Rudolf Nureyev (Irkutsk, 17 de março de 1938 – Levallois-Perret, França, 6 de janeiro de 1993), bailarino russo. Gênio temperamental do balé. Russo naturalizado austríaco.
Nureyev ainda sonhava tornar-se diretor do Royal Ballet de Londres, companhia em que, na década de 60, deu novo alento à carreira então em declínio da legendária bailarina Margot Fonteyn (1919-1991).
No dia 8 de outubro de 1992, Nureyev apareceu em público pela última vez. Foi ao Ópera Garnier, em Paris, receber uma honraria do ministro da Cultura da França, Jack Lang.
Magro, abatido, os olhos fundos, ele permaneceu sentado numa poltrona e precisou apoiar-se em duas pessoas para levantar e agradecer à ovação de quinze minutos com que a audiência o homenageou.
Logo depois da cerimônia, amigos do bailarino confirmaram o que todo mundo já suspeitava. Nureyev estava com Aids. Naquele dia de outubro, sua imagem era apenas a sombra do legendário artista, o maior desde Vaslav Nijinsky, o outro russo enigmático e genial que dominou os palcos do balé no início do século 20.
Em 1989, Nureyev fez uma de suas últimas apresentações num palco. Foi em Leningrado. Ele apresentou-se com o Ballet Kirov, a grande companhia na qual começou sua carreira e que abandonou em meio a uma temporada europeia, em 1961.
Nureyev, já com seu temperamento irascível, tivera uma discussão com os diretores do balé e recebeu como castigo uma ordem para se desligar da companhia e voltar imediatamente à União Soviética.
No saguão do aeroporto de Paris, Nureyev correu em direção a dois policiais franceses gritando que queria se asilar no país. O Kirov seguiu para Londres sem sua estrela. O Ocidente ganhou um prodígio que tornou a dança uma arte difícil mas possível de ser conquistada, escreveu o New York Times em 1975.
Nureyev era assumidamente homossexual. É presumível que tenha se contaminado com o vírus HIV há muitos anos, quando não se sabia bem o que era essa doença ou como se propagava. Os homossexuais foram o primeiro grupo atingido com violência pela Aids.
O mundo das artes, da moda, do cinema e dos esportes está encolhendo por causa da Aids. A morte de uma pessoa famosa vitimada por uma doença tão cruel ou o anúncio de que ela tem o vírus entristece a opinião pública.
Não que sirva de consolo para ninguém, mas quando uma celebridade expõe o drama da Aids pela televisão ou pela imprensa, aumentam os cuidados das pessoas.
Mostrar o rosto na televisão como aidético é devastador para qualquer um, em qualquer país. Para um artista, que vive de sua imagem, é ainda pior.
Nureyev, contam os amigos, tinha pavor da ideia de ver sua brilhante carreira subjugada por um interesse das pessoas pelas mórbidas transformações que um vírus estava provocando em seu sangue. O bailarino passou os últimos tempos recluso numa ilha de sua propriedade, próxima a Nápoles, na Itália.
Temperamental e arrogante durante toda a vida, demorou a aceitar que a idade e, mais tarde, a doença estavam consumindo seus dons. Em 1991, uma pequena apresentação sua em Londres recebeu críticas severas dos especialistas em balé.
Nureyev rebateu da pior maneira. Tomou um crítico judeu como exemplo e entornou em público o discurso anti-semita que costumava fazer em particular. Para os amigos, essa foi sua morte intelectual.
Cansado e doente, o gênio desligara-se de sua imagem.A peste branca do século colhera mais um talento, Nureyev. A Aids abreviou sua carreira.
Nureyev morreu no dia 6 de janeiro de 1993, aos 54 anos, idade em que os eleitos de sua linhagem, embora longe do vigor da juventude, têm ainda um bom caminho a percorrer na direção dos espetáculos, de complicações cardíacas em virtude da Aids, em Paris.
(Fonte: Veja, 13 de janeiro de 1993 – ANO 26 N° 2 – Edição 1270 Medicina – Pág: 40/43 – Datas Pág; 67)