Vaclav Havel (Praga, 5 de outubro de 1936 – Praga, 16 de dezembro de 2011), dramaturgo e ex-Presidente da Checoslováquia, um dos maiores expoentes do movimento de dissidentes que desafiou apenas com palavras a antiga União Soviética.
Havel conduziu a Checoslováquia na transição do regime de influência soviética para a democracia em 1989, naquela que ficou conhecida como “Revolução de Veludo”.
Tornou-se o décimo Presidente da Checoslováquia e foi o primeiro Chefe de Estado da República Checa, o novo país que surgiu depois da separação da Eslováquia em 1993, cargo que ocupou até 2003.
Vaclav Havel, que se tinha retirado da vida pública devido a problemas de saúde, morreu durante o sono na sua casa no norte do país, afirmou a porta-voz Sabina Tencevova.
Entre muitas das honras que recebeu está o prestigioso Prêmio Olof Palme, da Suécia, e a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta premiação civil dos EUA, que lhe foi concedida por Bush por ser “um dos grandes heróis da liberdade”.
O Poder dos Mais Fracos (1978) foi o importante livro que Havel escreveu sobre os mecanismos e os meios que o comunismo totalitário exercia para oprimir as sociedades e as transformar numa massa homogénea e manipulável.
Em Novembro de 1989, Vaclav Havel foi um dos fundadores do Fórum Cívico, uma associação que defendia iniciativas democráticas tendo-se tornado na sua principal figura da Revolução de Veludo.
Algumas das obras publicadas por Havel foram A Crescente Dificuldade de Concentração (1968), Os Conspiradores (1971), A Ópera do Mendigo (1972), A audiência (1975), Protesto (1978) e A Tentação (1985). Em 1963, a peça resultante do livro The Garden Party foi para os palcos do teatro e o mesmo aconteceu em O Memoramdum (1965) e A Crescente Dificuldade de Concentração (1968).
Líderes políticos mundiais lembraram de Havel, líder da Revolução de Veludo, de 1989, que derrubou o regime comunista, como fonte de inspiração contra a tirania em todo o mundo, um humilde herói cuja resistência ao comunismo ajudou a libertar uma Europa unida, enquanto intelectuais lamentavam a perda do escritor e dramaturgo que amava o jazz e o teatro.
Trajetória singular
Havel teve uma trajetória singular. Eleito presidente da República Tcheca, pela Assembleia Federal, em 29 de dezembro de 1989, o dramaturgo e ensaísta, nascido em 1936, em Praga, enfrentou uma terrível contradição. Havia passado apenas dois meses da queda do muro de Berlim, e a Europa Central e Oriental, de obediência comunista, vivia uma explosão de manifestações e protestos a caminho da liberdade. Os movimentos cívicos, que haviam se configurado na oposição mais ativa contra as ditaduras comunistas, se converteram na vanguarda dos movimentos democráticos. Assim, alguns líderes dissidentes foram forçados a tomar o poder. O mais notável foi o de Havel, uma das lideranças da revolução democrática, foi promovido a mais alta autoridade da Tchecoslováquia.
Poucos exemplos existiam na história contemporânea da Europa de escritores que haviam alcançado tal posto de poder, sem tê-lo pretendido. Esta circunstância coincidiu sempre com os períodos revolucionários, de aceleração histórica, para ascensão à sede do Estado ou de governo de figuras populares que tiveram o apoio de sua estatura e sua carreira intelectual, diz o El País.
O jornal espanhol lembra que, na Espanha, a ascensão de Havel pode ser comparada à de Manuel Azaña, procedente do movimento antimonárquico e a favor da democracia, que chegou a ser ministro e, mais tarde, primeiro-ministro e presidente da República. Nestes personagens, com seus sucessos e fracassos, sempre prevaleceu a ética política e seus próprios princípios morais sobre os caprichos de oportunismo partidário. São justamente essas contradições que sofreu Havel, de uma forma ou de outra, durante seus 13 anos como chefe da Tchecoslováquia.
