Vitorino Magalhães Godinho, historiador, figura maior da historiografia internacional

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Vitorino Magalhães Godinho (Lisboa, 9 de junho de 1918 – Lisboa, 26 de abril de 2011), historiador, figura maior da historiografia internacional, a par de Fernand Braudel e Le Roy Ladurie, membros da escola francesa dos Annales, deixa uma vastíssima obra em que avultam obras essenciais para a compreensão de Portugal como nação. Nunca virou o rosto à polêmica nem abdicou da intervenção cívica, sempre fundamentados na erudição e numa fina inteligência.

Acredita que “aquilo que somos esclarece-se em boa parte através do que fomos. Vitorino Magalhães Godinho (VMG) continua a ser um nome maior da Historiografia portuguesa, nomeadamente na que se refere ao período fundamental dos Descobrimentos. Não apenas pelo que fez mas pelo que continuará a fazer: ainda agora, a sua obra A Expansão Quatrocentista Portuguesa entrou na 2.ª edição, um mês após a publicação. Embora seja apresentado como uma edição revista de A Economia dos Descobrimentos Henriquinos (publicada nos anos 60), este livro trouxe muitos dados novos e constitui o título mais recente de uma bibliografia em que se destacam Prixet Monnaies au Portugal, 1750-1850; Os Descobrimentos e a Economia Mundial e a Revista de História Econômica e Social, de que foi diretor.

Contemporâneo do historiador francês Pierre Vilar na École des Hautes Études de Paris e, como ele, discípulo dos fundadores da escola dos Annales (como Fernand Braudel), VMG nunca se refugiou na torre de marfim do passado e fez sempre da História um ofício de cidadania. Nunca abdicou da intervenção política (como, aliás, o pai, Vitorino Henriques Godinho e o irmão, José Magalhães Godinho), o que lhe causou não poucos problemas durante o salazarismo (nomeadamente, o afastamento do ensino e o exílio). Regressado a Portugal no pós-25 de Abril, foi ministro da Educação (1974), diretor da Biblioteca Nacional (1984) e um dos fundadores da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Mas os rumos de Portugal e do mundo deixam-lhe na boca um sabor demasiado amargo.
(Fonte: www.aeiou.visao.pt – Maria João Martins – 27 de Abr de 2011)
(Fonte: Zero Hora – ANO 47 – Nº 16.673 – Memória – 30/05/11 – Pág; 39)

Nascido em Lisboa (1918), filho de Vitorino Henriques Godinho – oficial do Exército e político republicano – e de D. Maria José Vilhena Barbosa de Magalhães. Estudos secundários em Lisboa, Liceus de Gil Vicente e de Pedro Nunes, licenciatura em Ciências Historico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1940). Professor extraordinário da Faculdade de Letras de Lisboa (1941-1944), investigador do Centre National de la Recherche Scientifique (1947-1960), Doutor ès-Lettres pela Faculdade de Letras da Universidade de Paris (1959), professor catedrático do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (1960-1962), Doutor honoris causa e professor na Faculté des Lettres et Sciences Humaines da Universidade de Clermont-Ferrand (1970-1974), Ministro da Educação e Cultura (1974), professor catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, coordenador do departamento de Sociologia (1975-1988), Director da Biblioteca Nacional (1984). Prix d’Histoire Maritime da Académie de Marine (1970) e Prémio Balzan (1991), sócio correspondente da Academia Brasileira de Letras e da Royal Academy (Londres). Dirigiu várias colecções, nomeadamente nas Edições Cosmos, e fundou e dirige a Revista de História Económica e Social (1979).

Tendo começado os seus estudos pela Filosofia (Razão e História – Introdução a um problema, 1940; Esboço sobre alguns problemas da Lógica, 1943) cedo passou a interessar-se pela História. E de imediato inicia pesquisas sobre a História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Duas são as linhas de investigação inicial: um minucioso trabalho erudito sobre as fontes (Documentos para a História da Expansão Portuguesa, 1943-1956) a partir de uma problemática muito ampla (A Expansão Quatrocentista portuguesa, 1944) e uma tentativa de reconstituição das culturas e civilizações antes da chegada dos portugueses (História económica e social da Expansão Portuguesa, 1947; O “Mediterrâneo saariano” e as caravanas do ouro – séculos XI ao século XVI, 1956). Só assim, na conjugação destas duas linhas de trabalho, se conseguirá proceder à construção da história portuguesa e do seu impacte no Mundo nos séculos XV e XVI. Tendo prosseguido os seus trabalhos na École Pratique des Hautes Études em Paris – junto de Lucien Febvre, Fernand Braudel e Ernest Labrousse –, aí apresenta Prix et monnaies au Portugal, 1750-1850 (1955) e L’économie de l’empire portugais – XVe- XVIe siècles (1966), obra esta que foi tese de doutoramento (editada em português, com acrescentos, em 1963-1971, Os descobrimentos e a economia mundial, com edição definitiva em 1983-1984). Pertence à grande escola de estudos históricos que se desenvolve em torno da revista Annales (Économies – Sociétés – Civilisations). Destaca-se pela resistência à ditadura (o que lhe valeu por duas vezes o afastamento da universidade portuguesa) e também pela sua intervenção cívica em democracia, de que resultaram várias publicações: O Socialismo e o futuro da Península (1970), Portugal. A Pátria bloqueada e a responsabilidade da cidadania (1985). Apresentou propostas originais para reforma do sistema educativo português: Um rumo para a educação (1974).

Deve-se-lhe a actualização e a renovação dos estudos de história da expansão portuguesa numa perspectiva mundial. Partindo das reflexões e investigações de Oliveira Martins, Jaime Cortesão e Duarte Leite consegue ir muito mais longe e construir explicações muito enriquecedoras. A economia dos descobrimentos henriquinos (1962) e Os descobrimentos e a economia mundial revelam essa largueza de preocupações, mostrando como se entrelaçam e conjugam aspectos vários das disciplinas das ciências sociais na investigação histórica. Também no domínio da História de Portugal, moderna e contemporânea, escreveu estudos fundamentais e promoveu investigações que refizeram muitas temáticas: A estrutura da antiga sociedade portuguesa (1971), Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar, séculos XIII-XVIII (1990). Igualmente se lhe deve a indicação de novos temas e novos problemas para investigações e dissertações que dirigiu, em especial durante o seu magistério na Universidade Nova de Lisboa.

Das suas lições de rigor erudito, de alargamento metodológico e da problematização das fontes como objecto cultural, de ensaio de quantificação e de cruzamento com as diferentes ciências sociais, de fundamentação teórica e de aplicação de uma visão histórica aos diferentes domínios do saber, de cidadania activa resultou uma notável renovação dos estudos de história em Portugal. Como escreveu numa das suas primeiras obras, “não é possível analisar os problemas da realidade portuguesa contemporânea sem os inserir na trama da evolução do nosso país, quer dizer, sem estudar as condições de formação do mundo em que vivemos, a gênese da nossa cultura, da nossa sociedade, da estrutura político-econômica de Portugal”. Levando longe a sua proposta de que a história deve ser pensada na dialética da globalidade e de que a história é uma forma de pensamento, fundamenta uma visão da contemporaneidade muito rica e estimulante.

(Fonte: wwcvc.instituto-camoes.pt – Figuras da Cultura Portuguesa/ Por Joaquim Romero Magalhães)

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