Vendeta implacável
Tornou-se a primeira autoridade italiana a encostar a Máfia na Justiça
Falcone foi o principal símbolo do combate à máfia italiana, especificamente a Cosa Nostra.
Giovanni Falcone (Palermo, 18 de maio de 1939 – Palermo, 23 de maio de 1992), o homem que mandou para a cadeia mais de 300 mafiosos, expôs o poder do crime organizado na Itália.
O primeiro juiz a tratar a origem da delação premiada, foi o italiano Giovanni Falcone (assassinado pela máfia italiana em 1992 juntamente com a mulher e três guarda-costas). Para isso, Falcone foi buscar referências no trabalho de um jurista alemão do século 19 que acreditava que o aumento da criminalidade deixaria os estados tão fracos que eles precisariam conceder prêmios se quisessem obter informações.
Nunca um mafioso tinha ido parar na cadeia por um delito relacionado, ou seja, com a própria Máfia. O feito, inédito, ocorreu em 1987, quando 338 mafiosos foram condenados num julgamento em Palermo a 2 665 anos de cadeia, além de outras dezenove penas de prisão perpétua. O autor da proeza foi o juiz Giovanni Falcone, que ao longo de quatro anos havia montado um inédito e gigantesco processo recheado de provas, testemunhas e confissões. Transformado em herói nacional, Falcone sabia que estava marcado para morrer. “Dou à minha vida o mesmo valor do botão deste paletó”, disse certa vez, com fatalismo. “Não se esqueça de que sou siciliano.”
Em 30 de janeiro de 1992 houve a confirmação da sentença condenatória pela Corte de Cassação, a mais alta corte de Justiça da Itália. Pela primeira vez na história foram descobertos os segredos da organização, os seus tentáculos (a Cosa Nostra tem como símbolo o polvo la piovra) e os chefões. Muitos deles foram presos por força do processo instrutório (maxiprocesso) comandado por Falcone.
Para se tornar a primeira autoridade italiana a encostar a Máfia na parede, Falcone contou com a experiência que acumulara no início da carreira como juiz de falências. Indiciou seus primeiros suspeitos graças à descoberta de gordas contas bancárias, alimentadas por dinheiro de origem incerta. Mas suas investigações só deslancharam em 1984, quando a polícia brasileira entregou-lhe o mafioso Tommaso Buscetta, ou “Dom Masino”, como era conhecido na Sicília, preso em São Paulo. Ele estava jurado de morte pela Máfia de Corleone, que consolidara seu poder em toda a ilha.
Falcone voou para São Paulo para interroga-lo e, depois de muitas conversas, Buscetta aceitou a proposta do juiz a única capaz de lhe salvar a vida: colaboração em troca de identidade e rosto novos no estrangeiro. Hoje ele vive anonimamente nos Estados Unidos, sob proteção do FBI. O que contou a Falcone rendeu 700 páginas datilografadas e forneceu a mais detalhada e fascinante história da Máfia na Sicília, dos tempos do contrabando de cigarro no pós-guerra até o atual tráfico de heroína para os Estados Unidos. Ele descreveu a rígida estrutura hierárquica e territorial da organização e contou como a comissione de doze membros impõe sua própria lei na Sicília. De caçador número 1 de Buscetta, Falcone transformou-se no seu maior protetor. Juntos, desenharam o mapa das famílias mafiosas da Sicília e, em 1987, quatro anos depois da prisão de Buscetta, Falcone conseguiu a condenação de 338 membros da Máfia.
A Máfia opera como um poder paralelo que cobre todos os setores do território, e sem a aprovação da cúpula nenhum crime ou assassinato pode ser executado na Sicília. Nem por isso eles são em menor quantidade. O número de assassinatos ligados ao crime organizado cresceu 29% em 1991 com relação ao ano anterior, chegando a 718 em toda a Itália. Estima-se que só a extorsão a comerciantes e industriais renda à Máfia perto de 20 bilhões de dólares por ano. Se fosse um país, a Máfia italiana seria a 38ª potência mundial, com um PNB anual estimado em 50 bilhões de dólares, graças a atividades ilegais, como tráfico de drogas, extorsão, contrabando e controle da prostituição, além de seu braço legal na especulação imobiliária, construção pesada, turismo e mercado financeiro. Durante suas investigações, Falcone descobriu que em apenas dois anos 1982 e 1983 o tesoureiro da Máfia de Corleone, Tommaso Spadaro, fez transitar na sua conta número 209301, no banco Crédit Suisse da cidade de Lugano, a bagatela de 500 milhões de dólares.
