Joaquín Zenteno Anaya (Cochabamba, 11 de novembro de 1921 – Paris, 11 de maio de 1976), general e diplomata conhecido em La Paz como “Pó-de-Arroz”, devido a seus modos suaves, nunca tomou muitas precauções com sua segurança durante os dois anos e meio em que permaneceu como embaixador da Bolívia na França.
Nomeado comandante-chefe das Forças Armadas em 1971 e ministro das Relações Exteriores em 1972, Zenteno Anaya tentou explorar a seu favor a morte do amigo Medio-Trago, propondo a derrubada do presidente Hugo Banzer (1926-2002) e a formação de uma junta militar. Mais ágil, Banzer o transferiu para a reserva e o enviou a Paris. E, ali, Zenteno estaria recomeçando a conspirar – motivo pelo qual seus inimigos políticos teriam resolvido livrar-se dele de uma vez por todas.
Essa tese, foi aceita pela Divisão de Segurança do Território, o serviço francês de contra-espionagem, que creditou a morte do embaixador a pistoleiros profissionais treinados na Bolívia e enviados à Europa para liquidar “inimigos do governo”.
No entanto, Zenteno tinha razões para se precaver. Em 1967, com efeito, ele comandava a região militar de Santa Cruz, na qual Che Guevara foi morto. Apesar disso, não tinha guarda-costas, dirigia seu próprio automóvel e nunca levara a sério as ameaças telefônicas que constantemente chegavam à embaixada. No dia 11 de maio, em Paris, ele foi assassinado.
É possível que a morte de Zenteno Anaya, como alguns dos episódios anteriores, é acusado de ter sido o “arquiteto do assassínio de Che Guevara” e esteja ligada à sua participação na captura de Guevara. Essa foi, pelo menos, uma das razões apresentadas pelo porta-voz de umas misteriosas Brigadas Internacionais Che Guevara, que telefonou para as redações de jornais logo depois, assumindo a responsabilidade do atentado.
De fato, foi Zenteno, em companhia do oficial americano conhecido como “Papy” Shelton, quem montou o regimento de 600 rangers encarregados da luta antiguerrilha, entregando o comando direto a Medio-Trago Selich.
Infortúnios militares – Teria sido ele, igualmente, numa reunião secreta com o então presidente René Barrientos (1919-1969) e outros oficiais, quem decidiu que Guevara deveria ser morto depois de capturado. Após a morte de Zenteno, surgiram versões de que ele não só se opusera à execução do guerrilheiro como tentara inutilmente evitá-la. Seja como for, na divisão dos pertences de Guevara conservou como recordação a faca e o fuzil M-1 do guerrilheiro, que exibiu com orgulho pelo menos uma vez: durante um jantar oferecido pela família de Antenor Patiño, o magnata boliviano do estanho.
Antonio Arguedas, ministro do Interior da Bolívia na época da morte de Che Guevara, foi morto a tiros em La Paz, em 1969. Herberto Rojas, o guia dos rangers bolivianos e agentes da CIA que capturaram o guerrilheiro, foi assassinado em Santa Cruz, no mesmo ano. Meses depois, Félix Ramos e Eduardo González, dois cubanos que participaram da operação, tiveram igualmente mortes violentas.
E, em maio de 1973, o comandante dos mesmos rangers, coronel Andrés Selich, ou “Andrecito Medio-Trago”, foi encontrado morto no Ministério do Interior em La Paz, depois de ter rolado as escadas. No pulso, ele ainda portava o relógio que retirara do cadáver de Guevara, exatamente seis anos antes.
Observando-se o destino de seu antigo grupo de amigos, verifica-se que os infortúnios dos militares bolivianos sempre têm algo a ver com golpes de Estado. Barrientos deixou a presidência da República e a vida num misterioso acidente de helicóptero, Ovando Candia (1918-1982) foi presidente e acabou exilado. Medio-Trago Selich, ao ser detido, estava conspirando. E o próprio Zenteno Anaya teria suas ambições pessoais.
(Fonte: Veja, 12 de maio de 1976 – Edição 401 – TERRORRISMO – Pág: 38/39)