Carioca de Portugal, baiana para americano ver, Carmen Miranda foi sempre um estouro
Carmen Miranda (Marco de Canaveses, Portugal, 9 de fevereiro de 1909 – Los Angeles, 5 de agosto de 1955), a verdadeira inventora da alegria na música popular brasileira.
Nascida em fevereiro de 1909, em Marco de Canaveses, Portugal, que, nos anos 40 e 50, se atreveu a cantar em inglês em filmes americanos.
Carmen gravou um total de 129 faixas para a antiga Odeon entre abril de 1935 e setembro de 1940. E outras 148 faixas para a antiga Victor de janeiro de 1930 a fevereiro de 1935, quando se mudou para a Odeon.
Carmen nasceu pronta para a glória. O charme, a maneira especialíssima de cantar, a veia cômica, decididamente moleque, tudo isso já é perceptível desde as primeiras faixas, quando mal tinha sido apresentada a um microfone.
Um exemplo é Dona Balbina do seu primeiríssimo disco na Victor. E a fabulosa Taí (Pra Você Gostar de Mim), a marcha-canção de Joubert de Carvalho que a revelou definitivamente, foi apenas deu terceiro disco, lançado um mês depois do primeiro.
Bão com sertão – Mas, se Carmen já era o máximo desde o começo, faltava-lhe um repertório à altura. Ela era melhor do que a maioria das coisas que aqueles compositores lhe ofereciam, e nem era por culpa deles – alguns, como Ary Barroso, também estavam começando.
A própria música popular brasileira é que, em 1930, 1931, ainda se sentia pavorosamente atraída por uma vocação rural e iletrada que fazia com que a maioria das letras insistisse em rimar iaiá com carnavá e bão com sertão.
Por sorte, não demoraria que homens como André Filho, Assis Valente, Noel Rosa, Lamartine Babo, Ataulfo Alves, Walfrido Silva, Synval Silva e, Ary Barroso encontrassem sua verdadeira língua e estabelecessem o grande samba urbano e carioca. Era a música popular brasileira que (em boa parte, graças a Carmen) estava evoluindo.
Mesmo assim, já há um número considerável de clássicos no repertório: Na Batucada da Vida, de Ary Barroso e Luiz Peixoto; a imortal Primavera no Rio, de João de Barro; e Alô… Alô…, de André Filho; marchinhas como Moleque Indigesto, Isto É Lá com Santo Antônio e a eufórica Chegou a Hora da Fogueira, todas de Lamartine Babo; o samba Minha Embaixada Chegou, de Assis Valente, um de seus mais constantes fornecedores de sucessos e, dizia-se, apaixonado por Carmen; além de preciosas parcerias de Noel Rosa (de quem se dizia que não gostava dela), como Tenho um Novo Amor (com Cartola), Assim, Sim (com Ismael Silva) e Retiro da Saudade (com Nássara).
Aloysio de Oliveira (1914-1995), produtor, cantor, compositor e narrador carioca a acompanhou durante catorze anos nos Estados Unidos.
A VERDADEIRA TRAGÉDIA DE CARMEN: a dependência química. Pelo menos desde 1953 Carmen só dormia sob o efeito de tranqulizantes e, para voltar à tona, precisava estimulantes. As doses seriam proibitivas.
PÍLULAS COM AÇUCAR – Carmen andava com uma maleta preta do tipo farmácia portátil, com o que se deduz que sua tolerância aos remédios estava aumentando. Esse coquetel a levou à depressão, com ou sem causas psicológicas, que seu médico americano, o doutor Marxer, tratava da pior maneira: substituindo seus comprimidos por pílulas de açucar, sem que ela soubesse.
Com isso, estava retirando abruptamente as substâncias que o organismo de Carmen já não podia dispensar. Alguns dos efeitos da síndrome de abstinência de barbitúricos são dores, tremedeiras, crises súbitas de choro, apagões, uma depressão ainda mais cavalar e a sensação de pânico – efeitos observados na Carmen daquela época.
Quando a pessoa apresenta esse quadro, as causas remotas tornam-se irrelevantes e o que importa é o tratamento, a retirada gradual das drogas sob rigoroso acompanhamento médico. Mas o tratamento a que a submeteram em Los Angeles também não poderia ter sido mais desastroso: os estúpidos eletrochoques (tomou pelo menos cinco aplicações).
Como terapia, em 1954, recomendaram-lhe vir ao Brasil, que não visitava havia catorze anos. Carmen embarcou em Los Angeles – teria sido, na verdade, embarcada por Aloysio de Oliveira, que a carregou para o avião como se ela fosse uma paralítica.
Durante o voo, teria desmaiado e só voltado a si à custa de algum medicamento. Carmen desceu no Rio de Janeiro em 3 de dezembro, conseguiu articular alguma coisa com jornalistas, que perceberam seu incrível envelhecimento, trancou-se no Copacabana Palace e só saiu dali a 49 dias.
A partir de então, sua breve temporada carioca foi uma sucessão de festas e homenagens, atravessando inclusive o Carnaval. Mas, ao voltar para casa, em Hollywood, reencontrou seu drama pessoal: o marido tirânico, a agenda cheia, o coquetel de comprimidos – e a morte, poucos meses depois, na forma de um infarto, sozinha, de madrugada, em seu banheiro. Só a acharam pela manhã.
É quase inacreditável que aquela jovem de 21 anos em 1930 – seja a mesma que, com apenas 46, veria negada a si uma ínfima parte da felicidade que ela passara distribuindo ao mundo.
A artista teve um nebuloso fim de vida, tido unanimemente o seu viúvo, o americano David Sebastian como o vilão responsável por sua derrocada física e emocional.
O médico Aluísio Salles a atendeu em sua problemática volta ao Brasil em 1954.
As lágrimas derramadas pela multidão em seu enterro (um dos mais impressionantes já vistos até hoje no Rio de Janeiro).
(Fonte: Veja, 18 de fevereiro de 1998 – ANO 31 – N° 7 – Edição 1534 – Música/ Por Ruy Castro – Pág: 84/85)
Em 4 de maio de 1939, a cantora brasileira Carmen Miranda parte para turnê pelos Estados Unidos, onde teria grande sucesso.
(Fonte: Zero Hora – ANO 52 – Nº 18.100 – HOJE NA HISTÓRIA – Almanaque Gaúcho/ Por Ricardo Chaves – 4 MAIO 2015 – Pág: 36)