Apesar dessa espantosa máquina, milhões de italianos jamais viram ou verão um mafioso de perto. São personagens que vieram nas sombras, como o mais famoso fugitivo italiano, o atual capo di tutti i capi, o corleonense Salvatore “Totó” Riina, condenado a várias penas de prisão perpétua, procurado pela polícia há trinta anos. Nos territórios onde comanda o crime organizado, ninguém corre um risco particular a menos que faça parte de uma família mafiosa ou seja alvo potencial de um sequestro.
O acerto de contas entre a Máfia e o juiz Falcone acabou acontecendo no fim da tarde de sábado, dia 23 de maio de 1992. A bordo de um jatinho Falcon 50 do serviço secreto italiano, com plano de voo sigiloso, o juiz Falcone, acompanhado de sua mulher, Francesca Morvillo, também juíza, aterrissa em Palermo, capital da Sicília, para passar o fim de semana. Três Fiat blindados, com sete agentes de segurança, esperam na pista. Três guarda-costas vão no carro da frente, Falcone e a mulher ocupam o do meio o juiz adquirira o hábito de guiar o próprio carro, como despiste em caso de atentado e os quatro restantes ocupam o último automóvel. O cortejo, a 140 quilômetros por hora, zune na auto-estrada rumo à cidade. De repente, a 12 quilômetros de Palermo, ao lado da entrada para o subúrbio de Capaci, o fim do mundo acontece. Acionada à distância, uma carga de 100 quilos de explosivos, colocada numa canaleta de escoamento de água sob a pista, manda pelos ares 30 metros de estrada.
DESALENTO - A cena final teve várias testemunhas. O primeiro veículo voou 100 metros e caiu numa plantação do outro ladao da estrada, destroçado e com seus três ocupantes mortos. O carro de Falcone parou à beira da cratera de 10 metros de prondidade, semicoberto por uma montanha de detritos. Falcone chegou morto ao hospital e sua mulher morreu na mesa de operação pouco depois. Os demais agentes de segurança sobreviveram, um deles gravemente ferido.
A VIDA NO BUNKER – O atentado contra Falcone, mais que um simples ato de vingança, é uma extraordinária demonstração do poder da Máfia para golpear quem, quando e como quiser. Há dez anos, em Palermo, a Máfia metralhou o general Carlo Alberto dalla Chiesa, recém-nomeado para comandar a luta contra o crime organizado depois de vencer, sem jamais utilizar a tortura, o terrorismo das Brigadas Vermelhas. Desde o superjulgamento de mafiosos em 1987, Falcone vivia praticamente segregado junto com sua mulher, num apartamento-bunker dentro de um quartel, com vidros blindados até no banheiro, protegido por um esquadrão de 25 agentes.
(Fonte: Veja, 3 de junho de 1992 – Edição n° 1 237 – ANO 25 – N° 23 – INTERNACIONAL/ Por Marco Antonio de Rezende, de Roma – Pág; 36/37/38)
Em 23 de maio de 1992 – Juiz italiano, que combateu a máfia, Giovanni Falcone, é assassinado.
(Fonte: http://www.correiodopovo.com.br – ANO 117 – Nº 236 - Cronologia - 23 de maio de 2012)
É assassinado em 23 de maio de 1992 o juiz italiano Giovanni Falcone, famoso por combater a máfia.
(Fonte: Zero Hora – ANO 44 – N° 15.243 – Hoje na História – Almanaque Gaúcho/ Por Olyr Zavaschi – 23 de maio de 2007 – Pág; 54)