Grivas (1898-1974)
George Theodorus Grivas, general do Exército grego, de herói nacional transformou-se em inimigo público número 1
Raramente alguém terá apresentado um currículo tão rico em atividade bélicas. O general George Theodorus Grivas participou da guerra greco-turca de 1922, lutou contra a ocupação nazista da Grécia durante a Segunda Guerra Mundial, combateu os comunistas na guerra civil grega de 1944, foi entre 1955 e 1959 um dos comandantes na guerra de libertação de Chipre do domínio britânico, coordenou em 1944 a luta dos greco-cipriotas contra a minoria turca da ilha.
Com seu prestígio histórico e sua figura austera, um corpo atarracado, Grivas comandava – em nome do persistente ideal da “ênosis”, ou fusão de Chipre com a Grécia – uma guerra de guerrilheiros contra o presidente cipriota, arcebispo Makarios. Na epopeia da libertação de Chipre, Grivas – nascido de pai comerciante e mãe médica, na cidade cipriota de Trikomo – só não foi mais importante do que Makarios. Após a libertação da ilha, no entanto, cindiram-se ruidosamente os caminhos dos dois antigos chefes do movimento de libertação. Para Makarios, feito presidente de um país cujo mais delicado problema passou a ser a difícil conciliação entre os 520 000 habitantes de origem grega e os 140 000 de orugem turca, o ideal da “ênosis” – do qual originalmente compartilhava – tornou-se cada vez mais distante. E, enquanto isso, Grivas, que antes de cipriota sempre se considerou um grego, foi se tornando cada vez mais impaciente pela concretização da fusão.
Isso explica o fato de o velho general, em 1971, após inúmeras divergências com o presidente-arcebispo, ter decidido abandonar seu confortável exílio num subúrbio de Atenas e voltar a Chipre, para comandar, na clandestinidade, uma luta de atentados a bomba e esporádicas escaramuças guerrilheiras contra o governo central de Nicósia. Sob seu comando, ele teria, segundo se calcula, de quinhentos a setecentos homens. E reuniu-se num movimento ao qual deu o mesmo nome da lendária organização dos tempos da guerra contra os ingleses – EOKA, sigla grega de Organização Nacional da Luta Cipriota.
Anistia – Grivas, militar do Exército grego desde os 16 anos, era descrito pelos conhecidos como um homem honesto, duro, com pouca inclinação para o humor. Tinha ideias direitistas de nacionalismo e autoritarismo, vestia-se de maneira conservadora, não fumava, não jogava cartas, só raramente aceitava um copo de vinho. E, ultimamente, de heroi nacional, havia se transformado em inimigo público número 1. Há apenas duas semanas, diante da persistência de sua campanha terrorista. Makarios o havia classificado de “terrosrista sedento de sangue”. E o presidente da Câmara dos Deputados, Flafcos Clerides, havia se referido a ele como “assassino comum”.
No seu caso, porém, mais ainda do que na maioria das vezes, a morte mostrou que, realmente, redime tudo. Na segunda-feira, dia 28 de janeiro, poucas horas após seu falecimento, Makarios emitiu uma declaração elogiando-o como herói de Chipre e assegurando que o povo cipriota honrará sempre sua memória. Clerides, por sua vez, convocou a Câmara dos Deputados para uma sessão especial, em homenagem ao líder morto. Mais importante ainda, Makarios, ainda dentro das homenagens a Grivas, soltou 123 partidários do general das prisões e ofereceu a anistia a todo membro da EOKA que entregasse as armas ao governo.
E assim, o antigo companheiro de Grivas, transformado em seu figadal inimigo, fazia pazes póstumas com a figura do combativo general, numa sucessão de mudanças que não deixa de ter sua lógica: obviamente, Makarios pretende aproveitar a ocasião para tentar promover a reconciliação nacional. Na terça-feira, dia 29 de janeiro, os identificados sucessores de Grivas na direção da EOKA em sinal de gratidão pela libertação dos presos, anunciaram seu propósito de fazer uma trégua em suas atividades-terroristas. Mas também não exageraram nas manifestações de amizade com o governo e recusaram-se a ceder o corpo para solenes exéquias oficiais em Nicósia. Em vez disso, com o acompanhamento de centenas de pessoas, Grivas foi enterrado nos jardins de sua casa nos arredores da cidade de Limassol, justamente o lugar que lhe serviu de esconderijo durante a guerra de libertação. E assim, envolto numa bandeira grega, desceu a uma sepultura quase clandestina, perfeitamente adequada a alguém que, como ele, passou grande parte da vida na clandestinidade. Ao morrer no dia 27 de janeiro de 1974, de ataque cardíaco, quatro meses antes de completar 76 anos, ainda se encontrava em plena atividade, no desconhecido local do montanhoso interior cipriota de onde dava as ordens de comando ao seu exército rebelde.
(Fonte: Veja, 6 de fevereiro, 1974 Edição n.° 283 CHIPRE – MEMÓRIA Pág; 50/52)