Segundo Galilea (Santiago do Chile, 3 de abril de 1928 – 27 de maio de 2010), padre, sacerdote e teólogo chileno.
Segundo Galilea nascera em Santiago do Chile aos 3 de abril de 1928. Fora ordenado sacerdote aos 22 de setembro de 1956, com a esperança de partir em missão. No início dos anos sessenta recebeu convite para trabalhar na preparação de missionários na cidade de Cuernavaca no México. Depois de alguns anos neste trabalho, o Conselho Episcopal Latino-Americano – CELAM – o convocou para tornar conhecido o Concílio Vaticano II num Instituto de pastoral itinerante e deste instituto se tornou diretor em Medellín e Bogotá. Até 1975 ele percorreu longa e amplamente a América Latina, empenhado em propor reflexões, retiros, exercícios espirituais. Iniciou então um relatório com as Pontifícias obras missionárias e junto com outros sacerdotes organizou um instituto missionário para o exterior. Viajou muito às Filipinas e à Coreia do Sul.
Mais tarde viveu por um período de tempo nos Estados Unidos, trabalhando com os migrantes e pondo-se em contato com gente de todas as nações.
Seu desejo de ser missionário continuava a crescer até concretizar-se no pensamento de encontrar uma missão mais estável. A Providência se lhe manifestou quando encontrou em Nova York o arcebispo de Havana, Jaime Lucas Ortega y Alamino, por estarem alojados na mesma casa. Naquela ocasião o purpurado o exortou a ir trabalhar emCuba. Todavia, antes de poder realizar seu desejo, passaram outros dez anos. Entrementes era chamado de toda parte para retiros, conferências e exercícios espirituais e escrevia livros muito apreciados por sua concisão, clareza e brevidade. Era convidado por congregações religiosas e por bispos para a formação dos sacerdotes. A Conferência dos Religiosos para a América Latina – CLAR – o convidava com frequência para os seus cursos de formação. As mais importantes revistas de teologia lhe solicitavam colaboração.
Em 1997 o arcebispo de Santiago do Chile lhe solicitou que fizesse parte do grupo de especialistas aos quais fora confiada a redação das conclusões do nono sínodo diocesano. Este sínodo teve uma participação extraordinária de leigos que se tinham preparado desde 1994. Padre Segundo escreveu parte do capítulo sobre a espiritualidade cristã, onde sustentava: “Se quisermos uma Igreja mais missionária, mais coerente e testemunhal, mais participativa na comunhão, significa que queremos uma Igreja mais espiritual, mais orante e mais contemplativa, isto é, mais bela, que, como Jesus, seja o Evangelho do Pai pela força do Espírito”.
De fato, padre Galilea teve imediatamente a lucidez necessária para dar-se conta que o empenho sócio-político dos cristãos pela libertação tinha necessidade de um sólido fundamento espiritual que ele desenvolveu por meio de sua atividade de mestre, pregador e padre espiritual. Mais de um o definiu como o “padre espiritual da América Latina”.
Enquanto se encontrava por um breve período no seminário maior de Santiago, o cardeal Ortega o convidou a participar de um simpósio sobre a Igreja na América Latina, propedêutico ao sínodo continental do qual, em 1999, nasceu a exortação apostólica de João Paulo II Ecclesia in America.
Logo após o mesmo purpurado lhe propôs ser o diretor espiritual do seminário São Carlos de Cuba. Depois de ter dialogado sobre esta possibilidade com o arcebispo de Santiago do Chile, Francisco Javier Errázuriz Ossa, em março de 2000, padre Segundo partiu para Cuba. Disse então a um jornalista que o entrevistava: “Para chegar aqui, tive que fazê-lo por um tempo bastante longo e, na minha idade, poderia ser o último trabalho. É o primeiro trabalho cem por cento missionário. Esta é a mudança mais profunda e última de meu sacerdócio”.
Na mesma entrevista de 2001, padre Segundo escrevia: “É como casar-se aos sessenta anos, é a conclusão de um itinerário coerente e incoerente. Coerente porque sempre senti a vocação para “andar”, a qual vem do Espírito Santo; desde que me tornei padre, jamais estive muito tempo no mesmo posto. Incoerente porque esta missão se apresenta no fim, quando já não o esperava mais. Talvez seja porque agora estou preparado. É como se tivesse tido muitas noivas e como se me casasse agora, aos sessenta anos”.
Em Cuba o padre Segundo perdeu aquele pouco de saúde que ainda lhe restava. Já há tempo estava muito fatigado: as viagens, as conferências, as contínuas mudanças de lugar, de casa, de língua, de alimentação, de cultura o haviam consumido. “Em Cuba se trabalha com poucos meios, se toma o muito e o pouco, se dá valor ao essencial”.
O retorno a Santiago foi provavelmente ditado pelas necessidades da saúde, e assim, após anos de peregrinação sobre a terra, sempre como estrangeiro, mas sempre como amigo, na dedicação mais radical aos outros, padreSegundo Galilea faleceu na manhã de 27 de maio, dia consagrado a Jesus, eterno sacerdote.
O padre Galilea é definido um “teólogo da libertação” e verdadeiramente pertence àquele período histórico em que a teologia da libertação era a grande protagonista na América Latina e se difundia na mentalidade teológica da Igreja e no mundo. Mas, jamais foi extremista, nem jamais se deixou manipular por correntes progressistas ou por polêmicas estéreis e superficiais. Padre Segundo viveu seu empenho na adesão fiel a Jesus Cristo e à Igreja e sua pregação incansável tinha em seu centro Jesus de Nazaré, a Igreja, a missão, a evangelização. Mesmo aceitando muitos aspectos da teologia da libertação, desejava que a mesma tivesse uma alma bem fundada na sequela de Jesus Cristo, único e verdadeiro salvador e libertador. E que o povo cristão se mantivesse estreitamente unido a Jesus Cristo com a oração e a contemplação. Esta era a sua mística: a adesão a Deus da vida que se revelou em Jesus de Nazaré.