Em setembro de 2008, em uma entrevista concedida ao El País, em Praga, o político e intelectual, ao responder a pergunta se havia se arrependido de aceitar a presidência tcheca, disse:
– É difícil responder a essa pergunta, porque eu tive que desistir de muitas coisas para mergulhar na política. Foi, sem dúvida, um sacrifício para mim. Agora, reconheço que também significou um presente do destino, porque eu pude influenciar alguns eventos-chave para o meu país e para a Europa.
Desde a fundação da capital tcheca, um Havel amigável, mas sóbrio, definia nestes termos o que deve ser o papel do intelectual:
– Eu acho que um intelectual tem mais responsabilidade com a sociedade do que outros. É claro, a voz de um intelectual é importante e os políticos deveriam ouvir mais os intelectuais porque a reflexão radical é muito necessária para a prossecução de um mundo melhor.
Nascido no seio de uma família burguesa (seu pai era empresário e seu avô materno havia sido um famoso diplomata e jornalista), o jovem Havel teve problemas para cursar os estudos. Finalmente pode matricular-se na faculdade de Economia, em Praga, e, em 1964, casou-se com Olga Splichalova, uma mulher de origem operária. De toda forma, a vocação cultural de Havel estava clara e ele resolveu dedicar-se ao teatro, pôs-se a estudar arte dramática por correspondência.
No começo dos anos de 1970, com as peças A festa do jardim e O memorando, o dramaturgo tcheco torna-se uma revelação, tanto em seu país como no exterior. Em 1968, este segundo trabalho é representado em Nova York, o que dá uma projeção notável Havel em todo o mundo.
Enquanto sua obra teatral é reconhecida no exterior, suas peças são proibidas na República Tcheca e o regime comunista impedia a saída de Havel para outros países. Ao lado de seu trabalho intelectual, aumentava seu compromisso político, especialmente depois de seu envolvimento com a chamada Primavera de Praga, a experiência do socialismo democrático reprimida pelos tanques soviéticos e que marcou toda uma geração de democratas nos países da região. Com a repressão, Havel se viu forçado a voltar a trabalhar em uma cervejaria, trabalho que mais tarde estaria refletido em sua obra Audiência.
Nas décadas dos anos de 1970 e 1980, Havel foi condenado em várias ocasiões pelo regime comunista e passou longos períodos na prisão. Sua mais longa estada na cadeia durou de 1979 a 1984 e é descrita em um ensaio intitulado Cartas à Olga, sua esposa na época. Além de sua dramática passagem pela prisão, Havel escreveu ensaios ao longo de sua vida analisando, especialmente, o cotidiano sob o domínio da ditadura e as reações morais e políticas provocadas na sociedade.
Um admirador dos grandes líderes da resistência não-violenta, como Gandhi ou Martin Luther King, o escritor checo tornou-se um respeitado intelectual da resistência contra o comunismo. A crise do bloco de Leste, que resultou na perestroika na URSS, liderado na época pelo presidente Mikhail Gorbachev e culminando com a queda do Muro de Berlim, em 09 de novembro de 1989, transformou-o em um dos líderes da sociedade, já que ele havia liderado a luta anticomunista.
Líder do Fórum Cívico, Havel foi eleito presidente da Tchecoslováquia nos últimos dias de 1989, ano que mudou o mundo. Após um breve hiato, por discordar da separação pacífica da República Tcheca e da Eslováquia, em 1993, Havel ocupou a presidência do país até 2003.
Não foi sem controvérsia que atravessou esse longo período frente a presidência, entre elas a anistia geral declarada logo após sua chegada ao poder. No entanto, a sua autoridade moral permaneceu praticamente intacta e seu talento como integrador, abriu as portas da República Tcheca para o mundo democrático. Casado em 1997 com a atriz Dagmar Veskrnova, após a morte de sua primeira esposa no ano anterior, Havel passou seus últimos anos na liderança de uma fundação cultural em Praga e trabalhando em suas memórias que foram publicadas na Espanha em 2007 sob o título: Seja breve.
