Wolfgang Pauli, o físico brilhante citado por Einstein como seu sucessor intelectual
© CERN)
Wolfgang Pauli é um dos mais fascinantes gigantes da Física do século 20, embora não seja muito conhecido fora do âmbito dessa ciência, como aconteceu com outros colegas de profissão.
Que ele era brilhante, é difícil de negar. Basta olhar para o motivo pelo qual recebeu o prêmio Nobel de 1945: nada menos que a descoberta de uma nova lei da natureza – o princípio da exclusão.
Ele foi apelidado de “a consciência da Física” por causa das críticas mordazes que fazia aos estudos e teorias de seus colegas, que o adoravam e temiam na mesma medida.
Além disso, Pauli conseguiu prever a existência da partícula de neutrino décadas antes de ela ser confirmada. Ele próprio desdenhou de sua descoberta: “Fiz algo terrível. Postulei uma partícula impossível de ser detectada.”
A partícula foi detectada — mas apenas 25 anos depois. E essas partículas são como “fantasmas” — notoriamente difíceis de se detectar, apesar de serem incrivelmente abundantes no universo.
O físico também é lembrado por uma superstição que seus colegas chamavam de “efeito Pauli”: aparentemente, quando ele estava por perto, acontecia algum desastre.
Durante anos circularam anedotas sobre falhas em equipamentos experimentais supostamente causadas por sua presença.
Mas, se a maioria de seus colegas via isso com humor, alguns chegaram a proibi-lo de entrar em seus laboratórios.
O próprio Wolfgang Pauli achava que havia verdade nessa “maldição”. Ainda mais depois da peça pregada por um amigo quando ele participou de uma conferência internacional em Bruxelas, em 1948.
O físico italiano Beppo Occhialini criou um mecanismo para que uma lâmpada do teto caísse quando Pauli entrasse em seu laboratório. Mas quando Pauli entrou, o mecanismo falhou.
Pauli também fez uma longa exploração da natureza da realidade com o influente psiquiatra suíço Carl Jung, e deixou um longo legado de correspondência com cientistas que até hoje serve como fonte de conhecimento.
Aposta acertada
Wolfgang Pauli nasceu em Viena em 1900, quando a capital austríaca era um epicentro de criatividade cultural e científica.
Seus pais eram judeus seculares convertidos ao catolicismo devido ao crescente antissemitismo na Europa.
Mais tarde, isso o obrigaria a se exilar nos Estados Unidos, devido ao risco de os nazistas ignorarem a conversão religiosa da sua família.
Além de suas aptidões naturais, tudo ao seu redor alimentava seu intelecto: seu pai era um respeitado professor universitário de Medicina Química e sua mãe, Bertha Camilla Schütz, uma proeminente escritora, pacifista, socialista e feminista.
Seu círculo social incluía personalidades como o físico e filósofo Ernst Mach, a quem o próprio Albert Einstein reconhecia como sendo o precursor de sua teoria da relatividade.
Mach foi padrinho de Pauli. O físico de partículas Frank Close, professor emérito da Universidade de Oxford, disse à BBC que a influência do padrinho era tamanha, que Pauli passou a vida seguindo a escola de raciocínio antimetafísica de Mach.
Na escola, Pauli se destacou pela excelência em Matemática e Física, e aos 18 anos ingressou na Universidade de Munique para estudar com o físico teórico Arnold Sommerfeld, o mentor dos sonhos: entre seus alunos, estiveram seis ganhadores do Prêmio Nobel.
Sommerfeld ficou tão impressionado com a habilidade matemática de Pauli que, quando Einstein recusou um convite para escrever um artigo sobre a Teoria da Relatividade para a prestigiada Enciclopédia de Ciências Matemáticas, Sommerfeld pediu a Pauli que o fizesse.
Naquela época, a Teoria da Relatividade não era somente revolucionária, mas ainda muito nova, e nem mesmo a maioria dos físicos a conhecia muito bem.
Confiar a um aluno recém-saído do ensino médio a tarefa de redigir um texto tão importante não era algo sensato, como enfatiza o físico Hans von Baeyer do Instituto Metanexus.
Mas a aposta de Sommerfeld foi acertada.
