A primeira piloto transexual do Brasil

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Carol Nunes: a primeira piloto transexual do Brasil

 

“Eu não posso ler os comentários da internet”. A frase surgiu durante a entrevista e retratou apenas uma parte da luta de Carol Nunes, primeira pilota transexual do Brasil.

 

Com 29 anos e tendo feito a transição há cerca de dois anos, tem na paixão por carros e corridas também parte do seu sustento. Ela trabalha com e-commerce de peças de carros de corrida.

 

O jeito tímido de falar durante a entrevista esconde alguém que é pura força e mostra que sua paixão pelas pistas é antiga. “Desde criança eu gostava de carro, mas principalmente carro de corrida. Então resolvi que quando crescesse teria um carro de corrida para andar na rua”, conta.

 

Dona de um Ford Fusion todo preparado, o Fusion GT, ela disputa competições como a superliga desportiva de velocidade com o modelo na categoria 2 Woman Experience, destinada apenas a mulheres e a qual lidera a temporada. Além disso, ela disputa provas como as de subida de montanha.

 

O Fusion GT é baseado no modelo da primeira geração, mas com reestilização e motor 2.5 que originalmente tem 173 cv e 22,9 mkgf.

 

Mas Carol fez suas alterações ao carro, que ganhou um sistema de escape mais livre e uma nova admissão no motor, além de um câmbio reforçado e com radiador de óleo e óleo de competição para lidar com o calor extremo durante as provas.

 

O carro também tem alargadores de rodas (fenders) adaptados. “O Fusion é meu primeiro carro e eu fiz todo o processo de adaptação dos fenders que eram para outro carro, enquanto a instalação foi feita em uma oficina parceira.

 

O sedã tem ainda um aerofólio na tampa traseira e um spoiler afixado no para-choque dianteira, além de uma nova calibragem de suspensão, deixando claro que o intuito é de correr, apesar de também ser usado nas ruas.

 

O próximo passo, conta Carol, é trocar o motor quatro cilindros pelo 3.5 V6 do Ford Edge que tem entre 284 cv e 289 cv, dependendo da versão.

 

“Eu já tenho o motor, estou só esperando encerrar o calendário de eventos para poder encostar o carro em uma oficina que eu confie para fazer o swap (termo para troca de motores)”, conta.

 

Preconceito e aceitação

 

Nunes conta que já convivia no meio das corridas, track days e afins quando resolveu fazer a transição e que, apesar do medo, a recepção foi melhor do que esperava.

 

Apesar do círculo a abraçar durante e após sua transição, o preconceito surge, especialmente por meio das redes sociais. “Toda vez que participei de algum vídeo em canal do youtube, entrevista, vieram os ataques. Eu não posso ler os comentários da internet”, conta.

 

Os ataques e as demonstrações de preconceitos vêm sempre de maneira velada ou por meio da internet, onde as pessoas podem se esconder. “Nunca fui atacada ou ofendida diretamente, mas sempre vem por fora ou por piadas maldosas”, afirma.

 

Ela conta um relato de um caso em que foi questionada a sua presença dentro da categoria em que compete, por ser uma mulher trans, por parte de outra competidora.

 

Apesar disso, ela não desiste do seu espaço. “Eu sinto que me tornei uma referência e que outras pessoas e amigos que estão no processo de transição e gostam do universo do carro viram que podem estar ali e serem eles mesmo”, pontua.

 

“Eu achava que não poderia conciliar minha transição com o meu amor pelo meio [automotivo], mas foi possível”.

 

Machismo ainda impera

 

Carol conta que, além da transfobia, o machismo com as mulheres que frequentam o meio ainda é forte. “Há sempre as piadas relacionadas as mulheres que estão competindo ou que aparecem com carros preparados em eventos”.

 

“Algumas vezes já vieram me perguntar se o Fusion era do meu namorado, assim como fazem com outras meninas que chegam em eventos ou encontros de carros. Sempre julga que nós mulheres não sabemos nada de carro”.

 

Ela conta também sobre o preconceito por parte de mulheres que não estão envolvidas com o automobilismo. “Há quem ache que estamos nesse meio automotivo por causa de homem”, ela conta.

 

Carol espera que termos ofensivos e as piadas direcionadas a ela e a outras mulheres deixem de ser uma realidade. “Ouvir o termo ‘travecar o carro’ é ofensivo”.

 

A gíria é usada para falar de carros que são personalizados de modo a parecer com versões mais esportivas – como por exemplo um Lancer GT normal ser caracterizado como se fosse um Lancer EVO.

 

Questionada quanto à criação de uma confraria ou apenas um grupo automotivo para a comunidade LGBTQIA+, Carol acha que esse não é o caminho.

 

“Seria uma faca de dois gumes: bom para quem está chegando se sentir confortável e bem recebido, mas também um alvo fixo para os preconceituosos”.

 

Carol espera que em um futuro não muito distante o respeito impere nesse meio, sem piadas, sem preconceitos e com espaço para todos.

(Fonte: https://www.uol.com.br/carros/noticias/redacao/2021/10/10 – CARROS / NOTÍCIAS / MEU CARRO / por José Antonio Leme do UOL, em São Paulo (SP) – 10/10/2021)

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