SEM PAIS GENÉTICOS CONHECIDOS CASO INÉDITO PARA JUSTIÇA EUA
Órfã de ninguém, sem pais genéticos conhecidos e gestada por mãe de aluguel, menina é filha do tubo de ensaio. Desde que o divórcio se tornou tão acessível quanto o casamento, disputas judiciais envolvendo o pagamento de pensão alimentícia para os filhos costumam abarrotar os tribunais.
Uma dessas brigas a que opõe Luanne Buzzanca ao ex-marido, John Buzzanca criou um problema inédito para a justiça americana. No vértice do conflito, uma garotinha de 2 anos, a pequena Jaycee, declarada uma criança sem pais por um juiz do Tribunal Superior de Justiça da Califórnia, Robert Monarch.
Fruto de um processo de fertilização artificial, obtido a partir de espermatozóides e óvulos de doadores anônimos, Jaycee foi gestada por uma mãe de aluguel, contratada pelo casal Buzzanca ao preço de 10 000 dólares. Um mês antes do nascimento da criança, no entanto, John separou-se de Luanne, disse que nunca quis ter um filho dessa maneira e passou a repudiar qualquer responsabilidade paterna.
Seu objetivo era livrar-se dos encargos com a pensão alimentícia, mas a Justiça em princípio, aceitou o argumento. Como a menina não tem nenhum vínculo genético com o casal, nem com a mãe de aluguel, e seus pais biológicos são anônimos, ela existe no mundo numa espécie de vácuo. Luanne, a mãe que a desejou e ama como filha, pode adotá-la quer, no entanto, obrigar o ex-marido a cumprir o contrato assinado por ocasião da concepção artificial. Sem pai nem mãe legalmente reconhecidos, Jaycee agora está no centro de um debate em que o avanço científico ultrapassa a legislação e esbarra na ética.
O quebra-cabeça começou a ser montado em 1989. Como Luanne não conseguia engravidar, ela e o marido submeteram-se a diversos tratamentos para infertilidade. Nos exames descobriu-se que John tinha uma contagem muito baixa de espermatozóides no sêmen e que Luanne, por sofrer de endometriose, não conseguia liberar os óvulos necessários à fecundação nem levar a cabo uma gestação.
A saída encontrada pelo casal foi estranha. Já que nenhum dos dois transmitiria seus genes ao bebê, nem Luanne podia vivenciar a gestação, o mais fácil teria sido recorrer logo a uma adoção. Em vez da adoção, o casal recorreu à fertilização de proveta, com gestação encomendada à mãe de aluguel Pámela Snell. Luanne apóia-se sobre o contrato de aluguel da barriga, assinado por ela, John e Pámela, para provar o envolvimento do ex-marido no projeto do bebê.
(Fonte: Revista VEJA, 4 de fevereiro, 1998 ÉTICA ANO N.º – Pág. 56)