PRAGA e LONDRES – Morreu no domingo, aos 75 anos, o ex-presidente tcheco Vaclav Havel em sua casa de campo ao norte de Praga. Ex-fumante inveterado, Havel enfrentou várias operações contra o câncer de pulmão e de intestino, este último quase o matou no fim dos anos 1990, deixando sua saúde frágil pelo resto de sua vida. A morte durante o sono em sua casa de campo ao norte de Praga comoveu os tchecos e levou à reflexão todo um continente rachado e abalado pela crise econômica. Em Praga, bandeiras negras foram hasteadas lado a lado da bandeira da República Tcheca em sinal de luto pela morte do ex-presidente. Uma multidão enfrentou o frio e a neve do inverno europeu para prestar homenagem a um dos maiores expoentes do movimento de dissidentes que desafiou apenas com palavras a antiga União Soviética. Na Praça Venceslau, milhares de pessoas homenagearam Havel balançando chaves no ar como era hábito nas manifestações anticomunistas cantando o hino nacional e fazendo um minuto de silêncio. Muitos acenderam velas na praça e diante da casa dele na cidade. Às 18h, os sinos das igrejas e catedrais soaram em todo o país, e uma bandeira negra foi hasteada no Castelo de Praga, sede da Presidência, onde o corpo de Havel ficará em exposição na quarta-feira.
Líderes políticos mundiais lembraram de Havel, líder da Revolução de Veludo, de 1989, que derrubou o regime comunista, como fonte de inspiração contra a tirania em todo o mundo, um humilde herói cuja resistência ao comunismo ajudou a libertar uma Europa unida, enquanto intelectuais lamentavam a perda do escritor e dramaturgo que amava o jazz e o teatro.
Num comunicado, o presidente dos EUA, Barack Obama, disse que foi inspirado por Havel:
Sua resistência pacífica abalou as fundações de um império, exposto ao vácuo de uma ideologia repressora, e provou que a liderança moral é mais poderosa que qualquer armamento.
A chanceler alemã Angela Merkel ressaltou a importância do legado de Havel para a Europa unida, em nota endereçada ao sucessor de Havel, o presidente tcheco Vaclav Klaus:
Ele também incorporou as aspirações de metade do continente atingido pela Cortina de Ferro, e ajudou a deslanchar marés da história que resultaram numa Europa democrática e unida… Nós vamos lembrar seu compromisso com a liberdade e a democracia tanto quanto a sua grande humanidade. Nós, alemães, especialmente, temos muito a agradecê-lo. Lamentamos juntos a perda de um grande europeu, escreveu Merkel.
Para o presidente Nicolas Sarkozy, a França perde um amigo, e a Europa perde um de seus homens sábios.
O primeiro-ministro britânico David Cameron lembrou a revolução de 1989 em Praga que deu fim ao regime apoiado pelo regime soviético:
Ninguém de minha geração vai jamais se esquecer daquelas fortes cenas na Praça Wenceslas há duas décadas.
Já o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, que incluiu em 1999 disse que Havel será lembrado em todo o mundo como um grande escritor, um visionário e líder que ajudou a reunir a Europa depois de meio século de divisão.
Lech Walesa, ex-presidente polonês e do movimento sindicalista Solidariedade que enfrentou o comunismo no leste da Europa, disse que Havel foi grande e benemérito homem. Walesa, que ganhou um nobel da Paz por liderar seu país contra o regime comunista, disse que Havel, que foi repetidamente indicado ao prêmio Nobel da Paz, também deveria ter recebido a honra, mas no mundo, nem tudo é justo.
O dramaturgo e ex-Presidente da Checoslováquia Vaclav Havel morreu dia 16 de Dezembro, aos 75 anos.
(Fonte: www.oglobo.globo.com/mundo – 19/12/11)
(Fonte: www.hardmusica.pt – Teatro/ Por Eduardo Silva)