Yukio Mishima (Tóquio, 14 de janeiro de 1925 – Tóquio, 25 de novembro de 1970), foi um novelista e dramaturgo japonês mundialmente conhecido por romances como O Templo do Pavilhão Dourado e Cores Proibidas. Escreveu mais de 40 novelas, poemas, ensaios e peças modernas de teatro Kabuki e Nô.
No dia 25 de novembro de 1970, o escritor japonês Yukio Mishima reuniu os integrantes da organização político-militar que fundara no país e invadiu um quartel de Tóquio. Lá, fez um inflamado discurso para os soldados, incitando-os a jogar a Constituição japonesa na lata do lixo em favor da retomada imediata do código de ética dos antigos samurais.
Diante das estrondosas gargalhadas dos recrutas, Mishima não vacilou, e como um autêntico samurai enfiou a espada na própria barriga.
(Fonte: Veja, 12 de junho de 1991 – ANO 24 – Nº 24 – Edição 1186 – LIVROS/ Por Rinaldo Gama – Pág: 89)
A França tem uma sólida tradição de livros de escritores sobre escritores, ou seja, monografias críticas cujo objetivo é analisar detidamente a obra e/ou a figura histórica de um escritor. Victor Hugo escreveu um volume sobre Shakespeare; Théophile Gautier, sobre Balzac; e no século XX exemplos possíveis são os estudos de André Gide sobre Dostoiévski e Henri Michaux ou os de Sartre sobre Flaubert e Genet. São livros que oscilam criativamente entre o próprio estilo e as ideias daquele que escreve e, por outro lado, a busca pela compreensão de uma obra ou vida alheia. “Mishima ou a visão do vazio”, de Marguerite Yourcenar, publicado originalmente em 1980, se enquadra de forma bastante peculiar nessa tradição. Yourcenar agrega ao horizonte já complexo desse subgênero o fato de, em paralelo à sua análise da obra e da vida de Mishima, desenvolver também uma reflexão entre os contatos e confrontos existentes entre Ocidente e Oriente — desde a política até o comportamento, a linguagem e a literatura.
Yukio Mishima preparou sua morte com antecedência de anos, realizando-a em 24 de novembro de 1970 no ritual do seppuku, em que o suicida rasga o próprio ventre e é, em seguida, decapitado por um assistente. A cena final é uma fixação para Yourcenar, assim como o foi para Mishima, e a autora rastreia na ficção do escritor japonês inúmeros momentos que parecem comprovar esse desejo contraditório de manter a vida, e o trabalho, sempre atrelados a uma percepção da morte como uma escolha e como uma condição honorífica. O Mishima que surge da leitura de Yourcenar, um escritor vaidoso (tanto com seu corpo quanto com sua obra literária), que esperava o Nobel e se surpreendeu quando ele foi dado a Kawabata em 1968, mesclou de forma indissociável vida e obra, e ambas foram forjadas em iguais medidas de rigor, abnegação, e uma vasta confiança na memória das gerações futuras.
Mesmo se tratando de um livro curto, Yourcenar consegue captar cenas fundamentais dos principais trabalhos de Mishima, articulando-as dentro de seu sistema de leitura e interpretação. Desse modo, o leitor pode entrar em contato não apenas com o irretocável trajeto estilístico de Yourcenar, mas, no percurso, ter também uma noção bastante satisfatória da trajetória artística de Mishima. Seus temas recorrentes, como a morte, a honra e o erotismo, além de sua sutil e continuada fascinação pela cultura ocidental, surgem de forma clara e concisa na argumentação de Yourcenar, que comenta livros de Mishima conhecidos no Brasil, como “Confissões de uma máscara” ou “Mar inquieto”, e também produções de circulação restrita fora do Japão, como é o caso das obras teatrais e dos contos de Mishima (como aquele intitulado “Patriotismo”, que prefigura e antecipa ficcionalmente seu suicídio ritual e, por conta disso, tem um lugar de destaque no desenvolvimento do ensaio de Yourcenar).
“Quase se pode dizer que, até a idade de cerca de quarenta anos”, escreve Yourcenar sobre Mishima, “esse homem que a guerra deixou ileso — ao menos ele assim acreditava — concluiu em si a evolução que foi a de todo o Japão, passando rapidamente do heroísmo dos campos de batalha à aceitação passiva da ocupação, reconvertendo suas energias no sentido dessa outra forma de imperialismo que são a ocidentalização renhida e o desenvolvimento econômico a qualquer preço”. Nessa passagem, a autora deixa delineado seu projeto de leitura da obra e da vida de Mishima, um esforço que passa tanto por uma aproximação microscópica aos textos e um posicionamento dessa aproximação em um quadro maior.
Dos primeiros escritos ao ritual suicida, Mishima surge como uma construção artística deliberada, algo que Yourcenar vê comprovado desde o fato primordial da escolha de um pseudônimo (seu nome verdadeiro era Kimitake Hiraoka). Esse movimento pendular se justifica na medida em que a autora defende a ideia de que Mishima era um escritor expansivo, que buscava em sua ficção uma relação com o mundo externo, e não a construção progressiva de um universo particular irredutível.
(Fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2014/03/08 -526892 – CULTURA/ Por Kelvin Falcão Klein – 08/03/2014)