Ex-doméstica, primeira comandante da guarda de SP quer intensificar proteção à mulher
Primeira mulher a comandar Guarda Civil de SP em 33 anos
Elza Paulina já teve que esconder a filha em banheiro do trabalho e é entusiasta do diálogo
Elza Paulina Souza tem 52 anos e é formada em filosofia e fisioterapia. Ela defende que a sociedade ‘rasgue a venda’ ao falar sobre drogas e diz que pretende aumentar e valorizar efetivo da corporação.
Elza Paulina Souza tem 52 anos, está há 33 anos na corporação – entrou em 1986, quando a Guarda foi criada – e assumiu em 5 de abril de 2019, oficialmente como a primeira comandante mulher da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São Paulo.
Elza entrou na primeira turma da GCM paulistana, criada há 33 anos na gestão do prefeito Jânio Quadros, e lembra das dificuldades que teve, aos 19 anos, de vir sozinha de Marília, interior do estado, morar na capital para estudar.
Primeira mulher nomeada comandante da maior guarda do país, Elza Paulina de Souza, 52, viveu a desigualdade de gêneros durante toda sua trajetória. Mãe solteira, chegou a ter que esconder a filha pequena em um banheiro do seu posto de trabalho por não ter com quem deixá-la.
Trabalhou como empregada doméstica e dirigiu trator na roça. Entrou na Guarda Civil Metropolitana de São Paulo no ano em que a instituição foi criada, 1986, época em que as agentes tinham que usar uma saia que limitava os movimentos e não podiam andar armadas.
Alta e com uma postura retilínea, Elza é uma figura imponente. Diz que nunca foi conhecida por ser “meiguinha” – “muito pelo contrário, não passo a mão na cabeça, sou meio bruta, tropeço nos ambientes”.
Essa postura, ressalta, não tem a ver com uma maneira de marcar território em uma instituição historicamente masculina. “Não preciso cuspir no chão para mostrar que sou mais capaz que um homem.” Formada em fisioterapia, medicina oriental e filosofia, ela diz usar o conhecimento e o diálogo como maneiras de refletir sobre o espaço e a relação com o outro.
E para pensar no lugar das mulheres dentro da sociedade e, mais especificamente, da guarda.
“Temos dois atores: o sujeito e a coisa. O sujeito é o homem, a coisa é a mulher. Quem fala para a coisa que ela é a coisa? O sujeito. Ele sempre definiu o que a coisa iria fazer. Hoje, entender que somos também sujeitos é um novo processo. Sou sujeito de direito e posso ser tudo o que quiser”, diz.
Sua nomeação, em 8 de março, pela gestão Bruno Covas (PSDB), representa um avanço na luta em defesa dos direitos da mulher – ela estava à frente do Programa Guardiã Maria da Penha que, em parceria com o Ministério Público, combate a violência doméstica no município.
Elza nasceu no interior de São Paulo, na área rural de Marília (a 450 km da capital). Os pais eram pequenos lavradores e tiveram cinco filhas. “Somos uma família de cinco mulheres, então fazíamos o papel de homem. Tocar gado, carpir, dirigir trator. Eu já ia para a roça criança”, conta.
Após perder uma colheita, a família se mudou para a parte urbanizada da cidade, onde adotaram um menino. “Com 12, 13 anos, eu tinha certeza de que não queria ficar ali [no interior]. Tinha um Tiro de Guerra [instituição do Exército] perto da minha casa, eu via os meninos fardados passando e pensava ‘por que a gente não pode? Quando crescer quero ser isso’”.
Aos 19, foi para São Paulo e prestou o concurso para a recém-criada Guarda Civil Metropolitana. Integrou a primeira turma do Corpo Feminino da GCM. “Quando a gente ia para a rua naquela época falavam que parecíamos aeromoças. Ficávamos separadas do masculino, não fazíamos algumas atividades que eles faziam. Não podíamos andar armadas. Andávamos de saia e sapatinho”, lembra Elza.
As guardas mulheres eram designadas apenas para ações comunitárias, como atuar nas portas de creches e escolas. Com o tempo, a diferença foi se diluindo. “Lembro de não conseguir pular um muro durante uma ocorrência porque estava de saia”
Elza assume uma instituição com problemas estruturais. Com 6.249 agentes, São Paulo conta com a média de um guarda para cerca de 2.000 habitantes. No Rio de Janeiro, é um para cada 867 pessoas. Ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, Benedito Mariano disse, em 2016, que o número ideal de guardas na cidade seria de 15 mil.