A resenha de mais de 200 páginas de Pauli foi elogiada pelos grandes matemáticos da época.
“Além de escrever um simples estudo da teoria, ele apontou problemas que estavam em aberto nela”, disse Michela Massimi, professora de Filosofia da Ciência da Universidade de Edimburgo, à BBC.
“Isso impressionou a todos e o colocou de vez no cenário internacional”, acrescentou.
O próprio Einstein elogiou o texto de Pauli.
“Ninguém que estude esta obra madura e grandiosamente concebida acreditaria que seu autor é um homem de 21 anos”, comentou o autor da Teoria da Relatividade.
A resenha de Pauli virou um clássico instantâneo e continua sendo uma obra de referência.
Os especialistas em Física viam o jovem estudante como muito promissor.
E ele não decepcionou.
Exclusividade aos 24 anos
Depois de receber seu doutorado, Pauli trabalhou como assistente do matemático e físico alemão Max Born (Prêmio Nobel de 1954) na Universidade de Göttingen.
No ano seguinte, Niels Bohr (Nobel de 1922), o físico dinamarquês que revolucionou a compreensão do átomo, o convidou para trabalhar com ele em Copenhague, na Dinamarca.
Mas foi quando se mudou para a Alemanha, para lecionar na Universidade de Hamburgo, que Pauli propôs duas ideias radicais que resolveram problemas fundamentais da estrutura do átomo.
Um deles foi o que lhe renderia o Prêmio Nobel: o princípio da exclusão ou princípio de Pauli.
Compreendê-lo bem é complicado, mas vale a pena tentar com a ajuda do físico Frank Close, que explicou à BBC porque esse princípio é tão fundamental.
Naquela época já se sabia que os átomos tinham núcleo, com carga positiva, e que os elétrons giravam em torno deles em órbitas elípticas, separados como os degraus de uma escada.
Em cada degrau, ou estado quântico, pode haver um número específico de elétrons: no mais baixo, só pode haver dois no máximo.
E isso define o que são os elementos: o hidrogênio tem um único elétron no degrau mais baixo; se houver dois elétrons, é hélio.
O próximo elemento é o lítio, mas como ele possui três elétrons, o elétrons ocupam a próxima etapa e assim por diante.
O princípio, observou Close, diz que “se você já tem um elétron ocupando um desses estados quânticos, você não pode colocar outro elétron lá: ele está excluído”.
Para ilustrar, ele deu um exemplo: “Se eu bater na mesa, minha mão não passa pela mesa porque os elétrons na borda externa do meu dedo estão tentando ocupar um estado que já está ocupado por um elétron na madeira da mesa”.
“O fato de os elétrons não poderem ir a lugar nenhum, de serem colocados em lugares especiais porque os estados ocupados já estão excluídos, dá origem às diferentes naturezas químicas dos átomos”, diz Frank Close.
A consequência disso, segundo ele, é que você e eu, o universo e todo o resto existimos.
Se o princípio da exclusão não obrigasse os elétrons a ficarem em lugares diferentes do quebra-cabeça e a construírem estruturas, eles estariam flutuando e não formariam átomos, sólidos, cristais… nada.
“Mesmo no cosmos, a morte das estrelas está relacionada com o princípio da exclusão. À medida que a estrela entra em colapso, os seus constituintes tentam comprimir-se cada vez mais até não conseguirem, porque são excluídos.”
Os demais físicos foram rápidos em reconhecer a importância da descoberta.
“A notícia se espalhou muito rapidamente”, diz Michela Massimi, da Universidade de Edimburgo.
“Pauli anunciou a regra de exclusão – e enfatizo que ele a chamou de regra, não de princípio, porque na época era apenas uma humilde regra prática – em uma carta a Alfred Landé, um proeminente físico experimental, no final de 1924.”
“Um mês depois, Niels Bohr escreveu a Pauli de Copenhague dizendo: ‘estamos todos muito entusiasmados com as diversas coisas bonitas que você descobriu e não preciso esconder nenhuma crítica porque você mesmo descreveu tudo como uma loucura’.”
“A realidade é que eles estavam tentando entender a regra de exclusão”, afirma Massimi.
