Vladimir Nabokov, escritor russo-americano que saiu do anonimato, transformou-se num autor famoso

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Vladimir Nabokov, escritor russo-americano.

 

Vladimir Vladimirovich Nabokov (Leningrado, 23 de abril de 1899 – Montreux, Suíça, 2 de julho de 1977), escritor russo-americano que saiu do anonimato, transformou-se num autor famoso, e a inclusão do neologismo “ninfeta” – para designar menininhas sensuais – no dicionário Webster.

O romancista americano John Updike (“Casais Trocados”) via nele o melhor estilista de língua inglesa depois de James Joyce. Alguns críticos o filiavam sem constrangimento a uma linhagem que se abre com Shakespeare e passa por Bernard Shaw, T. S. Eliot, Ezra Pound. Nunca faltou, porém, quem o reduzisse a um habilidoso romancista do segundo time. Mais próxima talvez destes últimos, a Real Academia da Suécia jamais se sentiu suficientemente motivada para conceder-lhe o Prêmio Nobel – ressentimento que Vladimir Vladimirovich Nabokov guardaria até a sua morte, no dia 2 de julho de 1977, um sábado, aos 78 anos de idade.

Mantida em segredo até dia 11 de julho, a pedido da mulher Vera e do filho Dmitri, a notícia da morte do escritor – causada por misteriosa doença infecciosa que o consumiu ao longo de dezoito meses e ocorrida na cidade suíça de Montreux, onde vivia há desseis anos – voltou a alimentar a polêmica em torno dos quase quarenta livros de Nabokov. E, coincindindo com o lançamento, em Nova York, da primeira biografia do autor de “Lolita” – “His Life in Part”, de Andrew Field -, iluminou novamente a fascinante personalidade desse homem que escreveu em três línguas (russo, inglês e francês), dividiu sua existência por seis países, sobreviveu durante muitos anos como professor de língua, literatura, boxe e tênis, e que, estudioso de borboletas, acabaria deixando seu nome a uma delas, Lycaeides melissa samuelis nabokov.

Mergulha no passado, como a de Marcel Proust, a literatura de Vladimir Nabokov planta suas raízes na origem aristocrática do escritor. Nascido em São Petersburgo, hoje Leningrado, a 23 de abril de 1899, de uma família abastada, ele teve professora francesa e governanta inglesa, tornando-se trilíngue antes mesmo de escrever em russo. Tal circunstância atenuaria as penas de seu exílio vitalício, iniciado dois anos após a Revolução soviética.

Ficcionista menor – Nesse ano, autor já de dois livros de poesia, Nabokov partiu com a família para a Inglaterra, deixando atrás de si cerca de 2 milhões de dólares herdados de um tio. Em Cambridge, depois de breve passagem pelo curso de zoologia, diplomou-se em literatura russa e francesa, como o primeiro da classe, em 1922.

Viriam então, em Berlim e Paris, os tempos mais difíceis de sua vida – justamente aqueles em que produziu, em russo, a maior parte de sua obra. Com efeito, à exceção de “Lolita” (1955), “Ada” (1969) e alguns outros livros, como o admirável “Fala, Memória” (1967), Nabokov é um escritor da década de 20 – contemporâneo, pois, de Thomas Mann, Joyce e Faulkner. E, sem dúvida, jamais esteve à altura desses últimos representantes do romance como painel de uma época e de uma sociedade. Talvez por lhe faltar o fluxo caudaloso da criação, ele detestava os monumentos literários, especialmente Dostoiévski e Balzac. Suas abominações confessas abrangiam também André Malraux (“execrável”), Eliot e Pound, e “mediocridades pomposas” como Camus, García Lorca, Gorky, Brecht e Stendhal – além de Marx e Freud. Seus amores elegiam Lewis Carroll (Nabokov traduziu “Alice” para o russo), Pushkin (traduziu “Eugene Onegin” para o inglês), Tolstói, Proust, Kafka, J. D. Salinger, John Updike e poucos mais.

Não chegaria, contudo, às culminâncias tocadas pela maioria de suas admirações e idiossincrasias. Nabokov foi, na verdade, um grande ficcionista menor. Escreveu, certamente, um inglês criativo – a partir de “A Verdadeira Vida de Sebastião Knight”, de 1941, quatro anos antes de adotar a cidadania americana, o russo deixou de ser o seu idioma. Sua contribuição maior consistiria na criação de personagens que simbolizaram representações coletivas – sobretudo a mitológica Lolita, sinônimo de atração sexual precoce (ela tinha apenas 12 anos), e o pobre quarentão Humbert Humbert, por ela submetido a tormentos eróticos e que, por sua vez, dela se aproveita para liberar fantasias e neuroses.

Escândalo decisivo – Foi o escândalo de “Lolita” – romance recusado por vários editores, finalmente publicado em Paris e só três anos mais tarde em Nova York – que arrancou Nabokov do anonimato, tranformando-o num autor famoso, controvertido e endinheirado. Os 2,5 milhões de exemplares vendidos só nos Estados Unidos lhe valeram um filme de Stanley Kubrick, em 1961, uma peça na Broadway e a inclusão do neologismo “ninfeta” – para designar menininhas sensuais – no dicionário Webster.

Não fosse esse escândalo, talvez Nabokov tivesse permanecido na obscuridade. Sua sorte foi possuir um dom profético. Num momento caracterizado por mudanças de comportamento e derrubada de valores morais, ele portou-se como pioneiro: teve um olhar de compreensão e de compaixão, que mesclava de ironia e desprezo, para o homem colhido na armadilha de suas angústias e fraquezas. Como Henry Miller, pressentiu os ventos das transformações que haveriam de levar, para as páginas de ficção, o anti-herói – o homem capaz de grandezas e mesquinharias, sublimação e sentimentos generosos.

Dotado de tão aguda percepção, e curioso que Nabokov tenha feito do passado a sua base mais acolhedora. Mas era ali, finalmente, que o aristocrata despido de pompa e riqueza se sentia mais à vontade. Assim, se “Lolita” foi o marco da pornografia elevada à condição de arte, o melhor Nabokov é o de “Ada” (pessimamente traduzido no Brasil), e “Fala, Memória”, onde ele, avesso a tiranias e sistemas, aceita o delicado jugo da memória.

(Fonte: Veja, 13 de julho, 1977 – Edição 462 – LITERATURA – Pág; 117/118)
(Fonte: www.noticias.terra.com.br – Fatos históricos do dia 2 de julho)

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