Um dos primeiros intelectuais a perceber a importância da valorização da cultura

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Gilberto Amado: amor pelas palavras claras

UM REBELDE PIONEIRO

Gilberto Amado (Estância, 7 de maio de 1887 – Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1969), escritor sergipano. Para o diplomata, ensaísta, poeta, jurista, romancista e jornalista Gilberto Amado, só havia uma coisa pior do que um jovem conformista: um velho rebelde. E não conformista ele foi bem no início do século XX, quando o Brasil importava tudo, desde sal até sapatos, passando pelas ideias. Não só em Sergipe, onde nasceu em maio de 1887, mas em todo o País, as pessoas cultas usavam fraques de panos ingleses pesados demais para o nosso clima, escreviam num português ininteligível fora dos salões de Lisboa e discutiam apenas os problemas sociais, políticos e ideológicos da França e da Inglaterra. Em seus primeiros artigos de jornal Gilberto já atacava o ridículo das “Festas da Primavera” num país sem inverno e com flores o ano todo. Deputado em Sergipe, em meio à Primeira Guerra Mundial dizia que as instituições políticas de um povo só podem ser explicadas pelas suas condições de vida e de cultura – e não como fruto exclusivo de opções, pelos seus dirigentes, entre sistemas importados. Com essa simples tese, já era, no Brasil de então um pioneiro.

Regressara há quase um ano de Paris, onde – afirmava – “servia o Brasil com deslavado senso de patriotismo” na Comissão Jurídica Internacional. Orgulhoso, viu recentemente seu parecer sobre a determinação dos limites marítimos ser aceito pelo Governo brasileiro. Na França, muitas vezes passeava junto ao túmulo da filha, a atriz de cinema Vera Amado Clouzot (Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 1913 – Paris, 15 de dezembro de 1960) (“As Diabólicas”. “O Salário do Medo”), morta em 1960. Contava coisas em voz alta e “ouvia no vento as respostas da filha”. Tentou entrar para a Academia Brasileira de Letras pouco depois da Primeira Guerra Mundial. Ainda não tinha trinta anos e foi derrotado por Antônio Austregésilo. Só se candidatou de novo em 1964 – sem opositores, eleito por unanimidade. Seus ensaios sobre o Brasil cobrem cinquenta anos, desde a estreia, em 1914 (“A Chave de Salomão e Outrso Escritos”, reeditado em 1963), até “Discursos”, em 1965. Apontava como “uma boa preliminar” à sua obra o ensaio de Homero Senna, “Gilberto Amado e o Brasil”, de 1967. E seu maior desejo era ser lido pelos jovens – ele que ultimamente estudava astronáutica.

Cortinas novas – Gilberto acordara bem cedo, quarta-feira dia 27 de agosto, conforme seu costume, e pela manhã toda não houve novidades, a não ser a arrumação no apartamento no Rio de Janeiro. Na janela da sala faltavam as cortinas. Dissera à velha empregada, Dona Lourdes, que depois do almoço dormiria (também era de praxe) e ao despertar desejava olhar as novas cortinas, brancas e de renda. Às 15 e 30 da tarde, acordou passando mal. Não pode pronunciar palavras como gostava, com muita clareza, ouvindo-se a si próprio. No sábado, homenageado por amigos num almoço, dissera em voz clara que seu discurso iria “um pouco além da conta, pois deve ser o último”. Na quarta-feira, a voz rouca soltou-se com dificuldade: “Sim, quero um médico, mas não adianta”. Oito minutos depois, morreu aos 82 anos.
Não chegou a ver as cortinas novas.
Pois ler Gilberto Amado é conhecer o Brasil e, como ele dizia, “quem não gosta do Brasil não me interessa.”

(Fonte: http://www.caras.uol.com.br – 11 de abril de 2009 – EDIÇÃO 806 – Citações)
(Fonte: Veja, 3 de setembro de 1969 – Edição n° 52 – LITERATURA – Pág; 23)

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