Além do número reduzido de funcionários, a GCM sofre com equipamentos antigos e em más condições de uso, dos quais os guardas queixam-se há diversas administrações. No entanto, Elza acredita que a atual gestão tem mostrado evolução nesse aspecto.
No Programa Guardiã Maria da Penha, Elza foi a responsável pela instalação de uma espécie de botão de pânico virtual no aplicativo SP + Segura, da Secretaria Municipal de Segurança Urbana. “Eu falei para o desenvolvedor aprimorar, porque eu não tinha como dar o botão do pânico para as meninas, mas eu tenho o aplicativo”, diz. “É muito mais prático. O botão ela pode esquecer. O celular ela não esquece”, exemplifica.
Política contra as drogas
“Eu respondo pela minha parte, mas todo mundo é responsável, já que não é um problema só de segurança. Ele sai de lá, atravessa a rua, vem aqui (na estação de Metrô da Luz, no Centro de São Paulo), rouba um celular e volta para lá para trocar por crack. Ele tem plena consciência dos seus atos, sabe o que está fazendo. Ele tem que ser responsabilizado pelos crimes que comete. Este é um posicionamento meu”, afirma a nova comandante.
Para Elza, é necessário “rasgar a venda” que cobre os olhos da sociedade. “Se a gente não rasga esta venda e olha o processo por inteiro, não vai sarar isso. Ele tem uma parcela de responsabilidade, ele sabe o que ele está fazendo”, acredita.
“Há um sentimento ambíguo da sociedade. É preciso que a sociedade decida o que ela quer. Qual a resposta que a sociedade quer. É uma discussão intensa, é um processo difícil, porque a responsabilidade não é só minha”, defende.
Memórias
Dentre as ocorrências mais importantes da sua vida, recorda de ter salvo uma jovem que tentou se suicidar, em 2018, em um viaduto no centro de São Paulo.
“Ela estava em pé em uma pilastra, ia e vinha. Uma hora ela sorriu para mim, e achei que ela iria voltar. Foi quando ela se jogou, e puxei ela pelo braço. O que ela me falou depois, quando estávamos no hospital, me marcou muito: ‘Você cumpriu sua missão, vai voltar para a sua casa. E eu, o que faço da minha vida agora?’”, relembra a comandante.
Também participou de um tiroteio durante um roubo a banco na Penha, na Zona Leste, há alguns anos. “Mas tiroteio é aquela coisa, você não sabe de onde a bala vem, é tiro para todo o lado, você só ouve os barulhos e tenta se defender”, lembra.
Movida à adrenalina – ela se diz “ligada no 220 ” – Elza afirma ter ainda “muitos sonhos”. Dentre eles, deseja se formar no curso de psicologia.
“A gente precisa de sonhos para viver, precisa acreditar em algo, querer algo. Nem que seja ir na [rua]25 de Março comprar uma linha. Este é o problema desta juventude: eles precisam acreditar que podem fazer acontecer”, defende.
Também quer deixar um legado de valorização e aperfeiçoamento do profissional e aumentar o efetivo, que hoje tem cerca de 6.200 agentes.
“Temos muitos pedidos, nossa demanda é infinita. Toda hora tem alguém pedindo apoio da GCM para alguma coisa e queremos fazer tudo bem feito. Estamos estudando um novo concurso, para a contratação de mil novos agentes, e também como estruturar a aposentadoria da categoria, pois não temos uma aposentadoria especial”, diz a superintendente.
RAIO-X
Elza Paulina de Souza, 52 anos, está na GCM desde a criação da Guarda, em 1986. Integrou a 1ª turma do Corpo Feminino da instituição e nos últimos anos atuou na gestão integrada da GCM, à frente do programa Guardiã Maria da Penha, que combate a violência doméstica. Elza é formada em fisioterapia e filosofia, com pós-graduação em medicina traddicional chinesa. Desde o dia 8 de março, é a comandante-geral da GCM.
(Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/04 – COTIDIANO / Por Guilherme Seto e Paulo Gomes – 4.abr.2019)
(Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/04/05 – SÃO PAULO / NOTÍCIA / Por Tahiane Stochero, G1 SP – 05/04/2019)