benjamin Barney Caldas, Cali Colômbia