Santo Antônio, protetor do Menino Jesus e até mesmo no casamenteiro bonachão das festas juninas

 

 

 

 

Visões do padroeiro

As várias imagens que, ao longo do tempo, a Igreja, os reis e o povo deram a Santo Antônio

Santo Antônio (Lisboa, 15 de agosto de 1195 -– Pádua, Itália, 13 de junho de 1231), frade franciscano nascido em Lisboa, era gordo, baixinho, feioso e, pior, dono de uma cabeça hipertrofiada por uma doença rara.

Popularíssimo em sua terra, apesar de ter morrido na Itália, viu-se metamorfoseado em guerreiro do Exército lusitano, protetor do Menino Jesus e até mesmo no casamenteiro bonachão das festas juninas. São essas facetas póstumas que enfeixaram a mostra Presenças de Santo Antônio, inaugurada em 17 de abril de 1996 no Masp, em São Paulo até 16 de junho. Teve 62 obras entre pinturas, esculturas, azulejos e gravuras, teve em seu principal apelo em tesouros como uma imagem românica da Virgem, do século XIII, ou pinturas flamengas do século XVI.

Santo Antônio revelou sempre um domínio invulgar da palavra. Enquanto em nome da fé os cristãos não hesitavam em passar mouros e judeus no fio da espada, Santo Antônio seduzia e catequizava os ímpios sem derramar uma gota de sangue. Valia-se apenas de seus sermões. Para a Igreja, o intelectualismo de Antônio foi sendo pouco a pouco guardado para uso apenas dentro dos mosteiros franciscanos. Era sua melhor qualidade, mas não tinha grande eficácia junto ao povo. A mesma Igreja tratou de difundir Santo Antônio como um paciente protetor do Menino Jesus, um santo popular.

TRAQUINAGEM -– A explosão do culto ao santo deu-se em Portugal entre os séculos XV e XVI. Seu carisma é evidente na graciosa pintura sobre madeira Santo Antônio e o Menino Jesus, realizada no século XVI pelo frade franciscano frei Carlos, um pintor de origem holandesa, célebre na época. Sóbrio nas formas e nas cores, frei Carlos permitiu-se entretanto brincar com a memória do santo. Para isso, produziu uma pintura em que, ajoelhado, Antônio se diverte diante das traquinagens do Menino Jesus, que desarruma os livros do convento. Nada mais simpático e publicitário para o cristianismo, pois assim Antônio demonstra sua disposição em descartar a sabedoria em nome da graça da presença divina.

Feita para o consumo popular, tal imagem difere bastante daquelas que costumavam ser encomendadas pelos nobres aos pintores flamengos. Na mostra, o tríptico Apresentação do Menino no Templo – Santo Antônio e São Francisco, do pintor belga Goosen van der Weyden, é um belo exemplo de como aos olhos da corte lusitana Antônio foi galgando a hierarquia eclesiástica, tornando-se nas pinturas um santo magro, aristocrático e senhoril, a despeito do fato de ter morrido jovem, aos 36 anos, e pobre, em junho de 1231 em Pádua.

TENENTE-CORONEL –- A devoção da realeza lusitana por Santo Antônio se oficializou em 1470, quando, antes de partir para uma batalha contra os mouros na África, o rei dom Afonso V dirigiu suas preces ao santo. Vencida a guerra, mandou erguer um convento em honra dele. Quase dois séculos depois, para animar o moral de suas tropas numa batalha contra os espanhóis, o rei dom Afonso VI investiu Santo Antônio como soldado de batalhão do Algarve. Já no século XIX, no Rio de Janeiro dom João VI promoveu mais uma vez o santo a tenente-coronel, depois de atribuir-lhe a saída honrosa para Portugal diante das tropas napoleônicas, que invadiram Lisboa enquanto a corte fugia para o Brasil.

Curiosamente, apesar de toda a propaganda oficial a favor de Santo Antônio, o povo lusitano desenvolveu sua versão pessoal do personagem. Nela, ele é o protetor de Lisboa, anjo da guarda de leiteiros, marujos e das moças casadoiras. Tamanha veneração não impede que o povo também lhe reserve algum sadismo. Em Portugal e no Brasil, é comum que as moças casadoiras não atendidas torturem a imagem do santo. Há vários séculos, Santo Antônio resiste impávido tanto aos ímpios quanto aos devotos.

 

 

(Fonte: Veja, 17 de abril de 1996 -– –ANO 29 –- N° 16 – Edição 1440 – ARTE/ Por Angela Pimenta – Pág; 140 e 141)