Segundo transplante de fígado inter vivos no mundo

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MEDICINA

A arte de compartilhar

No segundo transplante de fígado inter vivos no mundo, um piloto de avião doa parte de seu órgão a uma menina de 1 ano de idade

Ao receber alta da Unidade de Fígado do Hospital das Clínicas de São Paulo, na tarde do dia 27 de julho de 1989, o piloto de avião carioca Emar Couto Corrêa Pinto, estava em paz com sua consciência. Num raro e corajoso gesto de solidariedade, Emar doou um fragmento de 400 gramas de seu fígado à menina gaúcha Érica Caporlíngua, de 1 ano e 7 meses, que padecia de um estreitamento das vias biliares. O transplante de um pedaço de fígado de Emar para a pequena Érica foi o segundo realizado em todo o mundo com doador vivo, e novamente pelas mãos da equipe de Silvano Raia, professor de Cirurgia Experimental da Universidade de São Paulo.

O gesto do aviador Emar, co-piloto dos Boeing 737 da Transbrasil, é surpreendente. No primeiro transplante de fígado inter vivos, realizado no final de 1988, a doadora foi a mãe de uma garota de 4 anos que morreu dias mais tarde de complicações trazidas pelas transfusões de sangue que recebu. Emar cedeu um pedaço de seu corpo para tentar salvar a vida de uma pessoa desconhecida.

REJEIÇÃO – A cirurgia demorou 18 horas e foi feita no Instituto do Coração, em São Paulo. Dia 21 de julho, teve início a retirada do segmento do fígado de Emar. Graças a uma técnica inédita, desenvolvida pelo cirurgião Sérgio Mies, da equipe de Raia, a perda de sangue foi mínima e dispensou transfusões. A parte esquerda do fígado foi estrangulada com uma fita plástica, facilitando a sutura dos vasos. Como o fígado tem notável capacidade de regeneração, dentro de três meses Emar o terárecuperado em seu tamanho normal. Em seguida, começou o transplante propriamente dito, comandado pelas mãos de Silvano Raia. Se a técnica da retirada do órgão do doador é segura, o transplante inter vivos ainda se encontra em fase de pesquisa científica.

Dia 27 de julho, quinta-feira, uma biópsia revelou que Érica sofria um processo agudo de rejeição ao novo fígado, e o cirurgião Raia iniciou um tratamento com uma droga de última geração, o OKT 3, que mata os glóbulos brancos responsáveis pela rejeição, os chamados linfócitos assassinos.

Ainda que o transplante não resulte em êxito, o gesto de Emar já foi uma reafirmação magistral da arte humana de conviver. Pessoas procuraram o cirurgião Silvano Raia dispostas a repetir a corajosa doação de Emar. É um contingente notável para um país onde a doação de órgãos ainda é um tabu.

(Fonte: Veja, 2 de agosto, 1989 – Edição 1090 – MEDICINA – Pág; 65)

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