Feola: um campeão da simplicidade
Vicente Italo Feola (São Paulo, 1° de novembro de 1909 – São Paulo, 6 de novembro de 1975), um dos maiores treinadores da história do futebol, que entrou para a história como o primeiro técnico a conquistar uma Copa do Mundo dirigindo a Seleção Brasileira.
Em vida, o imenso Vicente Italo Feola recebeu muitas críticas – algo perfeitamente inevitável para técnicos que perdem copas do mundo de futebol. De qualquer forma, entretanto, sempre foi impossível detestá-lo.
Em fevereiro de 1958, quando aquele homem de pálpebras sonolentas foi escolhido para dirigir a seleção que traria o primeiro título mundial de futebol para o Brasil, poucos acreditavam que ele pudesse se sustentar no cargo muito tempo.
Foi chamado de técnico “tapa-buraco”, esses que são menos técnicos e mais burocratas do clube, e assumem a direção até que outro treinador de renome seja contratado.
A imprensa, principalmente do Rio de Janeiro, não admitia que reputados estrategistas do jogo da bola, como Zezé Moreira (1917-1998) e Flávio Costa (1906-1999), fossem preteridos por um mero gordão, que, segundo alguns, chegava a cochilar durante as partidas.
Mesmo depois da grande vitória da Suécia, Feola continuou uma personalidade menor – aliás, sem se importar absolutamente com isso. O time de 1958 não precisava mesmo de um técnico, dizia-se. Seu fracasso no Mundial de 1966, na Inglaterra, provava que ele não entendia nada, acusavam.
E, durante anos, o próprio Feola permitiu que fosse periodicamente ressuscitada a saborosa história de que a escalação de Garrincha e Pelé em 1958 – eles deram vida nova ao time na célebre partida contra a União Soviética – fora uma manobra urdida nos quartos de Didi, Nílton Santos e outros craques, e praticamente imposta ao treinador na manhã daquele jogo.
Bom humor – Só recentemente, numa de suas últimas aparições num programa de TV, Feola ensaiou resposta, tentando restabelecer o que se chama de verdade histórica. Disse que Pelé não jogara de saída no Mundial porque estava contundido.
Não conseguiu falar sobre Garrincha. Sua voz pastosa sucumbiu diante da torrencial argumentação dos entrevistadores, cada um expondo sua opinião pessoal e criando a tradicional confusão de ideias que caracteriza as discussões sobre o futebol.
Vicente Feola não conseguiu assim “completar seu raciocínio”, como costuma se dizer nos programas desse tipo – e ficou quieto enquanto os outros debatiam aos berros o que ele fizera e não fizera.
Aliás, nunca se soube o que ele pensava exatamente sobre futebol – Feola raramente falava. Seus amigos mais chegados, entretanto, descobrem sob esse silêncio um espírito irreverente. Ele gostava de contar um episódio ocorrido com o jornalista Álvaro Paes Leme, da Última Hora de São Paulo.
O fotógrafo do jornal havia deixado umas lâmpadas de flash espalhadas pelo chão do vestiário e Feola avisou Paes Leme que aquilo poderia cortar o pé de um jogador. Paes Leme, um intimorato defensor de suas próprias ideias, retrucou: “Ô Feola, essas lâmpadas são inquebráveis”.
Para comprovar essa tese, o jornalista apanhou duas lâmpadas do chão e as espremeu nas mãos, como se fossem bagos de uva. Feola contava que Paes Leme não pôde escrever seus artigos durante os dez dias seguintes. É célebre, também, seu comportamento na briga épica entre brasileiros e uruguaios no Sul-Americano de 1959.
Enquanto todos se esmurravam, Feola continuou tranquilamente sentado, como se estivesse assistindo a um espetáculo fascinante. Alguém passou por ele e reclamou de sua total passividade. Ao que ele teria retrucado: “Eu não me levanto porque estou sentado em cima de um uruguaio”.
22 homens – É fora de dúvida que sua figura rotunda escondia um razoável conhecedor dos segredos do futebol. Está encerrado um capítulo da história do futebol brasileiro e do São Paulo Futebol Clube, onde Feola começou a trabalhar em 1937 como funcionário – atualmente, era gerente administrativo do clube.
Talvez seja verdade. Como lembra o colunista Marcos de Castro, Feola representava basicamente o bom senso, artigo escasso atualmente nos campos de futebol e fora dele. Alberto Helena Jr., do Jornal da Tarde de São Paulo, exumou um documentário do malsinado Mundial de 1950 em que aparece Feola, na época auxiliar de Flávio Costa (1906-1999), treinando o goleiro Barbosa em defesas de chutes rasteiros disparados em diagonal contra a meta.
Foi num chute assim que Gigghia marcou o fatídico gol uruguaio. Como diz o comentarista, Feola não tem culpa se seus alunos não aprenderam direito a lição.
E, ao morrer em 6 de novembro de 1975, aos 66 anos, suscitou textos carregados de sentimentalismo na imprensa esportiva. No Jornal do Brasil, o colunista Marcos de Castro fechava assim seu artigo da última sexta-feira, 7 de novembro: “Acho que os bons estão morrendo muito”.
No mesmo jornal, Sandro Moreyra (1918-1987), outro veterano colunista, dizia: “Feola serviu ao esporte sem dele tirar proveito, o que vale ser registrado, por ser tão raro entre nós.”
Ao seu enterro, não compareceu muita gente, talvez pouco mais de 300 pessoas. mas havia um clima de reunião de ex-jogadores, ex-alunos da qual faziam parte jogadores aposentados (Noronha, Teixeirinha, Bellini, Djalma Santos, Gijo, Bauer, Gino, Luís Mesquita de Oliveira e outros) e os indefectíveis dirigentes. Destes o mais exuberante em suas manifestações era o ex-presidente da Federação Paulista de Futebol e atual candidato a vice, João Mendonça Falcão.
Enquanto procurava uma brecha para também participar do ato de carregar o caixão, Falcão comentava: “Se eu estivesse na Federação, o Feola iria ter as homenagens que merece. Ele era bom mesmo. Tinha o coração do tamanho da barriga!”
Mais contidos e consequentes em suas palavras, foram Bellini e Djalma Santos. Bellini dizia: “Feola ganhou a Copa de 1958 porque conseguia tudo dos jogadores dando-lhes liberdade para discutir, criticar, sugerir”. E Djalma completava: “Na Suécia, a seleção não era um punhado de 22 nomes, ou 22 rótulos. Feola levou para lá 22 jogadores, 22 homens”.
Desde o momento em que ele morreu (miocárdio – esclerose, edema pulmonar agudo, enfarte do miocárdio), várias vezes já se afirmou que está encerrado um capítulo da história do futebol brasileiro.
(Fonte: Veja, 12 de novembro de 1975 – Edição 375 – MEMÓRIA – Pág: 99/100)