“E Pauli introduziu em 1924, antes que as bases da mecânica quântica fossem realmente lançadas, uma regra que finalmente fornecesse uma solução para um problema que atormentava os físicos há décadas”, diz Massimi.
Mais tarde a regra seria confirmada como princípio e, como disse o professor I. Waller, membro do Comitê do Nobel de Física ao lhe conceder o prêmio, ela passou a ser caracterizada como uma lei fundamental da natureza.
“O princípio, descoberto pela primeira vez para os elétrons, demonstrou ser válido para os núcleos de hidrogênio, chamados prótons, e também para os nêutrons que são formados em muitas reações nucleares”, disse ele.
Isto apesar de, como diz Hans Von Baeyer, ele ter introduzido essa regra por decreto.
“Ele não propôs nenhuma nova força entre os elétrons, nenhum mecanismo, nem mesmo lógica, para apoiar essa ideia.”
“Era simplesmente uma regra, imperativa na sua natureza peremptória e diferente de qualquer outra coisa em todo o domínio da física moderna.”
“Os elétrons evitam os números quânticos privados uns dos outros por nenhuma outra razão a não ser ‘por medo de Pauli’, como disse um físico (Paul Ehrenfest, 1931).”
Não era falso
Pauli fez todas as suas descobertas e deduções analisando profundamente o conhecimento experimental e teórico da física atômica da época e usando suas incríveis habilidades matemáticas.
Isso também fez dele um imponente crítico do trabalho dos outros.
Sua opinião sobre novas ideias era tão importante para sua aceitação ou rejeição pela comunidade física que eles o apelidaram de a “consciência da física”.
“Nenhuma forma de aprovação poderia ser mais valiosa para os físicos, incluindo Bohr, do que um gesto benevolente de Pauli”, observou o físico belga Leon Rosenfeld.
Ele deixou um curioso legado de frases que continuam a ser citadas.
A mais famosa delas é devastadora.
Como escreveu o físico Rudolph Peierls em suas memórias biográficas de Pauli, “um amigo mostrou a ele um artigo de um jovem físico que ele suspeitava não ser de grande valor, mas sobre quem ele queria saber a opinião de Pauli”.
“Pauli comentou com tristeza: ‘Nem é falso'”.
Outras fontes relatam que sua resposta foi: “Não só não é correto, como sequer é falso”, mas o fato é que a frase foi adotada para descartar argumentos tão especulativos que não se qualificam para o princípio da falsificabilidade do filósofo Karl Popper.
Ao testar uma hipótese falha, disse Popper, você aprende algo no processo, e isso alimenta a ciência; mas se ela não for falsa, você só perde tempo.
Assim, várias de suas críticas ficaram na memória porque, embora contundentes, eram espirituosas e geralmente bem-vindas.
No entanto, alguns ficaram ofendidos e há quem se perguntasse se foi essa a razão pela qual o Comitê do Prêmio Nobel demorou tanto a agraciá-lo com o prêmio, apesar de ter sido nomeado 20 vezes por grandes cientistas entre 1933 a 1944.
Ninguém sabe realmente por que ele foi premiado em 1945, 20 anos depois de ter formulado o seu princípio da exclusividade.
Naquele ano, um dos três que o nomearam foi Einstein, que esteve presente na cerimônia organizada para homenagear o novo ganhador do Prêmio Nobel na Universidade de Princeton, nos Estados unidos, onde Pauli trabalhava desde que havia deixado a Europa, em 1940, por causa da Segunda Guerra.
Como relata o site do CERN (sigla francesa da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), depois de vários convidados ilustres falarem, Einstein levantou-se e fez um discurso improvisado, referindo-se a Pauli como seu sucessor intelectual.
Pauli ficou profundamente emocionado, relembrou isso em carta a Max Born (1882-1970) dez anos depois, dias após a morte de Einstein, e lamentou que, como o discurso havia sido espontâneo, não houvesse registro dele.
Ele não teve tempo de se estabelecer como seu sucessor intelectual: Pauli faleceu três anos depois em Zurique, cidade para onde tinha mudado em 1946.
(Direitos autorais: https://www.msn.com/pt-br/noticias/ciencia – BBC News Brasil/ NOTÍCIAS/ MUNDO/ História de Dalia Ventura – Da BBC News Mundo – 04/02/2024)
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