Seus escritos são densos de mística missionária, de adesão a Jesus, pobre e obediente, de tentativas de levar as pessoas de Igreja a refletir que não existe dinamismo missionário sem uma radical adesão a Jesus Cristo. Seu tema preferido era a “misericórdia de Deus” que se inclina sobre nós, sobre nossa miséria para elevar-nos até Ele. Daqui sua insistência na sequela de Jesus em obediência à Igreja que a respeito explica, segundo os tempos, uma modalidade sempre mais profunda. A preocupação do padre Segundo Galilea era que o empenho pelos pobres e os marginalizados não se limitasse ao aspecto – embora admirável – da assistência humana e que perdesse aquele espírito cristão que é próprio do ensinamento católico. Numa entrevista em que explicitamente lhe solicitavam se ele podia dizer-se um teólogo da libertação, respondeu: “A teologia da libertação foi carregada de política e ideologia, mas lhe faltou mística e esta tem sido a minha contribuição”. Na mesma entrevista, à pergunta se a mensagem espiritual poderia encontrar seguidores num mundo tão materialista, respondeu: “A espiritualidade é um dos argumentos sobre os quais eu coloco minha reflexão naquilo que escrevo. Creio que a todo cristão isso interesse muito”.
Sem a fé em Deus e em Jesus Cristo não pode existir verdadeira caridade: “Não há caridade íntegra e universal sem fé. É verdade que há o amor e o humanitarismo em muitas pessoas que não tem fé, porque isto faz parte da natureza humana que é imagem de Deus, e o Espírito Santo, de outra parte, de qualquer modo age em todos. Mas este amor será sempre parcial e precário, terá sempre horizontes limitados. A abertura à fé para estas pessoas, de um lado pode significar a necessidade de manter a autenticidade de seu humanitarismo e de seu amor, e da outra parte a possibilidade de lançar-se para a plenitude e a potencialidade da caridade que existe no coração humano e que espera, para poder acender-se, a centelha que produz a conversão à fé”.
Por trás do desafio de tantas instâncias pastorais que vinham da América Latina e sobretudo do impulso dado pelos documentos de Medellín e de Puebla, influenciando fortemente o estilo missionário de muitas congregações religiosas, padre Segundo se dedicou também a dar sua pincelada de espiritualidade, demonstrando com simplicidade e aderindo ao espírito do ensinamento da Igreja, coisa que se entendia por “inserção”. Explicava de fato: “A “inserção” é um tema que está adquirindo sempre mais importância tanto na teologia como na pastoral, na vida religiosa e na espiritualidade do cristianismo contemporâneo. Ele tem sido motivado pela renovação missionária dos últimos quarenta anos e pelo desafio da crescente secularização e descristianização da sociedade, além das emergentes maiorias de pobres e marginalizados. Perante esta situação, a missão tem dado maior peso à dimensão do diálogo, do testemunho, do serviço solidário e da busca dos mais pobres e deserdados, “as ovelhas sem pastor” (Marcos, 6, 34). Tudo isso exige a inserção da comunidade apostólica nos diversos contextos, porque não se evangeliza nem se redime o que não é assumido em Cristo e não se compartilha como condição humana: “O que não é assumido não é remido”, segundo um antigo princípio de santo Irineu sobre a Encarnação”. Mais tarde, por ocasião de um contato com as Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, respondendo a um convite da superiora geral que naquela época lhe havia escrito convidando-o para uma série de conferências visando a formação permanente das missionárias, padreSegundo se encontrou imerso num contexto onde tudo lhe falava de santa Francisca Saverio Cabrini. Viajou muito aoBrasil e à Argentina, à Itália e aos Estados Unidos, sempre se encontrando com as missionárias cabrinianas.
O tema de suas conferências e reflexões era sempre centrado sobre a espiritualidade do Sagrado coração na ótica de madre Cabrini, e por isso o conhecimento com a santa vinha integrar-se com a vida vivida pelas missionárias. Madre Cabrini deve necessariamente ter exercido sobre ele certa pressão espiritual, porque, embora na mais absoluta discrição e reserva – o padre jamais falava de si mesmo – quando parou em Codogno, na Itália, primeira casa fundada por madre Cabrini, confiou a uma irmã ter recebido uma graça. Talvez ali, diante da relíquia do coração de madre Cabrini, ou na cela da santa que padre Galilea visitava nos momentos de calma e de solidão.
Ele deu, dessa forma, uma fundamental contribuição perante um novo evento missionário que, do início dos anos noventa em diante, foi fundamental para a congregação cabriniana: a participação dos leigos na missão. PadreSegundo sustenta em muitas ocasiões a formação dos leigos cabrinianos, fazendo-lhes conhecer a espiritualidade do Sagrado Coração de Jesus. Com suas motivações e reflexões sobre o Evangelho, foi envolvido no novo ciclo que associava muitas pessoas laicas ao carisma de madre Cabrini. Para alguns foi também um ótimo diretor espiritual.
Segundo Galilea faleceu dia 27 de maio de 2010.
(Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-anteriores/34739- NOTÍCIAS – Maria Barbagallo – 28 de julho de 2010)