Louis Althusser, filósofo marxista. Privilegiou mais os enfoques científicos do que os humanistas

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Louis Althusser: Guru do marxismo e inventor da filosofia de orelhada

Louis Althusser (Birmandreis, Argélia, 16 de outubro de 1918 -— Paris, 22 de outubro de 1990), filósofo marxista francês nascido na Argélia, sumo sacerdote dos intelectuais marxistas nas décadas de 60 e 70. Intelectual engajado que passou trinta anos nas fileiras do Partido Comunista, acadêmico com suas teses indecifráveis pelos comuns mortais, foi autor de obra, comparada pelos críticos a monumentos literários como as Confissões, de Jean-Jacques Rousseau, que lhe serviram de inspiração.

Embora jamais tivesse gozado do prestígio de Jean-Paul Sartre, por exemplo, o mais popular dos pensadores franceses do século XX. Althusser esteve na moda entre as décadas de 60 e 70 por livros como A Favor de Marx (1965), Lênin e a Filosofia (1968) e Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado (1970). Neles, o filósofo procurava renovar o marxismo a partir de uma teoria segundo a qual o pensamento de Marx só se tornou revolucionário quando ele passou a privilegiar mais os enfoques científicos do que os humanistas, ou seja, depois de 1845.

Althusser procurava, assim, encarar o marxismo como uma ciência e não uma ideologia. Comunista desde 1948, Althusser entrou em rota de colisão com o PCF em 1978, quando publicou uma série de artigos no jornal francês Le Monde abominando a decisão do partido de abandonar a noção da ditadura do proletariado. Psicótico maníaco-depressivo, Althusser estrangulou sua mulher, Hélène – uma socióloga oito anos mais velha do que ele -, em novembro de 1980. Apanhado de pijama e chinelos no pátio da École Normale Suupérieure, em Paris, onde lecionava, o filósofo foi enviado a um hospital psiquiátrico.

Guru do marxismo e inventor da filosofia de orelhada

Guru do marxismo e inventor da filosofia de orelhada

 

Ao contrário do legado filosófico de Althusser, desprezado anos mais tarde até pelos que ainda permanecem marxistas, O Futuro Dura Muito Tempo, escrito em 1985 e mantido numa gaveta até a morte do autor, cinco anos depois, testemunha seu duplo combate – para recuperar a dignidade e para se livrar, através da escrita, da loucura que o aprisionava. Não conseguiu recobrar a lucidez, mas produziu aquela que é, de longe, sua melhor obra.

O Futuro Dura Muito Tempo é uma obra de primeira grandeza, única na literatura. Em Eu, Pierre Rivière, o depoimento de um assassino do século XIX apresentado por Michel Foucault, a loucura aparece em estado bruto, sem ser lapidada pela mente de um intelectual.

Memórias de um Doente dos Nervos, de  Daniel Paul Schreber (1842-1911), o estudo do caso de um psicopata feito por Sigmund Freud, o pai da psicanálise, se enquadra na mesma categoria. Althusser, o primeiro filósofo criminoso a explicar seu crime em livro, vai mais longe. Com a competência de alguém que, além da inteligência prodigiosa, frequentou o divã do analista durante boa parte da vida, ele consegue ocupar, ao mesmo tempo, o lugar de sujeito e o de objeto de seu estudo, tudo isso num estilo eletrizante, que envolve o leitor do princípio ao fim.

FAVORITO DOS PROFESSORES – Em sua interpretação do marxismo, Althusser se distingue por minimizar o papel da iniciativa do homem na definição de seu próprio destino. O que conta, para ele, são as engrenagens de uma História todo-poderosa que, por meio de “aparelhos ideológicos” como a religião, a família e as escola, determina as ações e até os pensamentos humanos – sempre de acordo com o manjado roteiro que conduz as sociedades, numa marcha inexorável, do igualitarismo primitivo das cavernas ao radioso advento do comunismo.

