Forges, emblemático chargista do jornal El País
Forges, o desenhista genial que contou meio século da história da Espanha
Cartunista, colaborador do EL PAÍS desde 1995
Antonio Fragua de Pablo (Madri, Espanha, 17 de janeiro de 1942 – Madri, 22 de fevereiro de 2018), mais conhecido como Forges, foi o cartunista que melhor retratou o último meio século da história da Espanha.
Forges nasceu em Madri em 17 de janeiro de 1942. Foi o segundo de uma família de nove irmãos. Aos 14 anos começou a trabalhar na Televisão Espanhola, onde começou a desenhar. Em 1964 publicou sua primeira charge na imprensa, no Pueblo, a convite do então chefe do jornal Jesus de la Serna, que o conhecera por intermédio de Jesús Hermida (1937-2015) – (um célebre apresentador de TV espanhol). Depois colaborou em Informaciones, em Diez Minutos, nas principais revista satíricas que nasceram com a Transição – Hermano Lobo, El Jueves e Por Favor –, no Diario 16 e no El Mundo.
Desde o começo da carreira no jornal Pueblo, em 1964, até suas últimas charges no EL PAÍS – onde publicou ininterruptamente durante os últimos 23 anos – plasmou com ternura e ironia a evolução de uma sociedade que passou do desenvolvimentismo franquista de seus primeiros desenhos ao mundo hipertecnológico de sua última fase. Criou personagens inesquecíveis como o casal formado por Concha e Mariano, Romerales e seus obstinados náufragos. Também foi um inventor de um vocabulário próprio e alguns de seus termos, como “muslamen” (algo como homem coxa) ou “bocata” (um tipo de sanduíche), saltaram dos desenhos para a linguagem popular e foram posteriormente registrados no dicionário da Real Academia.
Em 25 de junho de 1995 começou a publicar nas páginas do EL PAÍS, onde se manteve até agora. Em entrevista a Ignacio Carrión (1938-2016) sobre sua estreia no jornal, Forges se definiu como meio galego e meio catalão, nascido por acidente em Madri, e torcedor do Athletic de Bilbao. “Somos um conjunto de povos falastrões. A bacia mediterrânea se distingue por isso. Somos ruidosos, faladores, boquirrotos e linguarudos”, acrescentou. Sua primeira charge neste jornal mostrava um diálogo entre dois “blasillos”, outro de seus personagens mais populares. “E como cumprimentamos?”. “Simplesmente dizemos bom dia e pronto”. “De jeito nenhum, se dissermos isso vão nos acusar de manipuladores”. “Poxa, é verdade”.
Os personagens forgianos e as temáticas de suas charges foram se adaptando às mudanças na sociedade espanhola. Cosma e Blasa, as mulheres do vilarejo que há algumas décadas debulhavam os mistérios do rosário, agora se queixavam de que estavam roubando seu wifi. O diminuto Mariano e a enorme Concha se transformaram em um casal mais equilibrado. Ela emagreceu e se afeiçoou aos livros, enquanto seu marido, que tirou o bigode, continuava obcecado por futebol. Durante a Transição Espanhola (período histórico no qual Espanha mudou do regime ditatorial do general Francisco Franco, para o regime constitucional), Forges arremetia contra os setores nostálgicos que queriam que tudo continuasse como antes, o que então se chamava de El Bunker. Depois abraçou outras causas sociais: a crítica à precariedade trabalhista, a oposição à guerra do Iraque, a defesa da igualdade das mulheres e sua célebre campanha para que os leitores não se esquecessem das vítimas do terremoto do Haiti.
Além das charges nos jornais, Forges foi autor de numerosos livros. O primeiro deles foi publicado em 1972 com o título El Libro de Forges. Elaborou uma engenhosa história da Espanha em charges, História de Aquí. Dirigiu dois filmes e várias séries de humor para a televisão. Escreveu um romance, Doce de Babilonia. E recebeu múltiplos prêmios e distinções, como a Medalha de Ouro ao Mérito no Trabalho em 2007, o Prêmio Nacional de Jornalismo, o Prêmio Latino-americano de Humor Gráfico Quevedos em 2014 e o título de doutor honoris causa nas universidades Miguel Hernández de Elche e Alcalá de Henares. Em 2014 foi lançada uma coleção de selos com suas charges.
Nos últimos anos Forges abraçou com entusiasmo a internet e as redes sociais. Era o colaborador do EL PAÍS com mais seguidores no Twitter, mais de meio milhão. Às vezes telefonava para a redação do jornal para corrigir erros ou fazer sugestões. Suas comunicações sempre terminavam com um caloroso “aqui um amigo”.
Em uma entrevista pelo 40º aniversário do EL PAÍS, deixou clara sua fé no progresso tecnológico. “Todas as gerações acreditam ser importantíssimas para a inteligência da humanidade. Sempre tendemos a ver o mundo de nosso ponto de vista. Eu não sinto que migrei para uma nova cultura, eu sou parte dessa nova cultura. Não tenho medo da tecnologia e acredito que é uma das vantagens que temos na busca da liberdade”.
Forges morreu na madrugada desta quinta-feira em Madri vítima de um câncer de pâncreas. Tinha 76 anos.
(Fonte: Zero Hora – Ano 54 – Nº 19.019 – 23 de fevereiro de 2018 – TRIBUTO – Pág: 31)
(Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/22/cultura – BRASIL – CULTURA / Por Bernardo Marín – Madri – 22 FEV 2018)