Diante da inutilidade dessa receita para explicar sua própria tragédia pessoal, o filósofo troca Marx por Freud, mantendo a mesma camisa-de-força determinista. A conclusão a que chega é óbvia, e nem por isso menos verdadeira: ele era, de fato, incapaz de responder pelos seus atos.

Numa viagem ao passado, Althusser vai buscar as raízes do seu crime antes mesmo de seu nascimento. O momento decisivo é a I Guerra Mundial. Um jovem piloto, de nome Louis Althusser, é morto pelos alemães na batalha de Verdun. Sua noiva, numa homenagem fúnebre, casa-se com o irmão do morto. Desse casamento nasce um filho, que recebe, naturalmente, o nome de Louis. O futuro filósofo cresce, assim, na firme convicção de que não era ele que sua mãe amava, e sim o outro, o primeiro Louis, o tio desaparecido nos céus de Verdun.

O esforço para seduzir essa mãe que o condenava a ser apenas “o pálido reflexo de um morto” passa a marcar cada passo de sua existência. O pai, autoritário e indiferente, é uma figura distante. A  mãe, carola e cheia de fobias, ergue uma redoma protetora ao redor do filho, impedido na infância de jogar futebol com os vizinhos e na adolescência de namorar as garotas de sua idade.

Na escola, o pequeno Althusser se torna o preferido dos professores, cujo afeto batalha para conquistar, como fizera antes com a mãe. Tira sempre as melhores notas, mas, no fundo, persiste-lhe a sensação de que é um impostor e sua própria vida, uma farsa.

Só com a idade de 30 anos é que Althusser consegue ter sua primeira relação sexual, com a mesma Hèlene que viria a ser sua esposa. A experiência lhe provoca um trauma tão intenso que ele teve de ser internado para um tratamento com eletrochoques. Ele sofria de psicose maníaco-depressiva, uma enfermidade que permite manter, na maior parte do tempo, todas as aparências de uma existência normal.

Depois de cada depressão, Althusser entrava numa fase de euforia em que se punha a escrever freneticamente, o que lhe permitia pôr em dia os compromissos acadêmicos. Num desses espasmos de atividade febril, o filósofo rabiscou, em 1975, um breve relato autobiográfico, que permaneceu inédito.

Intitulado “Os fatos e publicado como apêndice à edição de O Futuro Dura Muito Tempo, o texto alterna momentos de lucidez com outros de puro delírio, como os encontros com o general Charles de Gaulle, o diálogo surrealista em que o papa João XXIII lhe pede ajuda para reconciliar as igrejas Católica e Ortodoxa e as fantásticas linhas em que Althusser conta como roubou um submarino atômico francês, “caso que naturalmente foi abafado pela imprensa”.

Declarado insano pelos psiquiatras, legalmente irresponsável por seus atos no momento do crime. Althusser passou o resto da vida como um morto-vivo, longe das aulas e sem direito a usar sequer a própria assinatura, em meio a prolongadas internações em sanatórios.

O episódio pôs fim à sua carreira acadêmica. Com a mente em frangalhos e o rótulo de assassino, Althusser viveu seus últimos anos fugindo dos jornalistas. “Não quero falar, estive muito doente”, escapava, melancólico.

É o homem ensandecido, corroído pela dor, numa luta de vida ou morte contra seus próprios fantasmas, e cuja melhor definição talvez seja a frase de um ex-aluno, no necrológio publicado no Le Monde em 1990: “Durante todos esses anos, ele foi a pessoa mais infeliz que conheci.”

Althusser morreu dia 22 de outubro de 1990, aos 72 anos, de insuficiência cardíaca, no centro de geriatria do Hospital de La Verrière, subúrbio de Paris.

(Fonte: Veja, 31 de outubro de 1990 – ANO 23 – Nº 43 – Edição 1154 – DATAS – Pág; 102)

(Fonte: Veja, 14 de outubro de 1992 – ANO 25 – Nº 42 – Edição 1257 – Livros/ Por Igor Fuser – Pág: 94/95)

 

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